Sínodo de DORT – Político e religioso

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O sínodo de Dort (1618-1619) foi um concílio da igreja Reformada holandesa convocado por delegados dos Estados Gerais [1] a fim de que as doutrinas defendidas pelo sistema conhecido como Arminianismo[2] fossem colocadas sob julgamento. Embora realizado em âmbito nacional, foi o maior sínodo da história da igreja Reformada.[3]

Calvinistas [4] frequentemente apelam às resoluções deste sínodo para fortalecer suas afirmações de que o Arminianismo é de fato uma heresia, visto que o corpo sinodal rejeitara suas doutrinas. Um pouco de estudo sobre a história da igreja e dos Países Baixos nos levará a concluir que tal estratégia argumentativa não passa da falácia do apelo à autoridade [5], visto que as motivações, intenções e a parcialidade do sínodo estão consistentemente documentadas e, portanto, sua credibilidade para deliberar sobre as doutrinas da igreja é extremamente questionável. Os pareceres fornecidos pelo corpo sinodal não servem a outro propósito senão o de representar as doutrinas advogadas pela ala Calvinista da igreja da Holanda do século XVII, mas não da igreja holandesa como um todo e da igreja protestante mundial.

Este breve ensaio tem o objetivo de mostrar que o sínodo de Dort foi fortemente motivado por, além das questões teológicas, questões políticas, ambição e por vingança; doutra forma ele não teria ocorrido. Pretende também mostrar que o corpo sinodal, enquanto juiz do Arminianismo, devido à parcialidade, não teve importância suficiente e envergadura moral para deliberar contra as doutrinas defendidas pelos Remonstrantes [6], afinal, essas doutrinas não foram discutidas no sínodo, tampouco foi dada a oportunidade dos Arminianos defenderem suas opiniões; o que de fato ocorreu foi um julgamento injusto com desfecho premeditado, já que o adversário também representava o papel de juiz.

A Liberdade de Pensamento Religioso

Em 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero afixou suas 95 teses com respeito às indulgências na porta da igreja de Wittenberg, Alemanha. Este evento é comemorado até os dias de hoje como marco inicial da Reforma protestante. Também é dito ser o “nascedouro de Católicos romanos, Luteranos, Calvinistas e Anabatistas.”[7] Isso significa que até este momento da história, todos pertenciam a uma mesma igreja, embora sabe-se que alguns grupos chamados de Anabatistas “remontaram as suas doutrinas aos Apóstolos e nunca obedeceram aos papas.”[8]

Os pensamentos de Lutero alcançaram rapidamente varias partes da Europa, incluindo a província de Antuérpia nos Países Baixos. De lá vieram os primeiros mártires da Reforma Protestante. Eles foram monges agostinianos que “haviam estudado em Wittenberg e retornado como partidários entusiásticos de Lutero, cujas obras começaram a ser publicadas nos Países Baixos já em 1518, tendo tido mais de 80 edições e traduções por volta de 1525.”[9] Os monges agostinianos da Antuérpia eram designados como a “seita Luterana” já em 1522.[10] O Dr. Richard Watson também afirma que, durante a Reforma, “os primeiros professores cristãos entre elas [igrejas holandesas] foram Luteranos”.[11]

Em 1530, Melchior Hoffmann, Anabatista, já havia conquistado muitos seguidores na Holanda e Alemanha. Devido à miséria em que os habitantes dos Países Baixos se encontravam, o discurso de Hoffmann e seus seguidores impulsionou o anabatismo entre a população. Muitos grupos Anabatistas, os quais se apoiavam fortemente em compreensões escatológicas equivocadas, descambaram para a desordem e violência, sendo perseguidos e desbaratados. Nessas circunstâncias surge Menno Simons, ex-sacerdote Católico, que dedicou sua vida a restaurar e liderar o movimento Anabatista de forma pacífica e bíblica. Seu ministério nos Países Baixos (1536-1543) consistiu na visitação de irmãos espalhados pelas províncias, pregações, batismos, e restabelecimento da igreja de Deus nas oportunidades que teve. Menno Simons solidificou o movimento Anabatista nos locais onde passou. Por isso, é correto afirmar que a Holanda estava repleta de grupos pertencentes à igreja invisível de Cristo, pessoas que não estavam ligadas às instituições religiosas da época. A partir de 1540, a igreja Católica intensificou a repressão religiosa e martirizou milhares de evangélicos nos Países Baixos, sendo que “a maioria ― ao menos 1500 ― das pessoas executadas entre 1540 e 1570 eram Anabatistas.”[12]

O Calvinismo nos Países Baixos começou a se disseminar apenas em meados de 1550. Com o processo de independência da Holanda, o Calvinismo ganhou terreno rapidamente. Após a conquista de facto da independência (1579), a igreja Reformada tornou-se a religião majoritária na Holanda. Entretanto, a tolerância religiosa era uma marca nacional, o que pode ser demonstrado no fato de que uma proposta de criação de “uma ordem religiosa eclesiástica apresentada em 1591 não foi aprovada pelos estados provinciais.”[13] Luteranos, Menonitas [Anabatistas], várias seitas e até Católicos conseguiram estabelecer seus próprios serviços religiosos.[14] Exatamente nesta época (1559), Theodore Beza assume a academia de Genebra, aonde anos mais tarde viria a formular o supralapsarianismo.[15] Até então, o Calvinismo que crescia na Holanda seguia a tendência dos “Reformadores protestantes da primeira geração”.[16] Segundo Carl Bangs, “os mais antigos Reformadores das Províncias Unidas não eram Calvinistas mais do que eram Luteranos.”[17] Entretanto, o Calvinismo formulado por Beza crescia na igreja Reformada da Holanda.  A fama da academia de Genebra “induziu a maioria dos candidatos ao ministério a mudar para essa universidade.”[18] Logicamente a maioria dos ministros que estudaram em Genebra, junto com os exilados que retornaram para a Holanda após a independência, foram os responsáveis por importar a teologia de Beza.

