Uma crítica ao determinismo causal universal divino no calvinismo
Quais as objeções que podem ser levantadas contra o determinismo causal universal divino [no Calvinismo]? Pelo menos cinco objeções vem imediata a mente.
O determinismo universal divino anula a agência humana. Desde que nossas escolhas não estão sob nosso controle, mas são causadas por Deus, os seres humanos não podem afirmar serem agentes reais. Eles são meros instrumentos por meio dos quais Deus age para produzir algum efeito, como um homem usando um pau para mover uma pedra. Claro, causas secundárias retém todas as suas propriedades e poderes como causas intermediárias, como os teólogos reformados nos lembram, exatamente como um pedaço de pau retém suas propriedades e poderes que o torna útil para os propósitos daquele que o utiliza. Os pensadores reformados não precisam ser ocasionalistas como Melebranche. Mas estas causas intermediárias não são, em si mesmas, agentes, mas meras causas instrumentais, pois elas não tem nenhum poder para iniciar a ação. Consequentemente, a afirmação de Yandell de que é dúbio que no determinismo divino haja realmente mais do que um agente no mundo parece justificada. A resposta [calvinista] que “Os crentes reformados não estão persuadidos que a ‘onicausalidade’ necessariamente implica em ‘monocausalidade'”, e nos fala meramente sobre a psicologia dos crentes reformados antes do que das objeções defeituosas de Yandell e em todo caso ignora a objeção por confundir “monocausalidade” (que não precisa se seguir do determinismo divino) e “monoagência” (que se segue). A extensa citação [do calvinista] de Warfield afirma que “a realidade e real eficiência de todas as causas secundárias…como produtores próximos dos efeitos que ocorrem no mundo” mas não responde a objeção que em um mundo determinista existe apenas um agente: Deus. Eu suspeito que desde que [o calvinista] crê que existe realmente uma única causa primária na realidade, ele, por fim, concordaria que existe um agente na realidade. Esta conclusão não apenas vai de encontro ao nosso conhecimento de nós mesmos como agentes, mas também deixa inexplicável o motivo de Deus nos tratar como agentes, nos mantendo responsáveis pelo que Ele nos levou a fazer e nos usou para fazer.
O determinismo causal universal não pode ser afirmado racionalmente. Existe um tipo de caráter atordoante que se auto anula no determinismo. Pois se alguém passa a acreditar que o determinismo é verdade, ele tem que acreditar que a razão que o levou a acreditar é simplesmente que ele foi determinado a acreditar. Não se tem condições, de fato, de pesar os argumentos prós e contra e se decidir livremente sobre esta base. A diferença entre a pessoa que pondera os argumentos a favor do determinismo e os rejeita e a pessoa que pondera os mesmos argumentos e os aceita é totalmente que eles foram determinados por fatores causais fora de si mesmos para acreditar e o outro para não acreditar. Quando você percebe que sua decisão para crer no determinismo foi, em si mesma, determinada e que mesmo sua percepção presente desse fato exatamente agora foi determinada da mesma forma, um tipo de vertigem entra em cena, pois tudo o que você pensa, até mesmo este próprio pensamento, está fora de seu controle. O determinismo poderia ser verdade, mas é muito difícil ver como ele poderia ser afirmado racionalmente, desde que sua afirmação mina a racionalidade de sua afirmação.
O determinismo causal universal divino não pode oferecer uma interpretação coerente da Escritura! Os teólogos reformados clássicos reconhecem isso. Eles reconhecem que a reconciliação dos textos da Escritura que afirmam contingência e liberdade humana com os textos que afirmam a soberania divina são inescrutáveis. Agora, [o calvinista] tenta reconciliar o determinismo causal universal divino com a liberdade humana ao interpretar a liberdade em termos compatibilistas. O problema é que ao adotar o compatibilismo se chega a reconciliação apenas em prejuízo de negar o que estes textos da Escritura parecem afirmar: indeterminação genuína e contingência. É a imagem da “reconciliação” no espelho do Teísta Aberto dessas duas tradições textuais pela negação da providência meticulosa de Deus.
O determinismo universal divino faz de Deus o autor do pecado e nega a responsabilidade humana. Curiosamente Bavinck [escritor calvinista] admite que se interpretarmos a (doutrina da) conservação divina em termos de recriação divina contínua “Todos os seres criados então existiriam apenas em aparência destituídos de toda independência, liberdade e responsabilidade. O próprio Deus seria a causa do pecado”. Pois contrário a visão Molinista da conservação da concorrência simultânea, a visão determinista sustenta que mesmo o movimento da vontade humana é causada por Deus. Deus move as pessoas a escolher o mal e elas não podem fazer o contrário. Deus determina suas escolhas e os faz agir o mal. Se é mal fazer outras pessoas errar, então, nesta visão, Deus não é apenas a causa do pecado e do mal, Ele se torna o próprio mal, o que é absurdo. Pela mesma razão, toda responsabilidade humana pelo pecado foi removida, pois nossas escolhas não estão realmente sob o nosso controle: Deus nos causa a fazê-las. Não podemos ser responsáveis por nossas ações, pois nada que pensamos ou fazemos está sob nosso controle. A resposta calvinista? “A mecânica de como Deus pode ser a causa eficiente do pecado sem, na verdade, cometê-lo e assim ser o culpado pelo pecado é inescrutável”.
