Reflexão sobre João 13
Muitas vezes em nossa vida enfrentamos situações que nos angustiam tremendamente. São momentos que torcemos para que passem rápido, porque a dor é quase insuportável. As pessoas que nos amam, em horas assim, balbuciam no nosso ouvido: – Vai passar! Daqui a algum tempo você nem irá se lembrar do que está acontecendo!
Estes são instantes em que nos sentimos como se estivéssemos envolvidos por um furacão, atingidos por todos os lados sem qualquer possibilidade de defesa.
Jesus estava vivendo um momento como esse. No caso dele, ele tinha poder para se defender, mas preferiu passar por toda a dor e angústia que a cruz traria sobre ele. A cena que estudamos agora é uma ação entre amigos. Ele os ajuntou para uma refeição, mas não era uma refeição corriqueira. Era a última ceia.
Possivelmente os seus discípulos já sentiam no ar o clima tenso de que algo terrível aconteceria. Eles não sabiam exatamente o que era, mas era impossível
não perceber que algo grande os esperava para muito em breve.
Durante esta última refeição com os discípulos, Jesus deixou para eles algo como um testamento. Ele não estaria mais fisicamente no meio deles, e por isso deixou suas últimas orientações de como deveriam se relacionar uns com os outros.
UMA LIÇÃO DE HUMILDADE (Jo 13.12-17)
A grande preocupação de Jesus enquanto fazia sua última refeição com os seus discípulos mais chegados era a continuidade de sua obra na terra. Ele sabia que sua presença por aqui não seria mais possível. Aquele punhado de homens e mulheres simples, muitas vezes truculentos uns com os outros, alguns arrogantes, outros tímidos, alguns céticos, outros crédulos demais, conseguiriam dar continuidade à obra pela qual ele morreria em breve?
Jesus teve apenas três anos para treiná-los. Estariam prontos para ficar sozinhos?
Para o Mestre, independente das fragilidades pessoais de cada um, se eles estivessem coesos, teriam sucesso na missão. E coesão está diretamente ligada com relacionamento. E relacionamento está diretamente ligado com amor. E amor está diretamente ligado com submissão.
A submissão gera o amor, que mantém o relacionamento, que preserva a coesão, que alimenta a missão de Cristo na terra.
Jesus, o mestre da retórica, não pregou. Dramatizou seu sermão para os perplexos alunos. Ao lavar os pés deles, proclamou uma das maiores mensagens que aqueles olhos haviam visto.
Depois de pregar, fez o apelo: – Façam vocês o mesmo que eu fiz. Sirvam uns aos outros. E servindo que praticam o amor. É servindo, e não oprimindo, que vocês se mantêm unidos. Esta é a forma de sobreviver sem a minha presença física entre vocês.
Quem não serve para servir não pode ser discípulo de Jesus. Daquele momento em diante, sua comunidade seria conhecida pelo serviço. O povo de Deus não passaria a ser conhecido na história como um povo de grandes conhecimentos, de grande poder, de grandes estratégias políticas. Os seguidores do Cordeiro de Deus seriam conhecidos por darem a outra face, por dedicarem suas vidas uns aos outros.
Esta é uma característica que as pessoas ao redor do povo de Deus não entendem. Muitas vezes nos julgam covardes, fracos, medrosos. Mas Deus demonstra insistentemente que é na fraqueza que ele faz a força. Seu poder se aperfeiçoa na nossa pequenez.
UM CONVITE AO AMOR MÚTUO (Jo 13.18-30)
A dor de Jesus era maior porque ele via que do meio daqueles que ele treinou, e amou até o fim, se levantava o traidor.
É difícil não ficar machucado com alguma traição. Quando uma pessoa muito próxima nos trai a dor é intensa. Podemos sofrer os socos dos adversários com relativa tranquilidade, mas os murros das pessoas próximas doem intensamente. Isso acontece porque esperávamos sair dali um escudo, e não uma lança.