Entre os estudantes holandeses que cursaram a academia de Genebra estava Jacobs Arminius, cujo retorno para Holanda aconteceu em 1587. Arminius era um Calvinista comprometido; foi ministro da igreja Reformada de Amsterdã e professor de teologia de Universidade de Leiden. Embora pastor Calvinista, nunca esteve de acordo com a predestinação absoluta de Beza.[19] Seu ministério na igreja Reformada foi possível devido a liberdade de pensamento nos Países Baixos e, segundo Carl Bangs, “no tempo de Arminius, as igrejas Reformadas eram genericamente protestantes ao invés de rigidamente Calvinistas.”[20] Roger Olson argumenta que  “a questão é que a Igreja Protestante holandesa no princípio conteve diversidade teológica; ambos monergistas e sinergistas estavam representados.”[21]

A própria cultura de liberdade e autonomia das sete províncias que compunham os Estados Gerais garantia a liberdade religiosa. O 13º Artigo da União de Utrecht — a lei orgânica da confederação assinada em Utrecht em 1579— reservava a cada província o completo controle das questões religiosas para si. Em função desta autonomia, após o cisma que dividiu a igreja dos Países Baixos em dois grupos, Remonstrantes e Contra-Remonstrantes (Arminianos e Calvinistas), a configuração da igreja Reformada das províncias era a seguinte:

Via de regra, a população, especialmente as classes mais pobres, e a grande maioria dos ministros era Contra-Remonstrante; os magistrados e a nobreza eram Remonstrantes. Na Holanda [província] a influência controladora era Remonstrante; mas Amsterdã e quatro ou cinco outras cidades da província sustentavam a doutrina oposta. Entretanto, essas cidades formavam uma pequena minoria na Assembleia do Estado da Holanda sustentada por uma larga maioria nos Estados Gerais. A província de Utrecht era quase unanimamente Remonstrante. As cinco outras províncias eram decididamente Contra-Remonstrantes.[22]

Em resumo, embora a maioria da igreja da Holanda fosse formada por Calvinistas alinhados com os Contra-Remonstrantes, havia uma grande parcela de cristãos Reformados que concordavam com o pensamento dos Remonstrantes, principalmente nas províncias de Utrecht e Holanda. Além deles, havia grupos religiosos diferentes que não seguiam a teologia da igreja majoritária, como Católicos, Anabatistas e Luteranos. Havia diversidade de pensamento entre os próprios Contra-Remonstrantes, sendo que alguns se alinhavam com o pensamento de Beza, mas a grande maioria seguia uma tendência mais moderada. Essa diversidade e liberdade sobreviveram até pouco tempo antes da convocação do sínodo de Dort (1618), época em que os Contra-Remonstrantes impuseram uma perseguição para extirpar o Arminianismo da igreja da Holanda.

A Questão Política

Após a metade do século XVI, o Rei da Espanha, Felipe II, estava decidido a acabar com os rebeldes e com os evangélicos presentes em seus domínios. Isso deu inicio a um governo repressivo, que, aliado aos fatores sociais como pobreza e a altos impostos nos Países Baixos, culminou na “guerra dos 80 anos” (revolta holandesa – 1568 a 1648). Até então, a região era dividida em dezessete províncias autônomas sob o domínio de Filipe. Com o início da revolta, as províncias do sul (atual Bélgica, Luxemburgo, norte da França e sul da Holanda) continuaram ligadas ao papado e ao domínio Espanhol, enquanto que as províncias do norte romperam completamente as ligações com o reinado e com a religião da Espanha.  A República das Sete Províncias Unidas (Frísia, Groningen, Gueldres, Holanda, Overijssel, Utrecht e Zelândia), mais conhecida como Holanda, adquiriu sua independência de facto por volta de 1579 e de jure em 1648.

As províncias eram governadas por stadholders, uma espécie de representantes do senhor da terra, o rei espanhol Felipe II. Devido às características absolutistas e ditatoriais do rei, a função de stadholder estava muito diminuída em autoridade. Após a independência, a função perdeu totalmente o sentido, porém, ao invés de ser extinta, transformou-se em um cargo representativo do poder executivo nomeado pelos Estados Gerais.

Guilherme de Nassau (1533 – 1584), também conhecido como “Willian, o silencioso”, Príncipe de Orange e stadholder de três províncias do norte dos Países Baixos (Holanda, Zelândia e Utrecht) liderou a revolta holandesa e é considerado o principal responsável pela independência do país. É venerado até os dias de hoje por seus compatriotas; um verdadeiro herói nacional. O apreço e respeito por Guilherme são tão grandes que a primeira bandeira da Holanda foi baseada na farda do Príncipe. Inclusive a cor nacional, o laranja, é uma referência direta ao nome da família – “Orange”. Além disso, o hino dos Países Baixos faz referência à conquista de Guilherme. Esses elementos mostram a importância e a influência do Príncipe na Holanda.

Menos reconhecido, porém de vital importância na independência e organização das Sete Províncias Unidas, foi o grande estadista John Van Oldenbarnevelt (1547 – 1619). Sobre ele, Motley diz:

Assim, há poucos homens na história cujas vidas se identificaram tanto com uma história nacional quanto ele [Oldenbarnevelt]. Há poucos grandes homens na história cujos nomes tenham se tornado menos familiares para o mundo, e  vivido menos na boca da posteridade. No entanto, não pode haver dúvida de que se William, o Silencioso, foi o conquistador da independência das Províncias Unidas, Oldenbarnevelt foi o fundador da própria Confederação. Ele nunca teve a oportunidade, ou talvez ele nunca possuiu a capacidade de fazer sacrifícios tão prodigiosos pela causa do país como o Príncipe o fez. Mas ele serviu seu país tenazmente da juventude à velhice com um permanente senso de dever, uma firmeza de propósito, uma visão ampla, uma incompreensível força, e uma opulência de recurso como nenhum de seus compatriotas conseguiu nem mesmo desejar rivalizar.[23]

Oldenbarnevelt foi advogado da província da Holanda e um líder nacional. Por iniciativa do advogado, Maurício de Nassau [24], filho de Guilherme [25], chegou a stadholder das províncias da Holanda e Zelândia em 1585, e de Guelders, Overijssel e Utrecht em 1590. Oldenbarnevelt também apoiou Maurício para que ele viesse a se tornar general das forças militares da Holanda (1587) e posteriormente em suas campanhas militares contra a Espanha.

Maurício de Nassau foi perito em ciências militares. No comando das forças holandesas, obteve importantes vitórias contra a Espanha e, a exemplo de seu pai, tornou-se um herói nacional. Sua fama era notória em todos os cantos do país; seu sobrenome era poderoso; como líder militar do país, seu poder era respeitado pelos magistrados. Por todos esses motivos sua influência era imensurável.

