Uma resposta a Leandro Quadros sobre Colossenses 2.16
Na terceira [1]parte do seu estudo, “Os sábados de Colossenses 2.16”, Leandro Quadros propõe analisar a segunda teoria interpretativa tomando como principal expoente o teólogo adventista Samuelle Bacchiocchi.
Para ele o sábado de Cl 2.16 é de fato o sábado semanal. Neste particular, Bacchiocchi não está contando nada de novo. Lá pelos idos de 1914, D. M. Canright, um ex-pastor adventista, já havia demonstrado exatamente a mesma coisa em seu livro “Seventh-Day Adventism Renounce”.[2]
É certo que essa é a interpretação mais plausível por diversas razões óbvias inerentes ao próprio texto e ao contexto mais amplo do Antigo Testamento, dentre as quais destacamos:
- Os sábados cerimoniais já estão incluídos na expressão “dias de festas”;
- Repeti-los na mesma sentença seria uma redundância sem limites;
- A palavra sabbaton utilizada no Novo Testamento, sempre se refere aos sábados semanais;
- A construção frasal de Cl 2.16 segue um padrão próprio encontrado no Velho Testamento que começa pelo decrescente até o crescente anual-mensal-semanal ou o inverso: semanal-mensal-anual.
Mas não se iluda com a aparente concessão feita por Bacchiocchi, ele não está disposto a levar suas descobertas até às últimas consequências como fez Canright, antes, é preciso negar o óbvio para proteger o sábado, uma vez que o princípio adventista sobre a perpetuidade dele deve prevalecer sobre os fatos.
E essa cumplicidade com as premissas adventistas fez com que ele desse uma guinada incrível no argumento, ao imaginar que “Paulo não está combatendo o mandamento, mas sim uma maneira errada de guardar o dia, ensinada pelos hereges em Colossos”.
Bacchiocchi sai pela tangente com a seguinte explicação: “… podemos estabelecer que o sábado é mencionado na passagem não no contexto de uma discussão direta a respeito da obrigação da lei, mas sim no contexto de crenças e práticas sincretistas (que incorporavam elementos do Velho Testamento, indubitavelmente para prover justificativas para seus princípios ascéticos) advogados pelos ‘filósofos’ colossenses. Não somos informados de que tipo de observância de sábado esses mestres promoviam, todavia, na base da ênfase que davam à escrupulosa adesão a ‘regulamentos’, aparentemente o dia devia ser observado de um modo rigoroso e supersticioso[…]O fato então é que no contexto de Colossenses 2 o termo ‘lei’ (grego nomos) se encontra ausente . . . da controvérsia” .
É curioso como a tentativa desastrosa de Bacchiocchi para escapar da lógica direta desta passagem acaba criando insuperáveis contradições ao seu esquema teológico.
Sua leitura da problemática “heresia colossense” é inaceitável, não só do ponto de vista lógico, mas até gramatical. Ele parece não perceber que, com essa explicação, está forçando o cristianismo a um nível absurdo de judaização.
Se Paulo estivesse condenando apenas a “perversão” dos falsos mestres e não os elementos rituais em si, como ele afirma, isso recolocaria em vigor para o cristão todo o pacote de regras contido em Cl 2.16, isto é, sábados (sabatton σαββάτων), os dias de festas (eortes ἑορτῆς), luas novas (neomnia νεομηνίας) e a alimentação dietética (brosei βρώσει e posei πόσει). Essa é a lógica que emerge quando sua teoria é levada às últimas consequências!
O problema com a teoria de Bacchiocchi é que o texto continua descrevendo todos aqueles elementos (sábados e festas) como “sombras das coisas vindouras”.
É o sábado do decálogo, em vez da “perversão sincretista” sobre ele, que é chamado de “sombras do que haveria de vir” (NVI). É o sábado, e não a “maneira errada de guardá-lo”, que não é mais obrigatório para o cristão.
O pré-conceito teológico de Bacchiocchi não permitiu que ele captasse toda a força do argumento do apóstolo nessa passagem. Paulo vai muito além da mera condenação das práticas erradas dos falsos mestres, ele atinge diretamente o âmago da questão ao retirar de debaixo de seus pés toda a autoridade religiosa dos próprios mandamentos. É como se Paulo estivesse dizendo mais ou menos assim: “se Deus cancelou a própria lei referente a esses mandamentos, cravando-a na cruz, quanto mais as regras supersticiosas sobre essas práticas! Vocês não precisam se submeter a nenhuma das regras que essas pessoas querem impor sobre vocês, por uma simples razão: a lei dos mandamentos não está mais em vigor”.