A pergunta que poderíamos fazer é como alguém poderia trair Jesus, a pessoa mais doce, meiga e mansa que já passou pela terra? Jesus só pensava em ajudar o próximo. Sua vida foi em função do outro. Curava, pregava e ensinava durante o dia todo. Ainda assim um dos seus discípulos o traiu.
Eu poderia apontar algumas respostas. O evangelista João registra que a traição era um cumprimento da Escritura. Ou seja, o Antigo Testamento já previra que a traição acompanharia o ungido de Deus. É uma citação do Salmo 41.10: “Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão. levantou contra mim o calcanhar”. Para as igrejas que nasceram da pregação dos primeiros apóstolos, esta era mais uma evidência nas Escrituras de que Jesus era realmente o enviado especial de Deus.
Os evangelistas narraram que Judas procurou os adversários de Jesus em troca de 30 moedas. A ganância estaria por trás da traição. O dinheiro parece estar na base de quase todas as traições. Como afirmou um outro autor do Novo Testamento: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (ITm 6.10).
Outras respostas para a traição poderiam ser dadas, mas a essência delas é a fraqueza humana. Pedro, de certa forma. também traiu Jesus, ao negá-lo por três vezes. Judas traiu porque era gente, pessoa. E pessoas são imperfeitas.
Jeremias escreveu que “maldito é o homem que confia no homem” (Jr 17.5). Confiança cega nas pessoas, mesmo nos amigos e parentes, pode trazer grande decepção. Essa visão bíblica não é para provocar isolamento das pessoas. Devemos entender que o único que jamais nos decepcionará é o próprio Deus. E quando as pessoas nos magoarem, devemos estar prontos para perdoá-las, como Jesus fez com Pedro. No caso de Judas, não houve nem oportunidade de isso acontecer, já que ele cometeu suicídio.
UMA SOLENE DESPEDIDA (Jo 13.31-34)
Chega finalmente a hora da despedida. Jesus está para partir. Suas palavras finais após a última ceia certamente marcaram aqueles discípulos muito mais do que muitos outros discursos do Mestre. As igrejas do Novo Testamento sempre se referiam àquela ceia como um marco no ministério de Jesus.
Quando Paulo vai advertir a igreja em Corinto sobre seus ajuntamentos fraternos, alguns anos depois da ascensão de Jesus, é a esse evento que ele faz referência (1 Co 11). Pela forma como o grande apóstolo escreveu, parece que a última ceia fazia parte mesmo da sua pregação: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim (ICo 11.23-24).”
As igrejas passaram também a se lembrar deste evento, repetindo-o periodicamente. E a cada vez que uma comunidade de fé se reunia para repetir os gestos de Jesus, ela anunciava sua morte e sua volta em glória.
Repetindo novamente as palavras de Paulo: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (1 Co 11.26).
Nestas palavras de despedida, Jesus anunciou sua morte, ainda numa linguagem velada. Seus discípulos não compreendiam claramente o que iria acontecer. Por isso Pedro pronuncia algumas palavras, um misto de coragem e fanfarro que iria terminar na tripla traição que viria em breve.
Jesus não nega que Pedro morreria por amor a ele, mas isso não seria naquele momento. Seria num futuro ainda distante, depois da plantação de muitas igrejas e do crescimento das comunidades cristãs pelo Império Romano.
APLICAÇÕES PARA A VIDA
Jesus morreu para que cada um de nós fosse inserido numa comunidade de fé.
Não podemos viver numa igreja como se o outro simplesmente não existisse. As pessoas à nossa volta devem nos reconhecer pelo amor que praticamos pelos irmãos. Numa época de crise, é possível que as pessoas vivam tão preocupadas com suas próprias vidas, que não percebam o sofrimento do irmão ao lado.
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REVISTA COMPROMISSO – 2° TRIMESTRE 2004