A relação entre Oldenbarnevelt e Maurício não se manteve em bons termos após o início do século XVII. O advogado comandava os Estados Gerais no processo de assinatura de um tratado de paz com a Espanha (a trégua dos doze anos), porém Maurício de Nassau repudiava qualquer possibilidade de acordo. Essa trégua, se por um lado significava a tão esperada paz para o povo holandês, por outro lado significava a dispensa dos exércitos de Maurício, o abandono de uma guerra que ele tinha certeza da vitória e a perda de poder do grande general militar. Ademais, os recursos financeiros provenientes dos Estados gerais, de outros países e de doações particulares seriam bruscamente cortados; para piorar, os termos do acordo de paz estabeleciam que os exércitos não poderiam mais recolher recursos em territórios inimigos e que todos os reféns seriam libertos. O acordo também garantia que a Holanda não exploraria águas ocidentais, o que rendeu muita oposição a Oldenbarnevelt. A grande prosperidade da Companhia das Índias Orientais havia inspirado outros a fundar uma empresa similar no Ocidente. Mas o advogado levantou firme oposição a essa companhia, pois ela poderia renovar prematuramente e imprudentemente o conflito com a Espanha.

Em 1609 a trégua dos doze anos foi assinada.  A partir daí, Maurício tornou-se declaradamente inimigo de Oldenbarnevelt e começou a trabalhar para que a guerra fosse retomada quando possível e para que seu principal opositor saísse do seu caminho. Este conflito entre os dois homens mais importantes da Holanda representou a batalha entre o elemento civil e o militar na luta pela supremacia política em uma nova república.

A Questão Religiosa

O término da guerra e a ascensão do Arminianismo foram contemporâneos. A liberdade de pensamento religioso na Holanda permitiu que a controvérsia entre Arminius e seus opositores, cujo principal deles foi Franciscus Gomarus, um influente professor de teologia em Leiden, ganhasse grande dimensão. Gomarus, no início da controvérsia, chegou a reconhecer que os assuntos em disputa não diziam respeito aos fundamentos da Reforma [26], entretanto, sua perspectiva logo foi alterada.

Após a morte de Arminius (1609), seus seguidores apresentaram aos Estados Gerais um documento, denominado Remonstrance, contendo cinco pontos sobre suas opiniões referentes aos temas em disputa. Em resposta, os Calvinistas apresentaram um documento contendo sete pontos. Desde este momento os Arminianos foram conhecidos como Remonstrantes e os Calvinistas como Contra-Remonstrantes. Abaixo segue um resumo dos dois documentos:

Remonstrance:

(1). Deus decretou salvar aqueles que irão crer em Jesus Cristo e perseverar na fé; deixando no pecado os incrédulos para serem condenados. (2). Jesus Cristo morreu por todos os homens, proporcionando redenção se alguém crer nele. (3). O homem está num estado de pecado, incapaz de si mesmo fazer qualquer coisa verdadeiramente boa, mas necessita ser nascido de novo. (4). O homem não pode sem a graça de Deus realizar qualquer boa obra ou ação, mas esta graça pode ser resistida. (5). Crentes têm poder para perseverar, mas se eles podem apostatar-se, isso deve ser mais particularmente determinado pelas Sagradas Escrituras.

Contra-Remonstrance:

(1). Pelo motivo de toda a raça ter caído em Adão e se tornado corrupta e impotente para crer, Deus tira da condenação aqueles que ele escolheu para salvação, ignorando os outros. (2). Os filhos dos crentes, contanto que eles não manifestem o contrário, devem ser considerados como eleitos de Deus. (3). Deus decretou conceder fé e perseverança e consequentemente salvar aqueles que ele escolheu para salvação. (4). Deus entregou seu Filho Jesus Cristo para morrer na cruz para salvar somente os eleitos. (5). O Espírito Santo, externamente através da pregação do Evangelho, opera uma graça especial internamente nos corações dos eleitos, dando-lhes poder para crer. (6). Aqueles que Deus decretou salvar são sustentados e preservados pelo Espírito Santo de modo que eles não podem finalmente perder sua fé verdadeira. (7). Crentes genuínos não seguem negligentemente as concupiscências da carne, mas desenvolvem sua própria salvação no temor de Deus.[27]

Nos anos que se sucederam, a controvérsia se expandiu por toda a igreja da Holanda e os efeitos foram muito nocivos. Remonstrantes e Contra-Remonstrantes mostraram à igreja de Cristo como não agir diante de uma discordância. “Enquanto que a disputa travada entre os líderes ficava cada vez mais quente, os tumultos em torno das igrejas aos domingos em cada cidade e vilarejo cresciam de uma forma cheia de fúria, terminando geralmente em lutas abertas com facas, porretes e pedras.”[28]

“Nas mansões de burgueses, casas de camponeses, oficinas mecânicas, a bordo de barcos de pesca, embarcações de recreio, e navios da Companhia das Índias Orientais; nas lojas, escritórios, pátios, guaritas, cervejarias; na casa de câmbio, no campo de tênis, no shopping; em banquetes, em enterros, batizados, ou casamentos; em qualquer lugar e momento em que as criaturas humanas se encontrassem, havia sempre a disputa feroz do Remonstrante e do Contra-Remonstrante, o silvo da furiosa retórica teológica, o ataque de textos hostis. […] Província contra província, cidade contra cidade, família contra a família; era uma cena vasta de brigas, denúncia, corações rancorosos, excomunhão mútua e ódio.”[29]

O conflito tornara-se tão grande que era impossível não assumir um dos lados. Oldenbarnevelt desde o início se identificou como um dos líderes do partido Remonstrante. Com todos os seus recursos, impediu que a maioria Contra-Remonstrante sobrepujasse seus amigos Arminianos. O Príncipe Maurício tardiamente se posicionou na liderança do partido Contra-Remonstrante. Essa demora deve-se ao fato de que ele era diretamente influenciado por um proeminente Arminiano. Maurício era pastoreado por um ministro chamado Uytenbogaert que, ao lado de Oldenbarnevelt, liderava o partido Remonstrante. Inclusive a própria Remonstrance fora escrita pelas mãos dele. Uytenbogaert era o pregador favorito de Maurício [30], que sobre ele disse: “Há qualidades nele [Uytenbogaert] para compensar meia dúzia de pregadores Contra-Remonstrantes.”[31] Entretanto, após o ministro ter adquirido informações de que o Príncipe estava se encontrando com prostitutas em sua corte e confrontá-lo como é dever de todo bom pastor, Maurício tornou-se inimigo de Uytenbogaert.[32] Como o Príncipe não tinha mais qualquer ligação com Oldenbarnevelt e Uytenbogaert, não havia motivos para se manter neutro na controvérsia. Desde então Maurício de Orange se tornou o maior perseguidor dos Arminianos da Holanda. “Não muito tempo depois, o stadholder, batendo a mão no punho da espada, observou que essas diferenças [cisma na igreja] só poderiam ser resolvidas pela força das armas.”[33] Em outro momento ele disse: “Não precisamos aqui de orações floridas e argumentos aprendidos. Com esta boa espada defenderei a religião que meu pai plantou nestas províncias, e eu gostaria de ver o homem que vai me impedir!”[34]Essas afirmações nos dão uma boa ideia de como o Príncipe pretendia dirigir suas próximas ações.