Para livrar-se do grande conflito que obviamente sua teoria gerou, Bacchiocchi tentou reconstruir o significado da expressão “sombra”, dando a ela um aspecto mais positivo, veja: “Além disso, notamos que o termo sombra é usado não em um sentido pejorativo, como um rótulo para observâncias inúteis cuja função cessou, mas para qualificar o seu papel em relação ao corpo de Cristo…”
O equívoco é notório, haja vista que as outras duas únicas vezes que o termo “sombra” é usado em relação à lei é para dizer que a sombra acabou, mas o original, que neste caso é o corpo, permanece. Em Hebreus 8:5 e 10.1, o sistema mosaico inteiro é chamado de sombra. Em nenhum destes casos alguém vai objetar dizendo que a sombra ainda permanece depois que Cristo veio. Percebemos a mesma linguagem em Colossenses 2.16,17, onde os dias sagrados judaicos são uma sombra em contraste com Cristo que é o corpo.[3]
Caso a sombra permaneça válida mesmo depois que Cristo veio, então devem ser válidas todas aquelas outras festas, comidas e bebidas “cerimoniais” que estão juntas no mesmo verso. Não há por onde escapar!
Confira essa comparação entre os três versículos e veja em destaque a palavra sombra[4]:
Colossenses 2.16,17
16 Μὴ οὖν τις ὑμᾶς κρινέτω ἐν βρώσει καὶ ἐν πόσει ἢ ἐν μέρει ἑορτῆς ἢ νεομηνίας ἢ σαββάτων,
17 ἅ ἐστιν σκιὰ τῶν μελλόντων, τὸ δὲ σῶμα τοῦ Χριστοῦ
Hebreus 8.5
οἵτινες ὑποδείγματι καὶ σκιᾷ λατρεύουσιν τῶν ἐπουρανίων
Hebreus 10.1
Σκιὰν γὰρ ἔχων ὁ νόμος τῶν μελλόντων ἀγαθῶν
Portanto, a lei, metaforicamente chamada de sombra é aplicada nos três versículos com o mesmo significado.
Leandro Quadros apresenta outro argumento de Bacchiocchi contra a nulidade do sábado: “Na interpretação de Bacchiocchi e de outros estudiosos, o que foi encravado na cruz não foi a Lei. Isso porque o termo grego para a expressão “escrito de dívida” (cheirographon) não se refere à Lei, mas sim a um “certificado de dívida” (de pecado), resultante de nossas transgressões. Deus removeu na cruz não a Lei, mas a possibilidade de cobrança contra os que foram perdoados por Cristo. Cristo removeu na cruz a possibilidade de condenação do ser humano!”
Uma informação destituída de fundamento quer seja histórico ou literário, pois o significado de χειρόγραφον (cheirographon) como “um documento de obrigação” é só um dos possíveis significados da palavra na literatura grega antiga.
O Dicionário Strong, no verbete 5498 χειρογραφον cheirographon, afirma que é uma palavra composta de 5495 χειρ cheir que traz o sentido de 1) pela ajuda ou ação de alguém, por meio de alguém; 2) fig. aplica-se a Deus simbolizando sua força, atividade, poder; e 1125 γραφω grafo que possui os seguintes sentidos:
1) escrever, com referência à forma das letras;
1a) delinear (ou formar) letras numa tabuleta, pergaminho, papel, ou outro material;
2) escrever, com referência ao conteúdo do escrito;
2a) expressar em caracteres escritos;
2b) comprometer-se a escrever (coisas que não podem ser esquecidas), anotar, registrar;
2c) usado em referência àquelas coisas que estão escritas nos livros sagrados (do AT);
2d) escrever para alguém, i.e. dar informação ou instruções por escrito (em uma carta);
3) preencher com a escrita.