O determinismo universal divino transforma a realidade em uma farsa. Todo o mundo se transforma em um espetáculo vão e vazio. Não existem agentes livres em rebelião contra Deus, a quem Deus procura ganhar pelo Seu amor e ninguém que responde livremente a este amor e que dá livremente seu amor e adoração a Deus em retorno. Todo espetáculo é uma charada cujo único ator real é o próprio Deus. Longe de glorificar a Deus, a visão calvinista, estou convencido, denigre a Deus por o envolver em uma grande farsa. É profundamente insultante a Deus pensar que Ele criaria seres que são, em cada aspecto, casualmente determinados por Ele e então os trata como se eles fossem agentes livres, os punindo pelas ações erradas que Ele os levou a praticar e os amando como se eles fossem agentes respondendo livremente. Deus seria como uma criança que arranja seus soldados de brinquedo e os move em seu mundo de brincadeiras, simulando que eles são pessoas reais cujo cada movimento, não é, de fato, seu (mas deles mesmos) e fingindo que eles merecem elogios ou críticas. Tenho certeza que o calvinista vai se arrepiar com esta comparação. Mas porque ela é inapta para a doutrina do determinismo causal universal divino, permanece para mim inescrutável. [pp. 59-62]
Agora, certamente Deus tem o poder de criar um mundo caracterizado pelo determinismo causal universal. Ele poderia ter criado um mundo operando segundo leis naturais deterministas e sem conter criaturas sensíveis. Talvez Ele poderia mesmo ter criado um mundo contendo seres sensíveis, auto conscientes que tem a ilusão de uma liberdade da vontade indeterminista, exatamente como Ele poderia ter criado vasilhas contendo cérebros que tem a ilusão de corpos agindo em algum mundo externo. Mas por quê devemos pensar que Ele agiu assim? Por quê devemos pensar que nossa experiência de liberdade indeterminista é ilusória? [p. 53]
Enquanto muito numerosas para listar aqui, as passagens bíblicas afirmando a Soberania de Deus foram agrupadas por D. A. Carson [calvinista] sob quatro categorias principais: (1) Deus é o criador, governador e possuidor de todas as coisas, (2) Deus é a causa pessoal última de tudo o que acontece, (3) Deus elege o seu povo e, (4) Deus é a Fonte não reconhecida de boa fortuna ou sucesso. Ninguém que leva essas passagens a sério pode abraçar o Teísmo Aberto, que nega a soberania de Deus sobre os eventos contingentes da história. Por outro lado, a convicção de que os seres humanos são agentes morais livres também permeia o modo Hebraico de pensar, como é evidente das passagens que Carson lista sob nove características: (1) as pessoas enfrentam múltiplas exortações e comandos divinos, (2) é dito às pessoas para obedecer, crer e escolher a Deus, (3) as pessoas pecam e se rebelam contra Deus, (4) os pecados das pessoas são julgados por Deus, (5) as pessoas são testadas por Deus, (6) as pessoas recebem recompensas divinas, (7) os eleitos são responsáveis por responder a iniciativa divina, (8) orações não são meras peças de teatro encenadas por Deus, e (9) Deus literalmente convida os pecadores para que se arrependam e sejam salvos. Estas passagens excluem um entendimento determinista da providência divina que se opõe a liberdade humana. [p. 54]
[Entretanto] na visão de Molina, Deus não apenas conserva ambos, o agente secundário e seu efeito no ser; Ele também deseja especificamente que o efeito seja produzido, e Ele concorre com o agente ao causar o efeito pretendido. Sem tal concorrência, o efeito não seria produzido. A diferença entre a visão de Molina e a visão Tomista/Reformada é que Deus não causa a vontade do agente secundário a escolher um caminho ou outro; Ele apenas concorre com a escolha do agente ao causar o efeito pretendido. (Este é, a propósito, o motivo pelo qual a visão Molinista defende que Deus não é o autor do pecado. Enquanto Ele concorre com o desejo pecaminoso ao produzir seu efeito, Deus não move a vontade do agente a pecar. Por contraste, na visão Tomista/Reformada, Deus causa o agente a pecar ao mover sua vontade ao escolher o mal, que faz a alegação de que Deus é o autor do pecado difícil de negar.) [p. 57]
Por William Lane Craig
Fonte: GRUNDY, Stanley M. (ed.); JOWERS, Dennis W. (ed.). Four Views on Divine Providence. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 2011.
Traduzido, adaptado e organizado por Walson Sales