Com a adesão de Maurício ao partido Contra-Remonstrante, o conflito político uniu-se à controvérsia religiosa, e as duas coisas passaram a ser vistas como uma única questão. Obviamente o herói militar possuía uma influência sobre a população infinitamente superior àquele que passara sua vida toda dentro de escritórios trabalhando pelo seu país. Maurício era o elemento que faltava para que os Contra-Remonstrantes obtivessem total vitória sobre seus adversários. As articulações de Oldenbarnevelt não eram mais suficientes para impedir o destino que se anunciava.

Ações Subsequentes e a Preparação Para o Sínodo

Desde então passou a circular nos Países Baixos uma série de folhetos e propagandas aliando o Arminianismo ao domínio Espanhol. Calúnias sobre um suposto suborno recebido por Oldenbarnevelt para facilitar a retomada da Holanda pela Espanha espalharam-se por todo o país. Maurício utilizava-se de sua influência para disseminar entre seus súditos incondicionais a mentira de que os Remonstrantes eram aliados do governo Espanhol e preparavam o caminho para a retomada da igreja Católica. Certa vez o Príncipe disse: “Existem duas facções na terra, a de Orange e da Espanha, e os dois chefes da facção espanhola são o político e ministro Arminianos, Uytenbogaert e Oldenbarneveld”.[35] Não podemos imaginar o efeito que tal tipo de declaração, proferida por um dos heróis militares da independência, tinha sobre a nação.

Os Contra-Remonstrantes cresceram rapidamente e com eles a violência contra os Remonstrantes. Por exemplo, Rem Bischop, um respeitável cidadão, irmão do professor Remonstrante Simom Episcopius, teve, em 1617, sua casa completamente saqueada e destruída sob o motivo de haver pregação arminiana dentro de seus muros. Cada artigo portátil de valor, linho, placa, dinheiro, móveis, foi levado; as imagens e objetos de arte destruídos; a casa eviscerada de cima a baixo.[36]

Maurício já detinha o controle sobre a maioria da população que o venerava. De fato os Remonstrantes eram odiados em função das calúnias promovidas pelos Contra-Remonstrantes. Entretanto, isso não era suficiente para levar a cabo o ambicioso plano do Príncipe de ter o domínio total sobre a Holanda e então poder reduzir a autonomia das províncias, retomar a guerra contra a Espanha, reavivar seu exército, invadir os mares do ocidente, reconquistar os recursos perdidos com a trégua, etc.; enfim, marchar rumo à glória pessoal.

Nesse sentido, o apoio do Rei James foi muito importante agregando respaldo político ao Príncipe. O Rei odiava o Arminianismo e particularmente alguns Arminianos. Certa vez ele ordenou que os Estados da Holanda excluíssem o Arminiano Vorstius do ensino teológico sob pena de perder para sempre seu apoio. Embora o Rei também tenha emitido algumas cartas a favor da tolerância, suas últimas recomendações foram contra o partido Remonstrante.

A essa altura Maurício conseguira a maioria de votos na Assembleia dos Estados Gerais para a realização de um sínodo nacional. Embora Oldenbarnevelt e Hugo Grotius (também líder do partido Remonstrante) defendessem a realização de sínodos provinciais, por entenderem que as questões religiosas eram questões de cada estado, Uytenbogaert não se importava com a realização de um sínodo nacional. Uytenbogaert provavelmente não compreendia quais eram os planos de sua antiga ovelha, Maurício de Orange. É bem provável que se sínodos provinciais fossem realizados em condições de igualdade entre Remonstrantes e Contra-Remonstrantes, ao menos as províncias de Utrecht e Holanda aceitariam as doutrinas arminianas como parte da ortodoxia Reformada.

Tendo a certeza da realização do sínodo nacional, os Contra-Remonstrantes iniciaram uma série de ações para garantir sua vitória no concílio. Uma excomunhão em massa de ministros Remonstrantes foi implantada em todas as províncias alegando pecados e heterodoxia. Maurício, através do envio de tropas às províncias de maioria Remonstrante, substituiu muitos burgomestres (prefeitos) e ajudou no processo de “limpeza” eclesiástica. Muitos Remonstrantes perderam seu ministério, seu sustento e também sua casa, visto que a igreja oferecia os recursos para mantimento dos ministros. Desta forma, o Príncipe garantiu que, quando o sínodo fosse convocado, não haveria ministros Remonstrantes com direito a voto e, desta forma, o caminho dos Contra-Remonstrantes estava aberto para a vitória.

A Convocação e os Participantes do Sínodo [37]

Em 1618 os Estados Gerais emitiram a convocação para o sínodo nacional. Ele seria realizado em Dort. O corpo sinodal convocado era formado por teólogos Calvinistas nacionais, delegados eclesiásticos e delegados leigos/políticos. Também foram convidados teólogos estrangeiros.

Não há outra maneira de entender a presença de delegados leigos/políticos em um sínodo eclesiástico senão como forma de controle e garantia de que todos os resultados esperados fossem alcançados. Os delegados leigos estavam em número de dezoito.

Quanto à escolha das localidades estrangeiras que seriam convidadas a mandar representantes, é importante destacar três situações: os clérigos do principado de Anhalt não foram convidados para o sínodo, pois, “entendia-se que as suas opiniões eram semelhantes as dos Remonstrantes”; o convite a Bremen foi emitido somente após se ter certeza que eles seguiriam os ideais do sínodo, pois, “os teólogos de Bremen eram vistos como homens maleáveis demais para moderar concílios.” Os convites a Genebra e Nassau foram postergados para que não ficasse tão evidente a parcialidade do sínodo, afinal, esses eram os “dois maiores viveiros do Calvinismo.”

