WASHINGTON – Após um grande desastre, com fotos de pais chorando sobre filhos mortos se espalhando pela consciência humana ao redor do mundo, surgem questões sobre a fé: onde estava Deus? Por que uma divindade tão boa e poderosa permite tanta dor sobre milhares de inocentes? O que essas pessoas fizeram para merecer tanto sofrimento?
Após um desastre natural similar matar dezenas de milhares de pessoas em Lisboa, Portugal, no século 18, o filósofo Voltaire escreveu “Candide”, satirizando com brutalidade os otimistas que ainda encontravam conforto e esperança em Deus. Após a tsunami no Oceano Índico, a mesma dúvida angustiante está na mente de milhões de religiosos.
Veja o Livro de Jó na Bíblia hebraica. Ele foi escrito há cerca de 2.500 anos durante o que deve ter sido uma crise de fé. O acordo com Abraão – adore um Deus e seu povo será protegido – parecia não estar funcionando. Os bons morreram jovens, os maus prosperaram; onde estava a justiça prometida?
O poeta que escreveu este livro começou com um diálogo entre Deus e o Diabo, então uma espécie de anjo caído. Quando Deus apontou para “meu criado Jó” como justo e devoto, o Diabo sugeriu que Jó adorava Deus só porque ele tinha recebido poder e riquezas. Apostando que Jó permaneceria fiel, Deus deixou o anjo tirar as pessoas do homem de bem, matar seus filhos e afligi-lo com uma repulsiva ebulição.
O primeiro ponto defendido pelo livro era que o sofrimento não é uma evidência de pecado. Quando os amigos de Jó disseram que ele deveria ter feito algo terrível para merecer tanta miséria, o leitor sabe que é falso. O sofrimento de Jó foi um teste da sua fé: mesmo depois de ele ter ficado irritado com Deus por ser injusto – querendo poder processá-lo em um tribunal – ele nunca abandonou sua crença.
E estes justos gentios ficaram irritados: “Maldição o dia em que eu nasci!”. Esqueça a chamada paciência de Jó; essa lenda é exterminada pela irreverente narrativa bíblica. A famosa expressão de Jó de aceitação na versão do rei James em 1611 – “apesar de ele ter me matado, eu ainda confio nele” – foi um erro de leitura por tradutores nervosos. Acadêmicos modernos oferecem uma tradução diferente: “Ele pode me matar, eu não vou estremecer”.
A questão do desafio corajoso de Jó – exposto na Bíblia – é que não é uma blasfêmia contestar a autoridade divina quando ela infringe uma ofensa moral. Na verdade, a exigência de Jó para que seu adversário invisível apareça em um tribunal com um processo escrito tem uma reação inesperada: Deus aparece diante do homem com o mais longo e belo discurso poético atribuído diretamente a ele na Bíblia.
Francamente, a voz de Deus “ao vento” não carrega uma mensagem tão satisfatória àqueles que têm dúvidas sobre as tragédias morais. Virginia Woolf escreveu em seu diário, “Eu li o Livro de Jó na noite passada – eu não acho que Deus se sai bem”.
A ira moral de Jó fez Deus aparecer, demonstrando que o sofredor que acredita nunca está sozinho. Jó pára de reclamar subitamente, e – em um final feliz prosaico – ele é recompensado. (O cristianismo promete retificar a injustiça na terra depois da morte).
As lições de Jó para hoje:
(1) As vítimas desta tragédia não “mereceram” um destino infringido pela força da natureza;
(2) Questionar as formas inescrutáveis de Deus tem seu exemplar na Bíblia e não mina a fé;
(3) A obrigação humanitária de melhorar a injustiça na terra está sendo expressada em uma amostra de generosidade que refuta o cinismo de Voltaire.