Portanto esse termo traz as seguintes possibilidades:
1) manuscrito, o que alguém escreveu por sua própria mão;
2) nota manuscrita na qual alguém reconhece que recebeu dinheiro como depositário ou por empréstimo, e que será devolvido no tempo determinado.[5]
Outro estudioso, R. C. H. Lenski, em sua “Interpretação das epístolas paulinas”[6], mostra que cheirographon pode recorrer a um contrato de trabalho, para um documento que dá autoridade para agir ou até mesmo para acordos empresariais. Portanto, engana-se o Dr. Bacchiocchi ao dizer que cheirographon significa apenas um instrumento para se lembrar ou registrar uma dívida. Significa simplesmente um documento escrito. O referido documento registrado no v.14 deve ser determinado pelo contexto. Diz Paulo que cheirographon consiste em “regulamentos”, “ordenanças”, “decretos” (da palavra dogmasin no grego). Colossenses 2.14, portanto, não descreve pura e simplesmente um documento que nós assinamos, mas algo que foi escrito em decretos divinos.[7] Essa mesma palavra “dogmasin” (δόγμασιν) aparece em Efésios 2.15, onde Paulo discute sobre a lei mosaica obviamente. Colossenses 2.14 e Efésios 2.15 estão falando do mesmo documento. Observe quando colocamos juntos os dois versículos.
Efésios 2.14,15 – “na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos contidos em ordenanças…”
Colossenses 2.14 – “e havendo riscado o escrito de dívida que havia contra nós nas suas ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o do meio de nós, cravando-o na cruz.”
Quando nós examinamos o contexto de Colossenses 2.14, vemos que é precedido por uma referência à circuncisão e é seguido por uma referência sobre festas, luas novas e sábados. Paulo chama isto de “stoicheia”, ou seja, “de princípios de regulamentos deste mundo” (Col. 2.20), da mesma maneira que ele fez em Gálatas 4.9,10. Além disso, Paulo escrevia para combater aqueles que queriam impor a lei mosaica aos cristãos gentios.
Bacchiocchi vê uma objeção a esta interpretação de Colossenses 2.14 arrazoando da seguinte maneira: “Como Deus pôde pregar na cruz a lei, sendo que ela é santa (Rom. 7.12)? Como isso ajudaria na remoção da culpa destruindo a lei?”. Com tal questionamento Bacchiocchi permite que suas pressuposições teológicas anulem a clareza da passagem. A solução não está em adaptar o pensamento do escritor bíblico às nossas premissas teológicas, mas deixar que a Escritura fale por si, independente se ela vai ou não ao encontro de nossas pressuposições.
Comentando sobre a mesma passagem, o conhecido ex-padre Anibal Pereira Reis chega à seguinte conclusão: “As ofensas procediam contra as disposições morais do decálogo. Se se tratasse aí de ordenanças puramente cerimoniais, o texto teria se valido do termo “dikaioma” aplicado no plural “dikaiomata” com este sentido ao aludir a cerimônias judaicas em Hb 9.1,10, e não a forma verbal “dogmatizomai”. Ou ter-se-ia valido do vocábulo “ethos” que significa “rito e costumes”, encontrado em Lc 1.9; Jo 19.40; At 6.14; 15.1;16.21; 21.21;25.16;26.3;28.17 e Hb 10.25.”[8]
Bacchiocchi alega que a palavra lei nem aparece no contexto de Col 2.16, por isso o argumento de que Paulo não está tratando sobre a lei é justificável: “O fato então que no contexto de Colossenses 2 o “termo “lei” (grego nomos) se encontra ausente . . . da controvérsia”
Entretanto, esse argumento é improcedente pelos seguintes motivos:
- a) Apesar do termo nomos (lei) não estar registrado literalmente na epístola, seu conteúdo pode sim, ser encontrado;
- b) Os estudiosos têm observado que Colossenses é uma carta singular em diversos aspectos, inclusive quanto ao seu vocabulário, estilo e cristologia;
- c) Há palavras que só aparecem nessa epístola; outras ela compartilha somente com Efésios e ainda outras, presentes nas demais epístolas, estão ausentes em Colossenses. Dentre elas destacamos as seguintes: justificação, fé, salvação e lei;
- d) É difícil não enxergar ensinos na epístola que apontam para os temas paulinos da justificação, da fé e da salvação, apesar destes termos não estarem lá literalmente grafados.
Alegar que o verso 14 não trata da lei, ancorado pura e simplesmente na ausência da grafia no texto, é o mesmo que negar a doutrina da trindade tendo por base a mesma justificativa.
Creio que podemos parar por aqui. Peço desculpas aos leitores pela maneira prolixa com que tratei o assunto, mas a gravidade dos equívocos do senhor Leandro Quadros assim o exigiu.