Quanto à escolha dos delegados eclesiásticos, a prática foi convocar representantes de todas as províncias. Porém, como tratado anteriormente, os Contra-Remonstrantes e o Príncipe Maurício de Nassau iniciaram a excomunhão em massa dos ministros Remonstrantes das igrejas da Holanda, de modo que, quando os delegados foram convocados, restaram apenas três Remonstrantes no grupo. Eles eram da província de Utrecht e, em princípio, tinham direito a voto. Entretanto, os Calvinistas não permitiram que eles tomassem um lugar nos assentos do julgamento. Foi decidido que, “enquanto os assuntos dos Remonstrantes estivessem em discussão, eles não deveriam perturbar os trabalhos do sínodo por interrupções intempestivas, e não expor suas posições com qualquer coisa feita ou dita no sínodo que tivesse relação com as suas causas. Dois deles, após um dia de deliberação, uniram-se com os seus irmãos sofredores; e o terceiro, que era um leigo, viu o suficiente da conduta parcial daquela venerável assembleia para induzi-lo a ausentar-se das deliberações posteriores.”

Após o início do sínodo, os Calvinistas trataram de convocar os Arminianos para explicarem-se diante do corpo sinodal. Seu papel seria especificamente responder aos questionamentos e deixar que o sínodo julgasse suas proposições. O critério de convocação dos Remonstrantes foi desonesto. No princípio do sínodo, quando não havia nenhum Remonstrante para defender sua posição, “foi proposto e resolvido, que uma carta deveria ser escrita e enviada a todos, a fim de que eles pudessem delegar três de cada província como representantes para o sínodo.” Entretanto, depois de os delegados políticos solicitarem uma reunião particular para informar ao presidente eclesiástico algum assunto que ele desconhecia, foi acordado que os delegados políticos decidiriam quem seria convocado. Eles intimaram apenas treze Remonstrantes conforme suas próprias conveniências.

É importante notar que o que ocorreu, na verdade, não foi um sínodo, mas um julgamento. Não foram dadas condições de igualdade numérica e nem mesmo de tempo para que os Remonstrantes pudessem defender suas posições. Eles não puderam nem ao menos escolher os membros mais qualificados para defender sua causa.

O Procedimento do Corpo Sinodal

Uma sala anexa ao local onde o sínodo ocorria foi preparada para os Remonstrantes. Eles somente se apresentavam diante do corpo sinodal quando sua presença era solicitada. Cada manifestação dos Remonstrantes no sínodo deveria ser solicitada pelo presidente, o qual também tinha autorização para interromper e cancelar a participação dos Remonstrantes quando julgasse adequado. Na prática, os Arminianos foram impedidos de discutir suas doutrinas. Após apresentá-las, eles eram obrigados a se retirar do local para que o sínodo as discutisse. Não havia tréplica.

Não foi permitido aos Remonstrantes escolher seus representantes, de forma que os Calvinistas escolheram quem representaria o Arminianismo. Mesmo no decorrer do sínodo, quando os Arminianos quiseram adicionar ao seu grupo alguns representantes mais qualificados em determinados assuntos, o sínodo não permitiu. Não bastasse a não permissão para convocação de outros Arminianos mais preparados, o presidente clérigo Bogerman e o presidente leigo/político Martinus Gregorius, por muitas vezes impediram os Arminianos de escolherem entre os treze convocados aquele que se reportaria ao sínodo. Eles determinavam quem representaria os Remonstrantes em certas ocasiões. Uma estratégia para fazer os Arminianos caírem em contradição era chamá-los individualmente para se reportar ao sínodo. De forma injusta, escolhiam os Remonstrantes a seu ver mais adequados para acusá-los diante do sínodo, sem o mínimo cuidado com as ilustres qualificações ou experiência dos indivíduos assim selecionados. Sobre o procedimento do presidente Bogerman, Watson, citando os Remonstrantes, diz: “Mas esta era a maneira do presidente: se um de nós, em nome de todos, dissesse qualquer coisa que se revelasse vantajosa para o resto, ele (presidente) parecia muito irritado por nossa unanimidade: então éramos informados que seriamos citados individualmente e pessoalmente, e que não comporíamos uma sociedade ou grupo. Mas quando acontecia de qualquer um de nós empregar uma palavra capaz de ser distorcida e utilizada para prejuízo de todos nós, então o que era dito por apenas um, certamente seria imputado a todos!”

Todas as respostas deveriam ser entregues ao sínodo em Latim, entretanto, embora aqueles Remonstrantes presentes fossem em geral homens de bons talentos naturais, sólido entendimento e bem versados nas questões em discussão, não eram todos dotados com o dom de fornecer uma ágil e improvisada resposta em latim para cada pergunta que pudesse ser repentinamente feita; e se eles possuíssem tal capacidade em um grau elevado, ainda seria necessário que eles tivessem tempo para reflexão e para comparar seus próprios pontos de vista e justificativas com as de seus irmãos.

A maioria dos Calvinistas pátrios presentes no sínodo eram inimigos declarados dos Remonstrantes e já haviam se envolvido em controvérsia com eles em outros momentos. Episcopius (Remonstrante) em certo momento do sínodo questionou: “Senhor Presidente, se você estivesse em nossos lugares e nós no seu, você se sujeitaria ao nosso julgamento?” Bogerman respondeu: “Se assim acontecesse, deveríamos tolerar; e visto que o governo ordenou as questões de uma maneira diferente, resta-lhes suportar com paciência.” Episcopius replicou: “Uma coisa é reconhecer uma pessoa por um juiz, e outra é suportar com paciência a sentença que ela pode impor. Também suportaremos isso, mas nossas consciências não podem ser persuadidas a reconhecer vocês como juízes de nossas doutrinas, uma vez que são declaradamente nossos adversários, e tem igrejas totalmente separadas das nossas.”

Em certo momento do sínodo os Remonstrantes foram proibidos de expressar suas teses em viva voz, e propuseram se expressar apenas por escrito, entretanto, Bogerman conseguiu fazer com que os Remonstrantes fossem dispensados do sínodo (14 de janeiro de 1619 – metade do sínodo). Desta forma, eles estavam livres para criar seus espantalhos contra o Arminianismo. Segundo Watson, “qualquer um que lê atentamente os Atos do sínodo, e os compara com os relatos particulares, tanto de Remonstrantes como de Contra-Remonstrantes, descobrirá que isso também fora a intenção do presidente desde o início, e que todos os seus planos de desvio e conduta tempestuosa foram destinados a irritar os Remonstrantes, que possuíam mais paciência do que ele havia imaginado, e que foram, portanto, removidos do sínodo com maior exercício de arte e com maior dificuldade do que o previsto.”

