Para o mundo inteiro, Zeus, o supremo deus do Olimpo é apenas um mito; um dos grandes personagens que ocupa lugar nas páginas da história e dos livros de mitologia grega. É, mais o que muitos não sabem, é que tem gente levando a sério este negócio de mitologia. Na verdade, para certo grupo de gregos, os deuses do Olimpo são muito mais que fantasia, são seres reais, a quem podemos orar e adorar. É o que mostra esta reportagem abaixo:
ATENAS (Reuters) – Em uma agradável noite de primavera de Atenas, com a Acrópoles banhada pela luz branca da lua cheia, um coro de vozes ora: “Salve Zeus!”.
As vozes não são de atores de uma tragédia antiga, nem de uma cerimônia das Olimpíadas, mas sim de um grupo de atenienses modernos reverenciando deuses do Olimpo.
Muito antes das Olimpíadas se tornarem um tesouro comercial eles já realizavam festivais religiosos em homenagem aos 12 deuses do Monte Olimpo. Agora, com a volta dos Jogos para seu lugar de nascimento em agosto, um pequeno grupo de gregos está pressionando para obter reconhecimento legal de suas raízes pré-cristãs.
Eles pediram reconhecimento religioso formal e tentam obter ordens judiciais contra a exploração comercial de seus símbolos religiosos por parte dos organizadores das Olimpíadas de 2004.
O problema é quem ninguém está levando o grupo a sério.
Em alguns casos eles até sofrem processos por participação em cultos ilegais.
A Grécia clássica é reverenciada como o berço da civilização ocidental, mas seus deuses, heróis e monstros são mais associados atualmente a personagens musculosos de quadrinhos norte-americanos.
Reunidos na varanda de um apartamento da Atenas do século 21, adultos com os olhos fechados e faixas coloridas na cabeça levantam as mãos durante o eclipse da lua.
Um Deus Apolo de plástico observa a partir de seu altar. Do seu lado direito, Atenas usa um capacete de guerra e uma imagem de Afrodite de seios de fora relembra sua posição de deusa do amor.
FAIXA TURQUESA
O grupo encerra a cerimônia da lua cheia formando um círculo de braços dados.
Vasileos, engenheiro químico que prefere não dizer o sobrenome, está convencido que ele e seus colegas são os gregos reais e que os cristãos ortodoxos são impostores.
“Quem foram os primeiros cristãos? Eles eram sujos, não tinham forma, cultura e tinham somente um livro – a Bíblia.”
Georgios, advogado renomado e usando uma faixa turquesa na cabeça, que significa o ciclo da vida, não consegue ver onde está o problema de credibilidade.
“Os gregos antigos inventaram a lógica, a ciência, a medicina e a filosofia e construíram o Parthenon. Você quer dizer que eles não sabiam o que estavam fazendo a respeito de religião?”, perguntou.
Panayiotis Marinis, médico e líder espiritual do grupo, nasceu em uma família de politeístas na pequena aldeia de Kithra, na ilha de Kefalonia.
Ele disse que a tradição ainda é forte em muitas comunidades pequenas. “Minha família era de crentes, um monte de gente na nossa aldeia é”, disse.
Ele cita as enormes multidões que seguiram a tocha olímpica desde que foi acesa em cerimônia copiada diretamente das tradições da sua religião.
Marinis estima que existam 100.000 seguidores dos 12 deuses espalhados pela Grécia, mas o reconhecimento oficial ainda está longe.
Eles esperam há dois anos por uma resposta a uma petição por um local oficial de orações feita ao ministério grego da educação e assuntos religiosos.
VISITANTE NÃO DESEJADO
Enquanto isso eles querem corrigir algumas crenças populares.
Marinis disse não acreditar que Zeus tenha realmente vivido no Monte Olimpo, no norte da Grécia, apesar de o local ser considerado sagrado.
Muitos do grupo não se impressionam com os cristãos ortodoxos, que consideram visitantes não desejados na Grécia.
“O cristianismo foi a primeira forma de globalização”, disse Doretta, escritora. “Para nós, deus não é um chefe, é um amigo, e você pode debater com amigos -veja Odisseu e Poseidon”, disse, em referência à famosa disputa entre o guerreiro grego e o Deus do mar.
Georgios afirma que a mitologia não deve ser levada de maneira tão literal. “É uma alegoria, é teologia simbólica.”
“Hércules não lutou com a hidra; é uma alegoria sobre a batalha com os desejos de muitas cabeças dentro de todos nós”, disse.
Tirando as faixas, estátuas e incensos, o encontro poderia ser confundido com uma reunião de arqueólogos.
Mas não é sempre assim. Panayiotis Kakkavas disse que o grupo se veste de “maneira apropriada”, com togas e, em alguns casos, adornos de cabeça para celebrações ao ar livre em locais arqueológicos na Grécia.
Os rituais são realizados em segredo, já que o ministério da cultura se recusa a dar permissão oficial.
O lugar mais sagrado de todos, a Acrópoles de Atenas, ainda chamada pela maioria dos gregos de “pedra sagrada”, está fora de cogitação. Mas quem duvidar de sua santidade deve procurar pássaros para obter a confirmação, disse o grupo.
“Já percebeu que não há pássaros voando sobre a Acrópolis? Até eles sabem que é um local sagrado”, disse Georgios.