Antigo templo da elite judaica se tornará museu em 2015 com dinheiro alemão
“Não é muito, mas a simbologia do financiamento alemão é enorme”, diz o médico oncologista Sergio Simon, 64, com o rosto amarelado pela luz que atravessa o vitral dos anos 1920.
O entulho e a poeira enganam, mas estamos no salão da antiga Sinagoga Beth-El, na rua Martinho Prado (centro), por onde circularam, até a década de 1990, algumas das famílias judias mais importantes do país.
Em 2004, já esvaziado, o edifício foi cedido em comodato para a construção do Museu Judaico de São Paulo –do qual doutor Simon é o presidente. A obra ficaria pronta neste ano.
“Mas faltou grana”, diz o médico.
Ao que parece, ela chegou. Após quatro meses de paralisação, o restauro e a ampliação do prédio vão contar com dinheiro do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.
Além dessa verba (“sigilosa, para não melar a negociação”), o museu já arrecadou quase um terço dos R$ 34 milhões previstos para a reforma, que incluirá novas áreas de exposições, estudos, biblioteca e café.
As obras recomeçaram –e a previsão para a reinauguração é 2015.
PASSADO
“A elite se casava aqui. Os mais pobres, no Bom Retiro”, diz Simon, por cujo consultório já passaram figuras como Hebe Camargo (1929-2012) e “poderosos que preferem anonimato”.
Por décadas, famílias abastadas –como a do ex-ministro Celso Lafer, do barão da celulose Max Feffer e do empresário varejista Celso Goldfarb– frequentaram a sinagoga.
Ali, cumpriram alguns de seus principais rituais religiosos: circuncisão (em hebraico, “brit milá”), maioridade religiosa (“bar-mitzvá”), casamentos e rezas fúnebres (“yskor”).
O costume judeu era seguido à risca. Os homens reuniam-se no salão principal do templo, em frente ao altar de madeira talhada (ainda preservado), enquanto as mulheres acompanhavam as cerimônias do mezanino.
“Dessa forma”, explica o doutor, “as pessoas não ficariam tentadas e manteriam o foco na pregação”.
PRESENTE E FUTURO
Com mais de 5.000 peças, o acervo já reúne joias, mobília e utensílios domésticos, todos guardados em cofres.
“Mas as obras importantes são as baratinhas e históricas, como os talheres usados em Auschwitz [principal campo de concentração nazista].”
Há também um caderninho escrito por uma menina de 14 anos, que narra a perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “Lembra o diário de Anne Frank”, diz Dodi Chansky, secretária do museu.
Em seu memorial do Holocausto, a curadoria partirá de uma perspectiva tupiniquim. “Muitos nazistas importantes vieram para o Brasil no governo Vargas. Ele fechou os olhos para isso”, diz Simon. “E nós vamos contar.”
Ele garante que o novo espaço não será um “museu de horrores”.
“A comunidade judaica sempre foi muito fechada. E nós queremos justamente o contrário: reunir paulistanos e visitantes de todas as crenças para aprenderem mais sobre a história de todos nós.”