Resposta a Leandro Quadros sobre Colossenses 2.16
Nessa parte[1], o senhor Leandro Quadros vai lidar com a primeira das três opções interpretativas sobre Cl 2.16 que ele citou logo no início do artigo. E logo de cara ele expõe como exemplo os pastores João Flávio Martinez e Natanael Rinaldi (CACP) numa tentativa de nos reduzir a únicos proponentes da posição, o que é falacioso. Até mesmo Samuel Bacchiocchi em sua dissertação “Do sábado para o domingo” (pp. 339-342), mostra vários proponentes de peso dessa linha de pensamento, dentre eles destacamos: Agostinho, Lutero, Calvino, J. Daniélou, William Robertson Nicoll, Paul K. Jewett, W. Rordorf, e outros como Walter Martin. Tudo indica que o CACP continua na mira do professor!
Prosseguindo, ele passa a citar dois argumentos nos quais acreditamos:
- A ocorrência de aproximadamente 60 vezes no Novo Testamento da palavra sábado, e que, se Colossenses 2.16 não estivesse tratando do sábado semanal, seria a única vez na Bíblia que a palavra seria empregada de maneira diferente;
- Colossenses 2.14-17 demonstra explicitamente que Cristo cravou a lei na cruz (verso 14).
É claro que a nossa interpretação de Cl 2.16 não se restringe apenas a esses dois argumentos, há muito mais evidências envolvidas.
Mesmo assim, esperaríamos que o senhor Leandro Quadros lidasse diretamente com os dois argumentos citados. Mas não é que o rapaz saiu disparando que nem maluco pra todos os cantos? Ele simplesmente deixou nossos dois argumentos de lado e mirou no que ele acredita ser as “razões” do porquê Cl 2.16 não anular o sábado semanal.
Grande parte das chamadas “razões” elencadas por ele são os velhos e surrados argumentos do sabatismo tradicional que foram sobejamente refutados pelo CACP e ICP ao longo dos anos de debates com líderes adventistas.
Mas confesso que fiquei decepcionado, esperava algo mais robusto de sua parte, senhor Leandro. Pelo visto, mirar na verdade não é uma tarefa tão fácil assim!
Todavia, impossível não comentar algumas das barbaridades encontradas no texto do senhor Leandro Quadros, que, de tão absurdas, me levam a duvidar de sua competência como mestre em teologia ou então da autoria daquele estudo.
Para provar que Cl 2.14,16 não pode ser interpretado como se fosse a lei e o sábado, ele oferece nove razões recheadas de versículos sem conexão alguma com o que estamos tratando em Cl 2.16. Saca-os, injeta no tambor e dispara-os a esmo. Passaremos a analisar cada um deles:
(1) Afirma: “A Lei de Deus, mesmo não sendo o meio de salvação (somos salvos pela graça – Efésios 2:8, 9), é o padrão de conduta para todo crente que está sendo santificado pelo Espírito Santo”
Protesto! Mil vezes não! O nosso padrão de conduta não é a lei, mas Cristo. Em meu livro “O Sabatismo à luz da Palavra de Deus”, deixo bem clara esta questão quando explico que tudo o que os judeus aplicavam à Torá, os apóstolos transferiram para Cristo. Ele é nossa regra de conduta. Minhas boas obras são feitas de acordo com as estipulações da Nova Aliança, não mais da Antiga.
Por exemplo, quando Paulo confrontou o problema de imoralidade sexual em Corinto, ele não condenou tal conduta baseando-se na lei mosaica – apesar de sua condenação refletir o julgamento dela. Ele argumentou do ponto de vista de sua união com Cristo (I Cor 6.15-20). A nossa obediência é dirigida não para um código escrito, mas para uma pessoa – Jesus.
Nossa conduta terá como referência a intenção do coração e o amor ao próximo (Rm 13.9; 14.22,23), não os dez mandamentos.
Sinceramente não vejo onde o argumento das “boas obras” irá ajudá-lo na refutação da nossa posição.
(2) Outro equívoco cometido por ele é acreditar que “boas obras” é o mesmo que fazer o que manda a lei. O termo “boas obras” usado por Paulo deve ser entendido dentro da Nova Aliança e contrasta com as “obras da lei”. As boas obras têm a ver com nossa consciência nova em Cristo e ultrapassam em muito simplesmente guardar a lei.
(3) Outra: “A Lei é o padrão de julgamento porque indicará se a nossa fé nos transformou ou não”. Aqui ele faz uma combinação de vários versículos que utilizam as expressões “mandamento”, “lei da liberdade” e “obras” para realçar ainda mais o efeito do argumento.
