Sem a inerrância, as Escrituras não podem ser infalíveis

Para todo crente professo, a autoridade do Senhor Jesus é inquestionável e suprema. Se em quaisquer das perspectivas e dos ensinos registrados no NT O Senhor pudesse ser acusado de erro ou engano, ele não poderia ser nosso divino Salvador. O cristianismo todo seria ilusão, embuste. Segue-se, portanto, que qualquer opinião sobre as Escrituras que seja contrária a Cristo deve ser de imediato e sem maiores considerações rejeitada. Se há alguma coisa de importante no NT é o testemunho da divindade de nosso Senhor e Salvador — desde Mateus, passando por todos os livros, até o Apocalipse. Todos os que se intitulam evangélicos concordam de modo cabal nesse ponto. Se esse fato é verdadeiro, segue-se que, seja o que for que Jesus Cristo aceitasse e nisso cresse, no que diz respeito à confiabilidade das Escrituras, deve ser aceito como verdadeiro, algo que está gravado na consciência de cada crente legítimo. Se Cristo cria na total exatidão da Bíblia hebraica, em todos os assuntos científicos ou históricos, devemos reconhecer que sua opinião nessas questões é correta e fidedigna em todos os aspectos. Ademais, tendo em mente a impossibilidade de Deus ser culpado de erro, precisamos reconhecer também que até mesmo questões de história ou de ciência, conquanto em si mesmas não teológicas, assumem importância de doutrina básica. Por que as coisas são assim? Porque Cristo é Deus, e Deus não pode enganar-se. Eis uma proposição teológica absolutamente essencial para a doutrina cristã.

O exame cuidadoso das referências que Cristo fez ao AT evidencia, sem sombra de dúvida, que o Senhor aceitou integralmente como reais até mesmo as declarações mais controvertidas da Bíblia hebraica, no que concerne à história e à ciência. Seguem-se alguns exemplos:

1) Ao falar de sua morte e ressurreição, que se aproximavam, Jesus afirmou, em Mateus 12.40: “Pois assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre de um grande peixe, assim o Filho do homem ficará três dias e três noites no coração da terra“. Afora qualquer tendência de proteger uma teoria, é impossível extrair dessa declaração qualquer outra conclusão senão que Jesus considerava a experiência de Jonas o tipo (ou, pelo menos, analogia claríssima) que apontava para a sua experiência, muito próxima, entre a hora de sua morte na cruz e a de sua ressurreição física, saindo da sepultura na manhã da Páscoa. Se a ressurreição foi historicamente factual e o antítipo da provação de Jonas no estômago do grande peixe, segue-se que o protótipo em si mesmo pode ter sido um fato histórico real — não obstante o ceticismo moderno a esse respeito. A realidade do fato da narrativa é confirmada também por Mateus 12.41: “Os homens de Nínive se levantarão no juízo com esta geração e a condenarão; pois eles se arrependeram com a pregação de Jonas, e agora está aqui o que é maior do que Jonas” (NVI) — isto é, o próprio Jesus. O Senhor deixa implícito que os habitantes de Nínive na verdade atenderam ao apelo e à denúncia fulgurantes de Jonas, em humildade sincera e temor — exatamente como está registrado em Jonas 3. Jesus declara que os pagãos ignorantes, que jamais tiveram conhecimento da Palavra de Deus, teriam menos culpa diante de Deus que os judeus dessa geração, que estavam rejeitando a Cristo. Esse julgamento pressupõe com toda a clareza que os ninivitas fizeram com exatidão o que Jonas registrou a respeito desse povo. Isso significa que Jesus não considerou o livro de Jonas mera ficção ou alegoria, como sugerem alguns pretensos evangélicos. Crer que Jonas é mera ficção é o mesmo que rejeitar a inerrância de Cristo e, portanto, sua divindade.

2) Outro registro das Escrituras tido como histórica e cientificamente impossível é o da arca de Noé e do Dilúvio, que encontramos em Gênesis 6-8. Entretanto, Jesus, em seu sermão no monte das Oliveiras, afirmou claramente que “nos dias anteriores ao Dilúvio, o povo vivia comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca; e eles nada perceberam, até que veio o Dilúvio e os levou a todos. Assim acontecerá na vinda do Filho do homem” (Mt 24.38, 39). De novo Jesus estava predizendo que um acontecimento ocorreria no futuro, como antítipo de um fato registrado no AT. Portanto, o Senhor deve ter considerado o Dilúvio história verídica, exatamente como registra o livro de Gênesis.