A refutação de outros argumentos do Dr. Samuelle Bacchiocchi sobre a perícope de Colossenses 2.16 constante no apêndice “Paulo e o sábado”, do livro “Do sábado para o domingo”, merece uma resposta à parte. É o que faremos, se Deus assim o permitir.
Por ora, finalizamos dizendo que apesar de Bacchiocchi avançar um pouco no entendimento tradicional adventista sobre Colossenses 2.14-16, admitindo a interpretação correta de “sábados semanais”, ele deixou a desejar em outras partes. Seu zelo para com a doutrina sabatista maculou sua pesquisa, e suas especulações colocaram em xeque vários aspectos de sua teoria criando enormes contradições para seu esquema teológico como ficou demonstrado acima.
No próximo artigo iremos examinar a terceira opção oferecida pelo nosso amigo e veremos se ela suporta o peso dos fatos.
Os escritores do Novo Testamento descrevem Cristo como o último Adão (I Cor. 15:45), como nosso Cordeiro pascal (I Cor. 5:7) e como nosso grande Sumo Sacerdote (Heb 4:14).
Dt 31:26 (NVI) 26 “Tomai este livro da lei, e ponde-o ao lado da arca da aliança do Senhor vosso Deus, para que ali esteja por testemunha contra ti”
Segundo, deve-se lembrar que, de acordo com Colossenses 2.17, o sábado era uma “sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo”. A observância do sábado estava associada com a redenção citada em Deuteronômio 5.15, onde Moisés determinou: “porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito, e que o Senhor teu Deus te tirou dali com mão poderosa, e braço estendido; pelo que o Senhor teu Deus te ordenou guardasses o dia de sábado”. O sábado era uma sombra da redenção que viria com Cristo; simbolizava o descanso de nossas obras e a entrada no descanso que Deus propiciou com a sua obra consumada. – See more at: http://www.vivaldopinto.com.br/index.php/palavras-que-edificam/193-o-sabado-sombra-da-redencao-em-cristo#sthash.ZxAy9O2v.dpuf
Sabbatarianism Re-examined
(Sabatismo reexaminado)
By Robert D. Brinsmead
(republished with permission of Verdict Publishing)
June 1981
http://www.exadventist.com/home/articles/sabbatarian/tabid/452/default.aspx#Colossians 2:16Chapter 5
O problema com esta interpretação é que Paulo não faz uma clara distinção entre a lei moral e cerimonial. Há, naturalmente, uma distinção entre rituais externos temporários e princípios éticos eternos. Mas, como já vimos, a partir de nossa pesquisa do livro de Gálatas, é característica de Paulo lidar com a lei na sua totalidade. Em nenhum lugar ele nos dá uma fórmula para determinar quais partes da lei do Antigo Testamento constituem a lei moral e quais partes constituem a lei cerimonial. Mais recentemente, na história da interpretação, alguns comentadores viram em Colossenses 2:14 uma referência a uma ligação de endividamento. Eles apontam que a expressão traduzida como “código escrito” vem da palavra grega “cheirographon”, que significa um documento escrito à mão ou algum tipo de vínculo jurídico. Os estudiosos descobriram casos em que a palavra cheirographon foi usada nos tempos antigos para se referir a um projeto de lei assinado de endividamento (uma espécie de IOU *). Deve-se salientar, no entanto, que a maioria dos estudiosos que sugerem essa interpretação reconhecem que o documento de endividamento e os regulamentos da lei são os mesmos. (4) (*) Obs. Abreviação de “I owe you” – “eu lhe devo” – um documento informal de confissão de dívida, espécie de nota promissória. (NT)
O erudito adventista Samuelle Bacchiocchi argumenta que a cheirographon de Colossenses 2:14 não se refere à lei em todos os aspectos, mas é simplesmente “o instrumento para a lembrança do pecado” ou “o registro de nossos pecados.” (5)
Bacchiocchi reconhece que, se esta passagem paulina se refere às ordenanças da lei mosaica, “existe uma possibilidade legítima de que o sábado poderia ser incluído entre as ordenanças “pregadas na cruz.” (6) Mas ele acha que a sua interpretação do cheirographon alivia o Sabatismo de qualquer constrangimento.
Há, no entanto, uma grave fraqueza no argumento de Bacchiocchi sobre a palavra cheirographon. O significado de cheirographon como um documento de endividamento é apenas um significado da palavra em grego não bíblico. Lenski aponta que cheirographon nem sempre se refere a obrigações do devedor, mas pode referir-se a um contrato de trabalho, a um documento dando autoridade para agir ou até mesmo a acordos comerciais. (7) É enganoso, portanto, dizer que cheirographon significa um instrumento para lembrar ou recordar-se de uma dívida. Significa simplesmente um documento escrito. O tipo de documento escrito, referido em Colossenses 2:14, deve ser determinado pelo contexto.