Contudo, o tiro saiu pela culatra, pois todos os versos falam de uma só coisa: a lei do amor. Ora, guardar os mandamentos de Jesus é praticar o amor (Jo 15.12), assim como o contexto da “lei da liberdade” deixa claro que está tratando ainda do amor (Tg 2.8,9). Essa é a lei pela qual seremos julgados. As boas obras são feitas a partir dessa lei e não dos dez mandamentos.
(4) Afirma que “Sendo o padrão do julgamento divino e um reflexo do caráter amoroso dEle, a Lei é eterna” e passa então a citar Salmo 119.152 e Mateus 5.17,18.
Bem, pra começo de conversa o salmista não faz diferença alguma entre duas leis, uma moral e outra cerimonial, portanto, a lei que ele tem em mente é a lei toda. O Sl 119, assim como o 19, é estruturado na forma de paralelismo sintético. O primeiro agrupa oito sinônimos da vontade de Deus que são “lei”, “preceitos”, “estatutos”, “mandamentos”, “ordenanças”, “juízos”, “palavra” e “testemunhos”, ou seja, toda a lei. O verso 97 parece ser uma referência à obrigação do rei de ler todo o livro da lei (Cf. Dt 17.15-20; Sl 1.2). Se o verso 152 prova que a lei é eterna, então prova que toda ela é eterna, até mesmo a chamada “lei cerimonial” aí incluída.
Quanto a Mt 5.17, tampouco esse verso prova a eternidade da lei, pois o que Jesus asseverou não era o tempo que a lei havia de durar, mas a certeza do seu cumprimento (Cf. Lc 24.44; At 13.39; Ef 2.14). E, diga-se de passagem, Jesus trata de toda a lei de Moisés. Jesus guardou de fato a lei, mas toda a lei, não podia ser diferente, pois nasceu sob a sua vigência. Guardou a circuncisão, o que não fazem os adventistas; deu oferta segundo a lei: um par de rolas ou dos pombinhos (Lc 2.21-23); guardou a festa da páscoa aos doze anos (Lc 2.42); guardou o sábado (Lc 4.16) e assim cumpriu toda a lei. (Lc 24.44; Gl 4.4-6).
O argumento sobre as mulheres ele deixou no item 9, mas vamos comentá-lo aqui. As mulheres guardaram o sábado? Sim, e daí? O senhor não ignora que estas mesmas mulheres judias observavam também a Festa de Pentecostes (At 1.14; 2.1). Uma festa judaica que nem mesmo os adventistas observam.
A propósito, a revista da Escola Sabatina, do 1o trimestre de 1980, p.19, afirma: “O NT não dá nenhuma indicação que se tenha pedido aos judeus que abandonassem imediatamente a prática da circuncisão ou que ignorassem as festividades judaicas”.
Parafraseio o que a revista não teve coragem de dizer: “O NT não dá nenhuma indicação que se tenha pedido aos judeus que abandonassem imediatamente a prática do sábado.”
(5) No item 4 (quatro) ele usa o argumento de que Paulo guardava o sábado. O raciocínio é simples: se ele o guardava, como poderia cancelá-lo ao mesmo tempo? Diz que “Era costume dele obedecer ao mandamento. Fazia parte do estilo de vida dele!” e chega ao absurdo de contar setenta e oito sábados que Paulo supostamente guardou em Corinto. Claro, isso não tem base bíblica alguma, pura especulação!
Pergunto: qual era o real propósito de Paulo aos sábados nas sinagogas; guardar sábados ou aproveitar a oportunidade para pregar aos grupos de judeus, prosélitos e aos tementes a Deus ali reunidos? Segundo o senhor Leandro Quadros, a primeira opção.
Observe, entretanto, a estrutura frasal usada por Lucas ao mencionar Paulo juntamente com sinagogas, judeus e o sábado em versões diferentes da Bíblia.
“E Paulo, como tinha por costume, foi ter com eles e, por três sábados, disputou com eles sobre as Escrituras” (ARC)
“Ora, Paulo, segundo o seu costume, foi ter com eles; e por três sábados discutiu com eles as Escrituras”. (ARA)
“Conforme o seu costume, Paulo foi lá e nos três sábados seguintes falou sobre as Escrituras Sagradas com as pessoas que estavam ali na sinagoga.” (NTLH)
“Como era costume de Paulo, ele foi lá pregar, e durante três semanas seguidas discutiu as Escrituras com o povo.” (Bíblia Viva)
Qual era o costume de Paulo mesmo: guardar o sábado ou “ter com eles”? Perceba que Lucas não realça o sábado, o dia aparece no versículo de modo secundário e subalterno à missão evangelística de pregar aos judeus. Isso está de pleno acordo com a estratégia paulina (I Co 9.20). Observou como a estrutura da frase não permite a conclusão do senhor Leandro Quadros? Invertendo o argumento diríamos: como poderia Paulo dar exemplo de guardar dias se ele, em outros lugares, contraria esse pensamento (Rm 14.5; Cl 2.14,16)? Impossível!
