William Craig comenta Romanos 9

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Pergunta:

Caro Dr. Craig,

Sou um ateu que atualmente está lendo Reasonable Faith, e devo começar dizendo quão encantador e desafiador seu livro tem sido até então! Estou ansioso por ler mais de suas ideias em seus outros livros também, e como membro da “oposição fiel”, meus aplausos por seu trabalho muito bem feito em busca da verdade.

Tenho duas perguntas muito diferentes. Já antecipo os meus agradecimentos por seu tempo e consideração em abordá-las e aguardo ansiosamente sua resposta.

Em primeiro lugar, em um dos primeiros capítulos de Reasonable Faith, o senhor afirma lançar o fundamento para a ressurreição de Cristo dos mortos por Deus de forma cumulativa, construindo uma defesa da existência de um Criador divino pessoal, moral e poderoso, que é temporal com nosso universo, e então na base de sua defesa o senhor faz a afirmação de que Deus levantou Jesus dos mortos.

Ocorreu-me o pensamento, então, se seria válido a um ateu em um debate com o senhor igualmente apresentar uma defesa cumulativa para a não-existência de Deus como o senhor o definiu, e semelhante ao seu método, concluir que no máximo Jesus levantou dos mortos por meio de alguma outra coisa que não Deus, conforme proposto em sua defesa cumulativa – por meio disso concluindo que o Cristianismo é falso mesmo sendo verdadeira uma ressurreição histórica.

Obviamente eu sei que o senhor muito provavelmente sustentaria que contra-argumentos contra sua defesa são inválidos, mas estou imaginando se o senhor acha que tal método da parte de um ateu é em e de si mesmo logicamente conclusivo contra o Cristianismo se o senhor assumir a bem do argumento que todas as premissas do ateu aqui são verdadeiras.

2. Em Romanos 9, Paulo descreve Jacó e Esaú como sendo considerados amado e odiado (ou “amado menos”) antes de terem feito bem ou mal. Paulo então continua para comparar todos nós como barro moldado por um oleiro, e afirma que não é a vontade daquele que corre mas daquele que mostra misericórdia que nos salva. Paulo relata Deus dizendo a Faraó: “Eu o levantei exatamente com este propósito…” e então discute a ideia que os vasos que Deus fez para “uso comum” existem somente para o propósito de mostrar sua paciência aos seus vasos mais especiais.

Muitos reformados pensam que esta passagem mostra a dupla predestinação e a eleição incondicional, e sou forçado a concordar com eles – como também Cristo em Jo 6.65! O Deus reformado é algo que eu vejo como tirânico e indigno de adoração e de fato é difícil para alguém de fora da fé responder à interpretação calvinista de Romanos 9 com algo menos que ódio: como o proeminente estudioso reformado James White descreve este mesmo capítulo, “Eu entendo que a única forma de alguém poder crer nisto é por um ato de graça”.

Na minha opinião, isto anula o seu Molinismo, visto que ninguém pode escolher livremente Deus por si mesmo em qualquer cenário possível sem prévio auxílio de Deus. Além disso, o contexto da história relatada em João 6 mostra os discípulos abandonando Cristo, levando ao que ele diz em 6.65 e provando que Cristo não é oferecido como um dom gratuito a todos! Diante destas passagens, o que sobra para a liberdade do homem escolher Cristo?

Meus graciosos agradecimentos por seu tempo,

Darrin

 

Dr. Craig responde:

Permita-me dizer imediatamente, Darrin, o quanto aprecio o tom de sua carta. Embora discorde de minhas opiniões, sua carta é um modelo de civilidade, que todos nós faríamos bem em imitar. É um prazer abordar suas questões.

Em primeiro lugar, quanto à possibilidade de construir uma perspectiva ateístasobre a historicidade da ressurreição de Jesus paralela ao caso que construi para ela, me parece que esta é, de fato, a melhor esperança de sucesso do ateu. Primeiramente apresente argumentos contra o teísmo, tais como o problema do mal ou a impossibilidade de pessoas incorpóreas, de forma que quando você se voltar para a evidência da ressurreição simplesmente não haja nenhuma pessoa sobrenatural a apelar por meio de explicação.

Note, entretanto, uma diferença potencialmente significante entre os dois casos: no caso do teísmo, a evidência da ressurreição de Jesus é confirmatóriado teísmo (veja o belo artigo de Timothy e Lydia McGrew na futuraBlackwell Companion to Natural Theology, ed. Wm. L. Craig e J. P. Moreland), de forma que a adição da evidência da ressurreição de Jesus serve para aumentar a probabilidade do teísmo ainda mais. Em contrapartida, para o ateu, a evidência da ressurreição tende a ser desconfirmatóriado ateísmo, de forma que ela enfraquece sua defesa original anti-teístae torna o ateísmo menos provável. Se alguém estima que a evidência da ressurreição de Jesus é muito poderosa, ela poderia justamente contrabalançar o peso da probabilidade dos argumentos que você deu para o ateísmo, de forma que no final o teísmo poderia parecer, depois de tudo, uma alternativa consideravelmente boa. De qualquer jeito, o caso para o ateísmo pareceria mais fraco após levar em consideração a evidência da ressurreição de Jesus do que antes.