Não somos deixados em dúvida quanto ao tipo de documento escrito a que Paulo está se referindo. O cheirographon consiste em “regulamentos” (“ordenanças”, “decretos,” da palavra grega dogmasin). Colossenses 2:14 não está descrevendo um documento que assinamos, e muito menos por escrito, mas algo que foi escrito em decretos divinos; a mesma palavra dogmasin aparece em Efésios 2:15, onde Paulo, obviamente, discute o ministério mosaico da lei. Que Colossenses 2:14 e Efésios 2:15 estão preocupados com o mesmo documento é indicado pela seguinte comparação: (8)
Colossenses 2:14. . . tendo cancelado o escrito, com os seus regulamentos, que era contra nós e que ficava contrário a nós; Ele tomou-a, cravando-a na cruz.
Efésios 2:15. . . abolindo em sua carne a lei com os seus mandamentos e regulamentos.
Quando examinamos o contexto de Colossenses 2:14, vemos que ele é precedido por uma referência à circuncisão e é seguido por uma referência aos festivais, luas novas e sábados. Paulo, então, chama esses regulamentos “princípios [stoicheia] deste mundo” (Col. 2,20), assim como ele fez em Gálatas 4. Além disso, Paulo está escrevendo para opor-se a cristãos judeus que estão impondo a lei sobre os cristãos gentios. A Nova Versão Internacional é, portanto, justa em traduzir a frase cheirographon tois dogmasin como “o código escrito”, com os seus regulamentos “.
Bacchiocchi vê uma oposição esmagadora a esta interpretação direta de Colossenses 2:14. Como Deus pode ser representado como crucificando a santa lei mosaica? (Rom. 7:12).
Como a culpa pode ser removida por destruir códigos de leis? (9) Com tais perguntas Bacchiocchi permite que seus pressupostos teológicos substituam o sentido claro da passagem. Gostaríamos de sugerir, no entanto, que o problema seja resolvido, não qualificando ou atenuando o que o apóstolo diz, mas deixando Paulo enunciar o assunto à sua própria maneira, independentemente do que isso cause aos nossos pressupostos. Devemos resistir à tentação de cortar e retalhar as palavras de Paulo, a fim de encaixá-las em nosso próprio sistema. No entanto, ao contrário do que possa parecer à nossa ética teológica, por mais que possamos temer o antinomianismo, não podemos escapar à declaração de Paulo de que os regulamentos da lei mosaica foram pregados na cruz. Se isso é difícil para o leitor aceitar, apelamos a ele para ser paciente, pois essa não é toda a imagem paulina da questão da lei – como veremos no próximo capítulo.
O terceiro aspecto da vitória de Cristo é o Seu triunfo sobre “os poderes e autoridades” (Col. 2:15). Estes, juntamente com o pecado e a lei, são representados como mantendo-nos em cativeiro. Em vista do tríplice triunfo do nosso Senhor, o apóstolo, em seguida, declara:
Portanto, não deixe ninguém julgá-lo por aquilo que você come ou bebe, ou em relação a um festival religioso, à celebração da Lua Nova ou de um dia de sábado. Estes são uma sombra das coisas que estavam por vir, a realidade, porém, é encontrada em Cristo …. Desde que você morreu com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se você ainda pertencesse a tudo isso, você se submete às suas regras: Não manuseie! Não prove! Não toque! “? Tudo isso está destinado a perecer com o uso, porque está baseado em mandamentos e ensinos humanos. Tais regulamentos na verdade têm aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade e disciplina do corpo, mas não têm valor algum contra a sensualidade .– Col 2 16, 17; 20-23..
O contexto exige que compreendamos “um festival religioso, a celebração da Lua Nova, ou de sábados”, como regulamentos do calendário sagrado judaico. Os puritanos e os adventistas do sétimo dia, por seguirem esses regulamentos, têm argumentado que Paulo não está falando sobre o sábado do Decálogo, mas apenas sobre os sábados da lei cerimonial. Além de pressupostos teológicos que tornam difícil para eles verem que Paulo poderia estar falando sobre o sábado, eles têm “visto” duas coisas em Colossenses 2, que parecem justificar a sua posição:
- Eles argumentam que havia dois tipos de sábado no Velho Testamento – o sábado semanal do Decálogo e os sábados cerimoniais dos festivais anuais (Lev 23).