Arremato o argumento com a observação perspicaz de Marshall ao dizer que “A visita costumeira de Paulo à sinagoga de uma cidade estranha (13:4-12, nota), não era meramente para participar da adoração, mas, sim, para evangelizar aqueles que vinham aos cultos, (cf. Lc 4:16).” (Marshall, Howard l. Atos Introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1982, p.261)
(6) E mais, “Deus disse para “lembrarmos” do Sábado. Não haveria necessidade de tal ênfase no mandamento se ele estivesse sendo abolido em Colossenses 2:16.”
Esse argumento é de debilidade evidente, pois o cancelamento da lei não depende de minhas conjecturas a respeito dela. O que importa é o que está escrito. Não vejo nenhum problema em Deus falar para o povo “lembrar-se” do sábado e depois cancelá-lo na cruz. Onde está a dificuldade? Se fosse assim, Deus nunca poderia proferir a cessação do sábado em Oseias 2.11. Aliás, Deus nunca poderia cancelar até mesmo os chamados “sábados cerimoniais”, pois estes também eram para ser “lembrados”, pois eram “estatutos perpétuos” (Lv 23.31). Lembrados, porém, enquanto durasse a velha economia. Estes sábados tinham sua data de validade. Algo interessante a mencionar é o fato de que em Dt 5.15, quando há a repetição do quarto mandamento, a ênfase para “lembrar” não recai mais no sábado, mas no Egito. Será que o Senhor Leandro Quadros vive lembrando-se do Egito também? Espero que não. Mas deveria, porque Deus assim enfatizou! Entretanto, para tristeza e escândalo do nosso amigo sabatista, o apóstolo Paulo escreveu que nós não estamos mais sujeitos ao “sábado” hebdomadário e isso é o que importa; goste ele ou não, aceite ou não.
(7) O quê? Sábado em Apocalipse 14? Essa não! A sétima razão oferecida pelo senhor Leandro é a pior de todas. É de causar dó. É o que eu chamo de dislexia exegética, pois ele consegue ver o sábado onde ele não está. Incrível! Sofrem do mesmo mal das Testemunhas de Jeová, pois quando encontram a palavra “nome” no Novo Testamento, se apressam em afirmar que ali com toda certeza deve estar se referindo a “Jeová”.
O problema é que esse anjo não está pregando sábado coisa nenhuma. Isso é pura invencionice dos pioneiros adventistas, uma eisegese, um exemplo clássico de como deturpar o texto e forçá-lo a dizer o que ele não diz. Acreditar que o anjo está falando do sábado por mera semelhança frasal de fragmentos do versículo com Êxodo 20.8 é o mesmo que afirmar que Jeremias 11.19 está profetizando sobre a morte do Messias simplesmente porque fragmentos da frase se “assemelham” em alguns aspectos a Isaías 53.7. Observe, compare e tire suas conclusões:
“Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a boca; como um cordeiro que é levado ao matadouro, e como a ovelha que é muda perante os seus tosquiadores, assim ele não abriu a boca. Pela opressão e pelo juízo foi arrebatado; e quem dentre os da sua geração considerou que ele fora cortado da terra dos viventes, ferido por causa da transgressão do meu povo?” (Isaías 53.7,8 – ARA)
“Mas eu era como um manso cordeiro, que se leva à matança; não sabia que era contra mim que maquinavam, dizendo: Destruamos a árvore com o seu fruto, e cortemo-lo da terra dos viventes, para que não haja mais memória do seu nome.” (Jr 11.19 – ARA)
Qualquer pessoa de inteligência mediana notaria a discrepância. Mas não os adventistas, pois fazem a mesma coisa com Apocalipse 14.7 e Êxodo 20.8.
O senhor Leandro Quadros deveria saber que existem outras construções parecidas no Antigo Testamento que usam a mesma expressão idiomática de mundo tripartido em céus, terra e mar. Veja:
“Tu, só tu, és Senhor; tu fizeste o céu e o céu dos céus, juntamente com todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela existe, os mares e tudo quanto neles há, e tu os conservas a todos, e o exército do céu te adora.” (Ne 9.6)
“que fez os céus e a terra, o mar e tudo quanto neles há, e que guarda a verdade para sempre” (Sl 146.6)
Outras vezes o escritor bíblico usa apenas os dois mundos, “céus e terra”, para resumir todo o universo criado (Gn. 1.1; Salmos 115.15; Salmos 121.2; Jr 32.17).