Em segundo lugar, vamos falar da doutrina da eleição de Paulo em Romanos 9. Quero compartilhar com você uma perspectiva sobre o ensino de Paulo que eu penso que irá achar muito esclarecedora e animadora. Tipicamente, devido à teologia reformada, temos a tendência de ler Paulo como que limitando o escopo da eleição de Deus a uns poucos escolhidos, e aqueles que não foram escolhidos não podem reclamar se Deus em sua soberania os despreza. Penso que esta é fundamentalmente uma leitura equivocada do capítulo que faz muito pouco sentido no contexto da carta de Paulo.

Anteriormente em sua carta Paulo aborda a questão de qual vantagem há para a identidade judaica se alguém deixa de cumprir as exigências da lei (2.17-3.21). Ele diz que embora ser judeu traz grandes vantagens por ser os receptores dos oráculos de Deus, todavia ser judeu não dá nenhum direito automático à salvação de Deus. Ao invés disso, Paulo faz a radical e chocante afirmação que “não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é meramente exterior e física. Não! Judeu é quem o é interiormente, e circuncisão é a operada no coração, pelo Espírito, e não pela lei escrita” (2.28-29).

Paulo defendia que “ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei” (3.20); antes, “sustentamos que o homem é justificado pela fé, independente da obediência à lei” (3.28). Isto inclui tanto gentios quanto judeus. “Deus é Deus apenas dos judeus? Ele não é também o Deus dos gentios? Sim, dos gentios também, visto que existe um só Deus” (3.29-30).

Você consegue perceber o que isso significava aos judeus contemporâneos de Paulo? “Cães” gentios que têm fé em Cristo podem de fato ser mais judeus do que os judeus étnicos e entrar no Reino enquanto o povo escolhido de Deus é deixado de fora! Isto seria impensável e escandaloso!

Paulo prossegue para apoiar sua opinião apelando ao exemplo de ninguém menos que Abraão, o pai da nação judaica. Abraão, Paulo explica, foi declarado justo por Deus antes que recebeu a circuncisão. “Portanto,” diz Paulo, “ele é o pai de todos os que crêem, sem terem sido circuncidados [isto é, os gentios], a fim de que a justiça fosse creditada também a eles; e é igualmente o pai dos circuncisos que não somente são circuncisos [observe a qualificação!], mas também andam nos passos da fé que teve nosso pai Abraão antes de passar pela circuncisão” (4.11-12).

Este é um ensino explosivo. Paulo começa o capítulo 9 expressando sua profunda dor porque os judeus étnicos estavam deixando de alcançar a salvação de Deus ao rejeitar o Messias [= Cristo]. Mas ele diz que não é como se a palavra de Deus tenha falhado. Antes, como vimos, “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos” (9.6-7). Ser etnicamente judeu não é suficiente; antes, deve-se ser filho da promessa – e isso, como vimos, pode incluir gentios e excluir judeus.

A problemática, então, com a qual Paulo está lutando é como o povo eleito de Deus, os judeus, pôde deixar de obter a promessa de salvação enquanto os gentios, que eram considerados pelos judeus como impuros e abomináveis, puderam, ao invés, encontrar salvação. A resposta de Paulo é que Deus é soberano. Ele pode salvar quem ele quiser, e ninguém pode objetá-lo. Ele tem liberdade para ter misericórdia de quem quer, até mesmo dos execráveis gentios, e ninguém pode reclamar de que Deus está sendo injusto.

Então – e este é o ponto crucial – quem é que Deus escolheu salvar? A resposta é: aqueles que têm fé em Cristo Jesus. Como Paulo escreve em Gálatas (que é uma espécie de Romanos abreviado), “Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão” (Gl 3.7). Judeu ou gentio, isto não importa. Deus soberanamente escolheu salvar todos aqueles que confiam em Cristo Jesus para salvação.

É por isso que Paulo pode continuar em Romanos 10 e dizer, “Pois não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam. Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (10.12-13). A teologia reformada não consegue fazer nenhum sentido deste maravilhoso e universal chamado à salvação. Quem quiser pode vir.

A tarefa de Paulo, então, em Romanos 9 não é limitar o escopo da eleição de Deus mas ampliá-la. Ele quer incluir todos que têm fé em Cristo Jesus apesar de sua classificação étnica. A eleição, então, é antes de tudo uma ideia corporativa: Deus escolheu um povo para si mesmo, uma entidade corporativa, e cabe a nós por nossa resposta de fé se ou não escolhemos ser membros desse grupo corporativo destinado à salvação.

Obviamente, dada a total providência de Deus sobre os negócios dos homens, esta não é toda a história. Mas o Molinismo (*uma cosmovisão parecida com a de Armínio) faz um bom sentido do restante. Jo 6.65 significa que à parte da graça de Deus ninguém pode vir a Deus por si mesmo. Mas não há sugestão aí de que aqueles que recusaram crer em Cristo não fizeram assim de seu próprio livre-arbítrio. Deus sabe em exatamente quais circunstâncias as pessoas livremente responderão à sua graça e as coloca em circunstâncias nas quais cada um recebe graça suficiente para salvação se somente essa pessoa se beneficiará dela. Mas Deus sabe quem irá e quem não irá responder. Assim, novamente, a culpa não está em Deus que algumas pessoas livremente resistem à graça e todo o esforço de Deus para salvá-las; antes, eles, como Israel, deixaram de obter a salvação porque recusaram ter fé.

Fonte: http://www.reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=667

Tradução: Paulo Cesar Antunes

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