Enquanto a Igreja combatia os heréticos pela repressão, seus teólogos tratavam de fornecer os argumentos para justificar a intolerância e e nenhuma foi tão capaz nesse campo como São Tomás de Aquino, monge dominicano que viveu de 1225 a 1274.
Por meio da Summa Teologica, apoiado no raciocínio lógico de Aristóteles, São Tomás procurou explicar os dogmas da fé. Compôs 21 volumes, 38 tratados, 631 questões e 10.000 objeções. Montou um documento completo sobre o catolicismo – frio, lúcido, conciso, objetivo.
Com respeito à heresia, as posições de São Tomás foram claras: uma vez aceita a Igreja por um livre decisão do católico, este perdia o direito de contestá-la ou abandoná-la.
Mais ainda: se é justo castigar o moedeiro falso pelos males que faz à economia, muito mais justo é castigar o herege pelos males que faz à Igreja, responsável pelas almas e pela vida eterna.
Segundo São Tomás, se um herege persiste no erro, apesar das exortações religiosas, deve ser excomungado – privado da vida eterna – e morto – privado da vida terrena.
Através de um prodigioso malabarismo de raciocínio, São Tomás explicou por que Deus permitia o surgimento das heresias da seguinte maneira: a existência do mal é uma necessidade para se poder distinguir o bem, sendo que extirpação do mal reforça o bem.
O bem se nutre do mal como o leão do asno, declarou São Tomás – daí a razão pela qual é impossível a Deus criar um homem sem pecado como é impossível existir um círculo quadrado. Dessa maneira, se, por um lado, a heresia é um mal indestrutível, por outro, deve a Igreja “nutrir-se de hereges em nome da salvação de todos os crentes”.
Ainda segundo São Tomás, era justa a execução do herege relapso, pois, comprovando não ser constante em sua fé cristão, ele poderia, no convívio com outros cristãos, “infectá-los” com sua heresia. Ademais, se a Igreja relaxasse no seu rigor para com ele, isso faria com que os outros viessem a ter menos medo de cair no erro.
Defendendo a punição, mostrando a necessidade de intolerância e explicando o pecado com base em critérios de uma suposta lógica divina, São Tomás de Aquino foi não apenas o mais completo ideólogo da inquisição que se institucionalizava como também o pensador que melhor formulou as justificativas intelectuais de um Estado Teocrático-Absolutista – o Papado assumiu o caráter de uma verdadeira monarquia absoluta, a primeira da Europa e munida de uma ideologia transnacional, considerando que a fé não tinha fronteiras – que então se estruturava e buscava firmar a sua autoridade centralizadora numa Europa repartida em feudos rivais e com monarcas politicamente quase impotentes.
Fonte: “História da Inquisição”, de Luiz Roberto Lopez.