Depois da dispensa, a injustiça só aumentou. O sínodo continuou a julgar o Arminianismo com base em um documento que continha supostamente as opiniões dos Remonstrantes, porém, este livro era uma produção de um inimigo declarado, que escreveu um relato altamente distorcido de uma conferência concernente aos cinco pontos. Embora dispensados de sua participação no sínodo, os Remonstrantes não foram autorizados a afastar-se de Dort.

As Deliberações do Sínodo e as Medidas Contra os Arminianos

Além da formulação das doutrinas Calvinistas expressas nos cânones de Dort, ao final do sínodo, após os Calvinistas deterem os Remonstrantes na cidade por quase meio ano, mesmo que dispensados, uma resolução do sínodo contra os Remonstrantes foi divulgada. Nela, eles foram acusados de “terem corrompido a verdadeira religião, dissolvido a unidade da Igreja, dado graves causas de escândalo, e mostrarem-se contumazes e desobedientes. Por estas inúmeras razões, o sínodo proibiu-os de continuar o exercício dos seus ministérios, privou-os de seus cargos na igreja e na universidade, e declarou-os incapazes de desempenhar qualquer função eclesiástica, até que, por arrependimento sincero, eles dessem à igreja plena satisfação e, desta forma, reconciliados com ela, deviam ser readmitidos em sua comunhão.”[38]

As consequências não terminaram por aí. Os Contra-Remonstrantes se encarregaram de executar cada detalhe de seus planos sem se importar com a reputação histórica ou com as más impressões que suas ações poderiam causar. Sem pudor algum, após comunicarem a resolução do sínodo aos Remonstrantes, trataram de seguir com a barbárie; informaram aos Arminianos que deveriam continuar esperando na cidade até que o governo dos Estados Gerais enviasse novas ordens. Depois disso, reuniões com novos delegados aconteceram, período em que as noticias da execução de Oldenbarnevelt e da prisão perpétua de Grotius chegaram aos seus ouvidos.

Semanas depois foram removidos até Haia, onde, após se negarem a assinar o ato de cessassão de seus ministérios, foram informados pelo governo que seriam banidos para “fora das Províncias Unidas e de sua jurisdição, sem autorização a retornarem até que estivessem plenamente prontos a assinar o referido ato de cessação, e até que tivessem obtido licença especial do governo para este propósito, sob pena, em caso de descumprimento, serem tratados como perturbadores da ordem pública, como exemplo para os outros.”[39]

Mais de duzentos ministros Arminianos perderam seus ministérios. Muitos deles perderam todos os seus bens (conferidos em função de suas atividades). Foram jogados junto com suas famílias no olho da rua; os funcionários públicos Arminianos também foram destituídos de seus cargos; proeminentes doutores foram demitidos de suas funções (como Gerard Vossius, Caspar Barlaus, Peter Bertius, William Coddseus, Gilbert JacchaBus, João Meursius e Cornélio Sylvius);[40] pastores foram presos; muitos Arminianos foram massacrados sob a direção de autoridades holandesas Calvinistas (por intermédio das mãos e armas de uma tropa brutal) quando encontrados em celebrações de culto.[41]Oldenbarnevelt foi condenado por traição e sua pena foi a decapitação; Grotius foi condenado à prisão perpétua.

Para cumprir as medidas determinadas, os Calvinistas percorreram as Províncias Unidas com os cânones de Dort a fim de que todos os ministros da igreja subscrevessem o documento. Os que se recusaram foram imediatamente expulsos do ministério e forçados a assinar o ato de cessação (compromisso de não pregar as doutrinas de Arminius mesmo destituídos do corpo ministerial da igreja). Aqueles que não assinaram o ato de cessação foram presos e/ou banidos do país. Os Arminianos foram completamente proibidos de se reunirem em grupos mesmo para a realização de cultos. Multas foram aplicadas aqueles que ousaram se encontrar para buscar a Deus. Os Calvinistas decretaram que qualquer um que abrigasse um ministro Arminiano, ou mostrasse a ele qualquer ato de bondade, ou ainda permitisse-lhe que dirigisse qualquer atividade religiosa em uma família, mesmo que fosse apenas para orar por uma pessoa moribunda, seria penalizado com multas pesadas e tais ministros com a prisão ou exílio. Pessoas que fossem descobertas a coletar ofertas ou a ofertar dinheiro para o sustento dos ministros destituídos ou exilados, receberiam pesadas multas. Grandes recompensas eram dadas aos indivíduos que denunciavam as pessoas que: (1) permitiam que os ministros Arminianos mantivessem seus serviços públicos (aconselhamento, orações, cultos, etc.) em suas casas; (2) participavam de reuniões com ministros Arminianos; (3) mostravam qualquer conduta favorável ao Arminianismo.[42]

Essas medidas duraram até 1625, ano da Morte de Maurício de Nassau. Após isso, os exilados puderam retornar para suas províncias, estabelecer igrejas e até escolas. A tolerância do pensamento religioso foi restabelecida e as províncias passaram a ter novamente a liberdade de decidir sobre os assuntos religiosos. Isso demonstra que o fator “Príncipe Maurício” foi o agente vital para que o cisma terminasse com a “vitória” do partido Contra-Remonstrante em um sínodo nacional e para que medidas tão absurdas e diabólicas fossem tomadas contra os irmãos Remonstrantes e todos os seus simpatizantes.

Conclusão

Os objetivos iniciais deste ensaio eram: (1) mostrar que o sínodo de Dort foi fortemente motivado por, além das questões teológicas, questões políticas, ambição e por vingança; doutra forma ele não teria ocorrido; (2) mostrar que o corpo sinodal, enquanto juiz do Arminianismo, devido à parcialidade, não tinha  importância suficiente e envergadura moral para deliberar contra as doutrinas defendidas pelos Remonstrantes.

Abaixo encontram-se sintetizados os argumentos apresentados no texto referentes aos objetivos propostos.

(1)  As ações políticas de Oldenbarnevelt prejudicaram consistentemente os planos de poder de Maurício de Nassau. O repúdio à atitude pastoral de Uytenbogaert foi a chave para que o Príncipe, movido pelo ódio e frente ao grande cisma na igreja, assumisse a posição de líder do partido Contra-Remonstrante. Maurício uniu o conflito religioso ao conflito político e utilizou-se da grande influência de seu próprio personagem para jogar a nação, através da igreja, contra seus inimigos políticos, os quais eram Remonstrantes. Para isso, ele ligou a figura dos Arminianos à Espanha e ao papado. Por trás desta atitude estavam os planos de ascendência ao poder e o sentimento de vingança contra o homem que acabou com suas campanhas militares. Maurício conseguiu o apoio dos líderes das províncias de maioria Contra-Remonstrante e foi eliminando os líderes opositores. Assim ele obteve o controle sobre toda a Holanda passando por cima da própria cultura de autonomia das províncias e dos Atos da União de Utrecht que deixavam às províncias o domínio sobre as questões religiosas. O sínodo foi não mais do que uma ferramenta para que Maurício alcançasse seus objetivos. Sua influência é o principal motivo para a ocorrência de um sínodo nacional.

