“Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade” (2Co 13.8)
A mensagem que mais ouvimos em nossos dias reclama paz entre as religiões. Recentemente, Gregory Smith, adolescente americano de 14 anos, formado em matemática pela Harvard, e corre o mundo pregando a paz mundial, foi questionado:
— Qual é a sua religião?
Ao que ele respondeu:
— Faço conexões entre todas as religiões para que elas possam funcionar como uma só.
Tolerância, principalmente religiosa, é a palavra do dia. Amold Toynbee, grande pensador e historiador, disse que o cristianismo deve abandonar a crença de que é único, para que possa haver maior harmonia entre as religiões.
Se tolerância quer dizer respeito à crença alheia, concordamos. Não devemos atrapalhar o culto de ninguém. Não podemos depredar os elementos de qualquer religião, nem mesmo agredir a crença alheia verbal ou fisicamente. Isto é direito constitucional. Se quisermos ser respeitados, temos de respeitar. “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas” (Mt 7.12). Isto é tolerância.
Esta tolerância, todavia, não significa que somos obrigados a concordar com as afirmações e práticas dos outros, ou que não devamos dizer às pessoas o motivo que nos leva a discordar delas. Todos são livres para crer no que quiserem e nós também, porém, cremos que a nossa obrigação é dizer-lhes a verdade de Deus. Respeito não significa indefinição.
O grande pensador cristão, Francis Schaffer, em seu livro, A Igreja no século XX, afirmou que a Igreja deve ser bem clara em seus princípios, explicando que podemos ser co-beligerantes sem sermos necessariamente aliados. Isto é, podemos até apoiar certas causas e batalhar por elas, sem que isso signifique que concordamos com outros grupos que fazem o mesmo.
Podemos, por exemplo, defender a necessidade de dar assistência às pessoas carentes, sem, com isso, querer dizer que concordamos com os espíritas ou com a LB V. Fazemos as coisas por princípios bíblicos e não por modismos ou instigação de algum grupo específico.
A verdade não pode ser sacrificada no altar da paz, nem as convicções sobre o altar da tolerância. Concordar com o erro, associando-se a ele, é um assassinato à consciência. “A fé cristã é uma fé objetiva; deve, portanto, ter um objetivo. O conceito cristão de fé ‘salvadora’ é o de uma fé em que se estabelece um relacionamento com Jesus Cristo […] Um clichê que se deve rejeitar é: ‘Não importa o que você crê, desde que tenha convicção disto’”.
APOLOGIA À APOLOGÉTICA
Alguns chegam ao extremo de considerar a apologética uma agressão. Classificam a análise de doutrinas religiosas à luz da Bíblia um mero “falar mal”. Defendem uma espécie de “viva e deixe viver” cristão. Mas esta atitude não tem nada de cristã. Não passa de um espírito semi-ecumênico moderno de tolerância, uma acomodação perigosa diante do enganoso e do falso. A Palavra é clara quando ordena que livremos os que estão destinados à morte e salvemos os que cambaleiam para a matança (Pv 24.11).
Se os profetas bíblicos assim pensassem, nada escreveriam, pois suas palavras eram uma verdadeira condenação às religiões ao seu redor. Ou ignoram que o próprio Jesus mostrou os erros doutrinários dos grupos religiosos de sua época (Mt 22.15-33) e disse que eles erravam por não conhecerem as Escrituras nem o poder de Deus (Mt 22.29)? Ou esquecem que uma boa porção das epístolas paulinas foi sua apologia contra doutrinas erradas (G12.1-5; Cl 2.8)? Ou, ainda, que João, o discípulo do amor, foi radical contra os falsos ensinos, dizendo que se alguém não ensinava a verdadeira doutrina cristã era enganador e anticristo e não deveria ser hospedado na casa dos irmãos como se fosse um mensageiro do evangelho (2Jo 7,8). Sem deixar de mencionar que Pedro falou contra os falsos mestres (2Pe 2.1 -22) e Judas exortou seus leitores a combaterem pela fé que de uma vez por todas foi dada aos santos (Jd 3).
Nossa fé precisa ser defendida racionalmente. Não porque a lógica cria a fé, mas porque pode vir a perecer sem ela. “Embora o argumento não crie convicção, a falta dele destrói a fé. O que parece ser provado pode não ser abraçado; mas o que ninguém mostra a habilidade de defender é prontamente abandonado. Argumento racional não cria crença, mas ele mantém um ambiente em que a fé possa florescer”.
Não defendemos a agressão, o desprezo e o rancor contra os não-cristãos. Devemos seguir a verdade em amor (Ef 4.15). Concordamos que não se deve perguntar a religião do que está caído no caminho de Jerusalém para Jericó. Devemos apenas ajudá-lo no que for necessário. Mas a nossa atitude não é uma concordância com suas crenças, não é uma aceitação incondicional das doutrinas professadas por ele. Dizer a verdade ao meu próximo também é uma forma de demonstrar-lhe amor.
Todavia, nós julgamos e analisamos doutrinas e não pessoas. Um exemplo: o budismo, diante da Bíblia, é uma mentira, uma falsidade que precisa ser exposta. O budista é um ser humano que precisa ser amado e, porque precisa ser amado, tenho de lhe falar de seu erro. Quando comparamos as doutrinas budistas à luz do cristianismo, não o fazemos com um sentimento de superioridade, mas com um senso de verdade e de necessidade, buscando evitar que outros tomem a mesma vereda.
A QUESTÃO MAIS IMPORTANTE
O historiador Will Durant disse que “onde existem mil crenças, tendemos a nos tornar céticos (incrédulos) em relação a todas elas”. Mas crer em nenhuma também é uma opção entre as demais. Escolher não crer também é uma escolha religiosa.
O homem discute a respeito de tudo em sua vida: sua carreira profissional, seu casamento, suas preferências políticas, esportivas, culturais. Existem debates e análises sobre todas as ciências, sejam humanas, exatas ou biológicas. E, dentro dessas ciências, existem linhas diversas que são discutidas e rediscutidas em seminários, livros e palestras. Homeopatia versus alopatia, freudianos versus jungianos, física clássica versus física quântica, etc. Na política e na economia, os partidos e correntes multiplicam-se. Cada ramo da ciência tem seus conceitos que procuram defender diante das demais opções.
A religião é aquilo que define o destino eterno do homem. “Rendendo o homem o espírito, então onde está ele?”, pergunta Jó (14.10). “Morreu, acabou”, diria o materialista ateu. “Vamos renascer em outro corpo”, diria o reencamacionista. “Purgatório”, defenderia o católico. “Descansando no seio de Abraão ou sofrendo no Sheol até a ressurreição”, declara o evangélico. Mas nem todos estarão certos ao mesmo tempo. E, embora as opiniões possam ser muitas, a realidade, porém, é uma só. Se o homem falhar em sua escolha, ser-lhe-á tarde demais. “Há um caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte” (Pv 14.12).
Temos consciência de que o abuso nas atitudes religiosas tem produzido até mesmo guerras. Todavia, as guerras não nasceram das convicções religiosas, mas, sim do comportamento errado diante delas, o que é diferente. A Bíblia não ensina a agressão nem o silêncio diante do erro, mas nos instrui a “responder [defender no original] com mansidão e temor a qualquer que nos pedir a razão da esperança que há em nós” (IPe 3.15).
LÍDIO HAMON, REVISTA “DEFESA DA FÉ” N°72 ANO 9