3) O registro de Êxodo sobre a alimentação de mais de dois milhões de israelitas pelo milagre do maná, durante quarenta anos no deserto do Sinai, é rejeitado por alguns estudiosos que intitulam-se evangélicos, chamando-o lenda. Mas o próprio Jesus o aceitou como fato histórico ao dizer: “Os seus antepassados comeram o maná no deserto, mas morreram” (Jo 6.49). A seguir, no versículo seguinte, o Senhor se apresenta como o antítipo, isto é, como o verdadeiro Pão vivo, enviado do céu pelo Pai.

4) Podemos afirmar com tranquilidade e segurança que jamais o Senhor Jesus, ou qualquer de seus apóstolos, fez a menor insinuação de que houvesse alguma inexatidão de ordem científica ou histórica em alguma declaração do AT. Ao ceticismo científico ou racionalista dos saduceus, Jesus citou ipsis litteris Êxodo 3.6, em que Deus fala a Moisés de uma sarça ardente (arbusto que se queimava miraculosamente sem se consumir), nos seguintes termos: “Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (Mt 22.32). Pelo uso do tempo presente, que fica implícito na oração sem verbo do texto hebraico, o Senhor extrai a dedução de que Deus não descreveria a si próprio como Deus de meros cadáveres, que enfeitassem túmulos, mas apenas de personalidades permanentemente vivas, que estivessem usufruindo a comunhão com o Pai na glória. Portanto, o AT ensinava a ressurreição dos mortos.

5) No que concerne à historicidade de Adão e de Eva, Cristo deixou implícita a veracidade do registro de Gênesis 2.24, em que se lê a respeito de nossos primeiros pais: “Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne” (Mt 19.5). No versículo precedente, o Senhor referiu-se a Gênesis 1.27, segundo o qual Deus criou a humanidade de modo especial, ao criar macho e fêmea — no início da história humana. A despeito das teorias científicas da modernidade, o Senhor Jesus acreditava que Adão e Eva foram personalidades verdadeiras, históricas. Encontramos confirmações semelhantes nas cartas de Paulo (que testificou ter recebido sua doutrina diretamente do Cristo ressurreto [Gl 1.12]), de modo especial em 1Timóteo 2.13, 14: “Porque primeiro foi formado [eplasthē, “moldado”, “criado”] Adão, e depois Eva. E Adão não foi enganado, mas sim a mulher que, tendo sido enganada, tornou-se transgressora“. A questão tratada aqui nesse trecho é o contexto histórico da liderança e da responsabilidade masculina tanto no lar como na igreja. Pressupõe-se, portanto, a historicidade de Gênesis 3. A esse respeito, devemos notar que, em Romanos 5.12-21, traça-se um contraste entre a desobediência de Adão, que atirou a raça humana no estado de pecado, e a obediência de Cristo, cuja morte expiatória trouxe redenção a todos os que crêem. Está registrado no versículo 14 que Adão é um typos (“tipo”) “daquele [Cristo] que haveria de vir”. Portanto, se Cristo foi uma personagem histórica, o antítipo de Adão, segue-se inevitavelmente que o próprio Adão também foi uma personagem histórica. Ninguém pode afirmar com sinceridade que dedica aceitação leal à doutrina da infalibilidade das Escrituras e ao mesmo tempo crer na possibilidade de Adão, o ancestral singular da raça humana, ser uma figura mítica, lendária. O trecho eminentemente doutrinário de Romanos 5 (que serve de base para a doutrina do pecado original) pressupõe que os capítulos 2 e 3 de Gênesis contam uma história verídica.

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Archer, Gleason L. Enciclopédia de Temas Bíblicos: respostas às principais dúvidas, dificuldades e “contradições” da Bíblia. Tradução Oswaldo Ramos. 2. Ed. São Paulo: Editora Vida, 2001, pp. 18-19.

Via Walson Sales.

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