- Eles também argumentam que o sábado sob consideração em Colossenses 2 é “uma sombra das coisas que estavam por vir” (Col. 2:17). Desde que o sábado semanal era um memorial da criação (Ex. 20: 8-11), eles argumentam que não poderia ser chamado de uma “sombra” (Gn 2: 2, 3). Colossenses 2:16 deve, portanto, estar se referindo aos dias de descanso cerimoniais transmitidos para serem observados em Levítico 23. (10)
Estes argumentos são ineficientes, pelas seguintes razões:
- As ocasiões sagradas de Colossenses 2:16 são chamadas de “um festival religioso, a celebração da Lua Nova ou de um dia de sábado.” A sequência “implica observâncias anuais, mensais e semanais.” (11) Bacchiocchi concorda, dizendo até que este é “o consenso unânime dos comentaristas.” (12)
- Esta mesma sequência anual, mensal e semanal aparece cinco vezes na Septuaginta, ou seja, 2 Cron. 2: 4; 31: 3; Nee. 10:33; Ez. 45:17; Oseias 2:11.
- Sempre que o Antigo Testamento liga a celebração da Lua Nova com o sábado, como em Colossenses 2:16, ele está se referindo ao sábado semanal (2 Reis 4:23; 1 Crônicas 23:31; 2 Crônicas 2:.. 4; Ne 10:33; Isa 1:13; 66:23; Ez 45:17; 46:… 1; Oseias 2:11; Amos 8: 5).
- Quando o Antigo Testamento refere-se aos sábados anuais, como o Dia da Expiação (Lev. 23), ele os chama “um sábado de descanso”, que a Septuaginta consistentemente traduz com a expressão grega composta “Sabbata sabbaton”. Colossenses 2:16 simplesmente tem “Sabbaton”, a mesma palavra que Mateus 28:1 usa para o sábado semanal (13).
- Tem sido argumentado que, desde que Paulo chama o sábado de Colossenses 2:16 “uma sombra das coisas que estavam por vir”, ele não poderia estar se referindo ao sábado do Decálogo. Mas Colossenses 1:16 já declarou que todas as coisas foram feitas por Cristo e existem por sua causa. O próprio Adão era “um padrão dAquele que viria” (Rom. 5:14). Claro, o sábado, como todas as grandes festas registradas no Antigo Testamento, foi instituído para relembrar os atos poderosos de Deus na criação ou no êxodo. Mas elas (as festas) não só apontam para trás, elas também apontam para a nova criação e para novo ato de libertação de Deus no fim dos tempos. Era comum para os judeus falar do sábado como uma antecipação do sábado interminável dos tempos vindouros. (14) Hebreus 4 é coerente com esta tradição quando liga tipologicamente o descanso do sétimo dia com o descanso oferecido a nós no Evangelho.
Não podemos, portanto, evitar a conclusão de que Colossenses 2:16 está se referindo ao sábado semanal. Bacchiocchi concorda com isso, mas, em seguida, utiliza uma nova abordagem na defesa do Sabatismo. Ele argumenta que Paulo não condena a guarda do sábado como tal, mas apenas a sua perversão por restrições judaicas e pela astrologia oriental. Aqui Bacchiocchi está parcialmente correto. Como veremos no próximo capítulo, Paulo não condenou os cristãos romanos que guardavam o sábado do Senhor (Rom. 14: 5, 6). O apóstolo, porém, não aprova tornar a celebração do sábado uma lei que vincule a consciência.
Há um indício de que os intrusos colossenses estavam ensinando que os poderes angelicais regiam o curso dos planetas e outros corpos celestes. Observar o calendário judaico era, portanto, um sinal de submissão à sua autoridade. Mas, mesmo que alguém não acredite que os anjos governam o movimento dos corpos celestes, não significa que a sujeição de alguém a um calendário, em matéria religiosa, seja uma sujeição infantil aos “rudimentos do mundo” (Gal. 4: 1-5, KJV). Será que este tipo de sujeição faz justiça à liberdade de quem pelo evangelho atingiu a maioridade e que, em virtude de sua união com Cristo, tem domínio sobre a ordem criada? (Gênesis 1:28, 29). Não está Paulo nos dizendo, em Gálatas 4 e Colossenses 2, que as consciências daqueles que se “graduaram espiritualmente” e não são mais crianças não são governadas pelo movimento dos corpos planetários ou reguladas pelo calendário?