(2)  Embora a religião na Holanda fosse formada por maioria Contra-Remonstrante, a liberdade de pensamento religioso, mesmo dentro da igreja Reformada, sempre fora tolerada. Depois de Maurício assumir o partido Calvinista, um sínodo nacional foi aprovado pelos Estados Gerais para que, em tese, o tema em disputa na igreja fosse discutido e para que um consenso fosse alcançado. Entretanto, através de medidas vergonhosas, o partido Contra-Remonstrante garantiu que seus adversários não estariam presentes no sínodo como clérigos com direito a voto, mas como réus. Poucos Arminianos foram convocados e sequer tiveram a oportunidade de escolher seus interlocutores nos raros momentos em que tiveram o direito de falar. Além disso, a maioria dos Calvinistas holandeses presentes no sínodo eram inimigos declarados dos Remonstrantes e já haviam se envolvido em controvérsia com eles em outros momentos. De fato, um tribunal em que seus inimigos também são seus juízes, no qual você não tem sequer a oportunidade para se defender de forma digna e justa, deve ser considerado antiético e imoral. Ademais, se apenas representantes da linha de pensamento teológico calvinista estavam presentes no sínodo com direito a voto, excluindo Luteranos e Arminianos, a imensa parcialidade do corpo sinodal lhe confere total descrédito para que decida quais as doutrinas devem ser válidas para qualquer ente que não seja a própria igreja Contra-Remonstrante.

A utilização do sínodo de Dort como símbolo de ortodoxia somente tem validade entre calvinistas. Os demais cristãos, aqueles que compartilham das doutrinas centrais do evangelho, não devem reconhecer qualquer tipo de argumentação fundamentada em cima do rótulo do concílio realizado em Dort, afinal, como foi demonstrado, ele não é uma boa referência de imparcialidade e isenção.

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[1] Os Estados Gerais eram formados por representantes de todas as sete províncias da Holanda, constituindo o parlamento do país.

[2] Doutrina que deve seu nome ao teólogo holandês Jacobs Arminius (1559-1609). Arminius e seus seguidores questionaram a soteriologia calvinista. Sua teologia ficou conhecida como arminianismo e pode ser resumida da seguinte maneira: (1) Depravação total: devido ao pecado de Adão, a raça humana é completamente incapaz de fazer qualquer coisa que possa produzir salvação; o homem está morto em pecados e, a menos que Deus aja primeiramente no homem, ele não poderá ser salvo. (2) Eleição condicional: Deus, na eternidade, elegeu para salvação todos aqueles que creriam em Cristo e perseverariam na fé. (3) Expiação ilimitada: Deus enviou seu Filho, Jesus Cristo, para morrer por todos os homens. (4) Graça resistível: Deus chama os homens e os capacita através de sua graça; todavia, os homens podem resisti-la. (5) Perseverança em Cristo: Deus dá graça suficiente para que todos os crentes perseverem na fé, entretanto, há possibilidade de apostasia final.

[3] Conforme The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knoledge, citado por Laurence M. Vance em O outro lado do Calvinismo. Disponível em http://deusamouomundo.com/links/o-sinodo-de-dort/. Acesso em 04/03/2013.

[4] Pessoas que creem no calvinismo. O calvinismo é a doutrina que deve seu nome e suas ori­gens ao teólogo e reformador francês João Calvino (1509-1564). Essa corrente é popularmente conhecida por defender as doutrinas da eleição incondicional e predestinação. Obviamente o calvinismo é muito mais profundo e não pode ser explicado em apenas uma nota de rodapé, entretanto, quanto à soteriologia, podemos resumir suas ideias principais através dos cinco pontos seguintes: (1) Depravação total: devido ao pecado de Adão, a raça humana é completamente incapaz de fazer qualquer coisa que possa produzir salvação; o homem está morto em pecados e, a menos que Deus aja primeiramente no homem, ele não poderá ser salvo. (2) Eleição incondicional: Deus, na eternidade, através de um decreto soberano, elegeu alguns homens para serem salvos, inde­pendentemente da vontade do homem ou de fé prevista. (3) Expiação limitada: Deus enviou seu Filho, Jesus Cristo, para morrer em um sentido salvífico apenas pelos eleitos. (4) Graça irresistível: Deus chama eficazmente a todos os eleitos através de sua graça; eles não podem resisti-la. (5) Perseverança dos santos: os eleitos, após chamados, perseverarão até o fim; não existe qualquer possibilidade de apostasia.

[5] O erro do apelo à autoridade consiste em aceitar como verdadeira uma ideia porque uma autoridade ou especialista renomado a defende…Raramente o locutor apresenta a falácia abertamente, isto é, diz, por exemplo, que os raioz da luz curvam necessariamente porque Einstein disse que curvam, ou que os meninos passam por uma fase de Édipo porque Freud acreditava que isso ocorre. O mais comum é a apresentação das ideias favoravelmente pelo uso da fama do outro como a justificativa subentendida da ideia.  (CARRAHER, David William. Senso crítico: do dia-a-dia das ciências humanas. 1ª edição, São Paulo: Editora Pioneira Thomson Learning, 1983, p. 41).

[6] Seguidores de Jacobs Arminius que o sucederam na defesa do arminianismo. Em 1610, após a morte de Arminius, eles apresentaram um documento aos Estados Gerais chamado de Remonstrance, cujo conteúdo consistia na sistematização da doutrina arminiana. Esse documento rendeu-lhes o nome de Remonstrantes.

[7] DREHER, Martin Noberto. História do povo luterano. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2005. p. 10.

[8] HUNT, Dave; WHITE, James. Debating Calvinism: Five points, two views. Multnomah Books, 2004, p. 22. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/anabatistas/calvinismo-negado/ > Acesso em 05/03/2013.

[9] LINDBERG, Carter. As reformas na Europa. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2001. p. 355.

[10] Ibid., p. 358.

[11] WATSON, Richard. Biblical and Theological Dictionary. New York: Published by Lane and Scott, 1849. p. 888. Disponível em: http://deusamouomundo.com/remonstrantes/sinodo-de-dort/ Acesso em 05/03/2013.