O contraste muitas vezes encontrado entre o “céu” e a “terra” é para mostrar a superioridade do Criador sobre a criatura como em Jó 35.5 e Salmos 2.4 ou para mostrar essa superioridade sobre os ídolos como em I Crônicas 16.26 “Pois todos os deuses dos povos são ídolos, porém o Senhor fez os céus.” (Cf. Sl 96.5)
Em nenhum momento esses textos fazem referência ou mesmo inferência ao sábado semanal. Citar Deus como Criador mencionando os três elementos ou apenas dois deles é um hebraísmo que mostra a superioridade de Deus como o Criador Supremo e não tem nada a ver com guardar sábados.
O contexto de Apocalipse 14 exemplifica bem o que acabei de dizer, pois segue esse mesmo padrão: a Besta é um ídolo que pretende se passar por Deus, mas o anjo lembra que os moradores da terra devem dar glórias não à Besta, mas ao Criador dos céus e da terra. Ele tem o controle sobre todo o universo, pois é o criador do mundo inteiro. A menção do céu, da terra, do mar e das fontes das águas é proposital, pois prepara a cena do juízo do capítulo 16 que será derramado em forma de pragas nos quatro lugares mencionados: terra (16.1,2,10,18,19), céu (16.8, 17, 21), mar (16.3) e fontes das águas (16.4,12).
A mensagem foi dada: “Temei a Deus, e dai-lhe glória; porque é chegada a hora do seu juízo; e adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas.” A cólera divina atingirá todos esses lugares que estão sob o controle de Deus, daí a menção Dele como criador destes quatro lugares.
O leitor percebeu que a interpretação adventista do capítulo 14 é improcedente? E isso por diversas razões de cunho teológico, gramatical e histórico, mas principalmente por introduzir elementos estranhos ao texto, tornando a interpretação capciosa, enviesada e fraudulenta, pois não leva em consideração o contexto imediato e geral das Escrituras. Definitivamente, esse texto não suporta a interpretação de um evangelho sabatista. Essa NUNCA foi a intenção de Deus.
8) A terceira razão é um apelo emocional: “Não devemos dizer que a Lei do Senhor foi abolida por que assim estaremos desrespeitando ao Juiz de toda a terra” e para fundamentá-la cita Sl 119.126. Aqui ele comete dois equívocos: a autoria davídica do Salmo e sua interpretação. Que a “lei” mencionada no Salmo 119 é “toda a lei” (Torá no original) já ficou demonstrado na refutação da quarta razão. Não há mais o que comentar.
9) Diz ele: “Na Nova Terra iremos observar o sétimo dia (Isaías 66:23) da semana para louvar o Criador e também a Festa de Lua Nova, período mensal em que comeremos da árvore da vida, segundo Apocalipse 22:2.”
Eu gostaria que o senhor Leandro explicasse para seus leitores como ele, e os demais adventistas, guardarão esse tal sábado na Nova Terra, se lá não haverá dia e noite! Sim, porque Apocalipse nos diz que o sol não existirá mais (Ap 21.1-4,23-24) e a observância adventista é de pôr-do-sol a pôr-do-sol. Aliás, costume que os adventistas não retiraram do decálogo (da chamada “lei moral”), mas daquelas outras leis misturadas lá no livro de Moisés com a “lei cerimonial”.
Já que as nações andarão à luz do Cordeiro (Ap 21.24), será que Jesus vai acender e apagar de doze em doze horas para os adventistas observarem seu sábado?
Outra: o senhor Leandro Quadros estaria disposto a guardar também o ritual das “Luas Novas”? Sim, porque elas estão intimamente unidas no mesmo versículo aos tais sábados. Por que mirar somente no sábado desconsiderando as Luas Novas? Coerência, aonde anda!
Conclusão
O objetivo de desqualificar a interpretação da primeira opção falhou grandemente. O senhor Leandro Quadros não chegou nem a arranhar nossos argumentos; o máximo que fez foi sair com apelos evasivos de “obras da lei”, “sábado na Nova Terra”, “perpetuidade da lei” e coisas do gênero não pertinentes ao tema de Cl 2.16.
Resta-nos esperar para ver se as duas opções restantes, nas quais ele se fia, são fortes o suficiente para configurarem, pelo menos, como uma alternativa válida à primeira ou se são descartáveis.
[1] Conferir aqui : http://novotempo.com/namiradaverdade/os-sabados-de-colossenses-216-parte-2/
Clique aqui e leia o 3° artigo da série