Conclusão
Devemos concluir que os grandes mestres da igreja cristã, de Inácio a Jerônimo, e de Agostinho a Lutero e Calvino, tiveram razões válidas para dizer que as leis sabáticas do Antigo Testamento não são vinculativas para a consciência do cristão. Eles simplesmente aceitaram Colossenses 2:16 como a palavra final sobre o assunto.
(1) Ver C. F. D. Moule. O nascimento do Novo Testamento, p. 154.
(2) Esta é outra indicação de que os oponentes de Paulo eram judeus.
(3). Ver Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Mountain View, Calif .: Pacific Press Publishing Assn., 1958) p 365
(4) Ver Archibald Thomas Robertson, Pictures in the New Testament, 4: 494; E. K. Simpson e E.K. Simpson e F.F. Bruce. The Epistles to the Ephesians and the Colossians, pp. 237-38.
(5) Samuele Bacchiocchi, From Sabbath to Sunday, pp 350-51.
(6) ibid., P. 348.
(7) Ver R. C. H. Lenski, A Interpretação das Epístolas de São Paulo aos Colossenses, aos Tessalonicenses, a Timóteo, a Tito e Filemon, p 114.
(8) O Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia apresenta uma explicação mais sóbria de Colossenses 2:14 do que Bacchiocchi. Ele reconhece que Colossenses 2:14 e Efésios 2:15 estão ambos discutindo a lei mosaica. Veja Francis D. Nichol, ed. The Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:204.
(9) Ver Bacchiocchi, Do sábado para o domingo, p 348
(10) Ver Nichol, ed. The Seventh-day Adventist Bible Commentary, 7:204.: White. Patriarcas e Profetas, pp. 48, 365. É interessante que neste ponto Bacchiocchi diverge da posição do Seventh-day Bible Commentary e de Ellen G. White. Ele reconhece que Colossenses 2:16 é uma referência para o sábado semanal, e ele apresenta argumentos que devastam a tradicional explicação sabatista desta passagem.
(11) John J. Gunther, St .. Os opositores de Paul e seus antecedentes, p. 89
(12) Bacchiocchi, Do sábado para o domingo p 358
(13) “Sabbaton” é apenas uma de uma série de palavras gregas que são plurais na forma, mas às vezes singulares em significado. Nenhum estudioso bem informado pode considerar seriamente o argumento de que o sabbaton de Colossenses 2:16 é plural e, portanto, deve referir-se aos sábados cerimoniais do Levítico 16. Bacchiocchi veementemente declara “Colossenses 2:16 não pode se referir a qualquer um dos sábados cerimoniais anuais” (ibid ., p. 360) Algum estudioso adventista deve ser ousado ao contradizer Ellen G. White tão obviamente!
(14) Ver Gerhard Friedrich Dicionário Teológico do Novo Testamento, 7: 8.
[1] Conferir aqui http://novotempo.com/namiradaverdade/os-sabados-de-colossenses-216-parte-3/
[2] Conferir aqui http://adventismonamiradaverdade.blogspot.com.br/p/livros.html
[3] “A lei tem sombra (“figura”) dos bens vindouros, não a imagem real das coisas. “Figura” (quadro, em grego, eikõn) da realidade celestial e “sombra” (em grego, skiá) estão contrapostos, como “figura original” (em grego, týpos) e “réplica” (em grego, hypódeigma) em Hb 8.5.” (Laubach, Fritz. Carta aos Hebreus: comentário esperança. Curitiba: Ed. Evangélica Esperança, 2000. p. 90)
[4] σκια (skia) substantivo – dativo singular feminino: sombra ou uma sombra.
[5] Dicionário Bíblico Strong: Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. Sociedade Bíblica do Brasil: 2002.
[6] The Interpretation of St. Paul’s Epistles to the Colossians, to the Thessalonians, to Timothy, to Titus and to Philemon, p.114.
[7] Para esses e outros argumentos verificar http://www.exadventist.com/home/articles/sabbatarian/tabid/452/default.aspx#Colossians 2:16Chapter 5
[8] Reis, Aníbal Pereira. A guarda do Sábado. Ed. Caminho de Damasco, pp 95-99.
Comentário perfeito!!!
Parabéns pela apologia correta dos fatos