[12] LINDBERG, Carter. As reformas na Europa. São Leopoldo: Editora Sinodal, 2001. p. 361.

[13] Ibid., p. 366.

[14] Ibid., p. 366.

[15] Teologicamente, o supralapsarismo é uma forma de ordenar os decretos divinos de tal maneira que a decisão e o decreto de Deus em relação à predestinação dos seres humanos, ao céu ou ao inferno, antecede seus decretos de criar os seres humanos e permitir sua queda. A ordem típica dos decretos divinos, segundo o supralapsarismo, é a seguinte: 1. O decreto divino de predestinar algumas criaturas à salvação e à vida eterna e outras à perdição e ao castigo eterno no inferno. 2. O decreto divino de criar. 3. O decreto divino de permitir que os seres humanos caiam no pecado. 4. O decreto divino de fornecer meios para a salvação (Cristo e o evangelho) dos eleitos. 5. O decreto divino de aplicar aos eleitos a salvação (a justiça de Cristo). A ordem supralapsária dos decretos divinos deixa claro que o primeiro e principal propósito de Deus no seu relacionamento com o mundo é glorificar a si mesmo (sempre o motivo principal de Deus em tudo), salvando algumas criaturas e condenando outras. A dupla predestinação, portanto, logicamente antecede à criação, à queda e todas as demais coisas, inclusive a encarnação de Cristo e sua expiação, na intenção e no propósito de Deus. (OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas.  1. ed. São Paulo: Editora Vida. 2001. pp. 468-469. Disponível em: <http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/diversos/artigos/44-roger-e-olson/1331-roger-e-olson-os-arminianos-tentam-reformar-a-teologia-reformada> Acesso em 08/03/2013.)

[16] OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2000 anos de tradição e reformas.  1. ed. São Paulo: Editora Vida. 2001. p. 465. Disponível em: <http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/diversos/artigos/44-roger-e-olson/1331-roger-e-olson-os-arminianos-tentam-reformar-a-teologia-reformada> Acesso em 08/03/2013.

[17] OLSON, Roger E. Arminian theology: myths and realities. p. 50. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/arminianismo/arminius-e-a-teologia-reformada/> Acesso em 08/03/2013.

[18] WATSON, Richard. Biblical and Theological Dictionary. New York: Published by Lane and Scott, 1849. p. 888. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/remonstrantes/sinodo-de-dort/> Acesso em 05/03/2013.

[19] OLSON, Roger E. Arminian theology: myths and realities. p. 49. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/arminianismo/arminius-e-a-teologia-reformada/> Acesso em 08/03/2013.

[20] Citado por Roger Olson em Arminian theology: myths and realities, p. 50. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/arminianismo/arminius-e-a-teologia-reformada/> Acesso em 08/03/2013.

[21] OLSON, Roger E. Arminian theology: myths and realities. p. 51. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/arminianismo/arminius-e-a-teologia-reformada/> Acesso em 08/03/2013.

[22] MOTLEY, John Lothrop. The life and death of John of Barneveld, advocate of Holland. New York: Harper and Brothers Publishers. 1874. Volume 1. p. 339.

[23] Ibid., p. 3.

[24] Este Maurício de Nassau não é o mesmo que veio ao Brasil em 1637.

[25] Há outro filho de Guilherme de Nassau e Orange que merece destaque: Philip Willian. Ainda adolescente, Philip foi sequestrado e levado para a Espanha onde recebeu uma educação católica e cresceu leal ao reino. Em 1596 ele retornou para os Países Baixos, e nesta oportunidade seu direito ao baronato da cidade de Breda (local no sul da Holanda de possessão da casa dos Nassau) foi questionado por seu irmão Mauricio. Com o apoio de sua irmã, Philip foi reconhecido como senhor de Breda em 1606. Este fato também mostra a tolerância religiosa vivida na Holanda até o ano de convocação do sínodo, pois Philip Willian era um católico devoto e implementou serviços católicos em seu território paralelamente à atuação da igreja reformada. Ele também recebeu, após a morte de seu pai, o título de Príncipe de Orange, o qual não tinha nenhuma relação com os Países Baixos, mas com um território no sul da França. Tal título de nobreza somente foi entregue a Mauricio no ano da morte de Philip Willian, coincidentemente o mesmo ano da convocação do sínodo.

[26] WATSON, Richard. Biblical and Theological Dictionary. New York: Published by Lane and Scott, 1849. p. 888. Disponível em: http://deusamouomundo.com/remonstrantes/sinodo-de-dort/ Acesso em 05/03/2013.

[27] VANCE, Laurence M. O outro lado do Calvinismo. Disponível em: <http://deusamouomundo.com/links/o-sinodo-de-dort/> Acesso em 04/03/2013.

[28] MOTLEY, John Lothrop. The life and death of John of Barneveld, advocate of Holland. New York: Harper and Brothers Publishers. 1874. Volume 2. p. 115.

[29] Ibid., Volume 1. p. 338.

[30] Ibid., Volume 2. p. 52.

[31] Ibid., Volume 1. p. 347.

[32] Ibid., Volume 2. pp. 51-52. Disponível também em: <http://www.arminianismo.com/index.php/forum?view=topic&catid=2&id=16997&start=30#21350> Acesso em 14/03/2013.

[33] Ibid., Volume 1. p. 347.

[34] Ibid., Volume 2. pp. 123-124.

[35] Ibid., Volume 2. p. 116.

[36] Ibid., Volume 2. p. 157.

[37] Os itens “A Convocação e os Participantes do Sínodo” e “O Procedimento do Corpo Sinodal”, foram resumidos a partir da referência a seguir:  WATSON, Richard. Biblical and Theological Dictionary. New York: Published by Lane and Scott, 1849. pp. 888-900. Disponível em:http://deusamouomundo.com/remonstrantes/sinodo-de-dort/ Acesso em 05/03/2013.

[38] WATSON, Richard. Biblical and Theological Dictionary. New York: Published by Lane and Scott, 1849. p. 895. Disponível em: http://deusamouomundo.com/remonstrantes/sinodo-de-dort/ Acesso em 05/03/2013.

[39] Ibid., p. 896.

[40] CALDER, Frederick. Memoirs of Simon Epscopius. London: Hayward and Moore. 1838. p. 412.

[41] Ibid., p. i-ii .

[42] Ibid., pp. 413-414.

Escrito por Samuel Paulo Coutinho do site http://deusamouomundo.com/ em 14/12/2014

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