Sacramentos – Origens e Doutrinas

OS SACRAMENTOS

I. O Termo “Sacramentum”

No Novo Testamento grego não existe uma palavra correspondente a sacramento. Este termo procede do latim, Sacramentum, e, no uso clássico de dita língua, aplicava-se em dois sentidos:

a) uma coisa separada para um propósito sagrado, e
b) o juramento de lealdade e obediência que o soldado fazia ao imperador de Roma ao ingressar no exército.

Nos escritos de Tertuliano (século III) aparece a primeira evidência de chamar sacramentos os ritos cristãos do batismo e da ceia do Senhor.
No século seguinte, Jerônimo usou a palavra sacramentum em sua versão da Vulgata Latina para traduzir musterion (mistério) de Efésios 5:32 e outras poucas passagens do Novo Testamento.
Foi no século V, no entanto, quando começou a elaborar-se uma doutrina de sacramentos, sendo Santo Agostinho o pai da mesma e quem definiu o sacramento como “a forma visível de uma graça invisível”. Ele também ensinou que os sacramentos são necessários para a salvação e ainda quem, em seu conceito, incluiu como sacramentos todos os santos usos e os ritos da Igreja; o batismo e a eucaristia eram para ele sacramentos em um sentido muito especial.

II. Desenvolvimento da Doutrina

A doutrina dos sacramentos recebeu marcada atenção da parte dos escolásticos, que a formularam e explicaram com bastante precisão nos séculos XII e XIII. Hugo de São Victor escreveu o primeiro tratado formal sobre os sacramentos, ao passo que a Pedro Lombardo foi atribuído o haver definido os sacramentos em número de sete, os mesmos que mais tarde o Concilio de Trento adotou. Para Tomás de Aquino, os sacramentos são os meios indispensáveis de graça, consistem em dois elementos, denominados forma e matéria, e transmitem graça por sua própria virtude (ex opere operato) quando são recebidos nas apropriadas condições religiosas. A matéria são a água, o pão, o vinho, o azeite, etc., que se aplicam nos sacramentos, e a forma são as palavras que se pronunciam ao realizar a cerimônia. Deus é a causa principal desta graça, sendo o sacramento mesmo a causa instrumental, de modo que por meio do sacramento a virtude da paixão de Cristo é comunicada a seus membros. O Batismo e a Penitência são chamados sacramentos dos mortos porque seu propósito principal é comunicar a vida sobrenatural de graça santificante às almas espiritualmente mortas em pecados, e os outros sacramentos são chamados dos vivos porque sua finalidade primária é a de aumentar a vida sobrenatural que há nas almas espiritualmente vivas pela graça santificante.

1. O Concilio de Trento

Finalmente, o Concilio de Trento (1 545-1 563) fixou a doutrina oficial da Igreja Católica Romana sobre os sacramentos, segundo se pode ver nos seguintes cânones:
“Cân. I. Se alguém disser que os Sacramentos da nova lei não foram todos instituídos por Jesus Cristo, nosso Senhor, os quais são mais ou menos sete, a saber: Batismo, Confírmação, Eucaristia, Penitência, Extrema-Unção, Ordem e Matrimônio; ou também que algum destes sete não é Sacramento com toda a verdade e propriedade, seja excomungado.
Cân. IV. Se alguém disser que os Sacramentos da nova lei não contêm em si a graça que significam; ou que não conferem esta mesma graça aos que não põem obstáculo, como se somente fossem sinais extrínsecos da graça ou santidade recebida pela fé, e certos distintivos da profissão de cristãos, pelos quais se diferenciam os homens fiéis dos infiéis, seja excomungado.
Cân. VIII. Se alguém disser pelos mesmos Sacramentos da nova lei não se confere graça ex opere operato, senão que para consegui-la basta somente a fé nas divinas promessas, seja excomungado. ” (1)

Assim se expressa Walker: “Não há dúvida de que o desenvolvimento da doutrina cristã primitiva dos sacramentos foi afetada, se não diretamente pelas religiões de mistério, pelo menos indiretamente pela atmosfera religiosa que elas ajudaram a criar e à qual eram congeniais”, e, mais adiante, continua: “A igreja chegou a ser considerada cada vez mais como possuidora de mistérios vivificantes, sob a superintendência e dispensação do clero.” (2)

2. Doutrina da Intenção

A doutrina romanista ensina também que o valor do sacramento não depende do caráter moral ou espiritual do ministro oficiante. “Por esta razão os sacramentos produzem seus efeitos, ainda que os ministros secundários não sejam dignos de administrá-los.” (3) O Concilio de Trento (Sessão VII, Cân. XII) decretou: “Se alguém disser que o ministro que está em pecado mortal não efetua Sacramentos, ou não o confere, ainda que observe quantas coisas essenciais pertencem para efetuá-lo ou conferi-lo, seja excomungado.”

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(1) D. Ignacio Lópes de Ayala, EI-Sacrosanto y Ecuménico Concilio de Trento,
Parás, 1860, pp. 89 e 90.

(2) Historia de ia iglesia Cristiana, Trad. por Adam F. Sosa, Editorial ((La Aurora’:
Buenos Aires, pp. 11 e 92.

(3)Consultor dei Clero, J. Berthier, p. 190.

Esta doutrina, em extremo perigosa, desconhece por completo a insistência do Novo Testamento para um reto testemunho moral por parte dos ministros do evangelho. As palavras de Paulo a respeito são claras: “Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer nos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel” (1 Cor. 4:1 ,2).

Ao contrário, a mesma doutrina oficial da Igreja acrescenta que, para a eficaz administração do sacramento, o sacerdote deve cumprir só os requisitos: ser devidamente ordenado e ter a intenção de fazer o que faz a Igreja. Mas o Novo Testamento não diz nada com respeito à doutrina da intenção, a qual, além disso, introduz um elemento de insegurança no que recebe o sacramento. Sobre este ponto, a conclusão lógica a que chega o Cardeal Belarmino (1542-1621) é importante, Diz ele: “Ninguém pode ter a certeza de fé de que recebe um verdadeiro sacramento, pois que um sacramento não pode celebrar-se sem a intenção do ministro; e ninguém pode ver a intenção de outro.” (Neque potest certus esse certldudlne fidei, se perclpere verum Sacramentum, cum Sacramentum sino Intentione mlnlstri non conficiatur, et intentlonem, alterius nemo videre posslt.) (1)3. Os Protestantes

Os protestantes admitem que somente dois sacramentos foram instituídos por Jesus Cristo: o batismo e a eucaristia. Martinho Lutero, em sua obra La Cautividad Babilónica, afirma o direito de todo crente a não sujeitar-se às tradições de homens, e desaprova, portanto, o sistema sacramentalista do romanismo. Todas as confissões protestantes demandam a fé ativa como uma condição para a eficácia do sacramento.

4. Graça e Fé

Ë um fato que a graça de Deus é a fonte da salvação e de todas as outras bênçãos do cristão. Mas no Novo Testamento se vê claro também que é por meio da fé, e somente da fé, que alguém pode apropriar-se da divina graça. “Mas sem fé é impossível agradar a Deus…” (Heb. 11:6a); “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé…” (Ef. 2:8a); “Que Cristo habite pela fé em vossos corações…” (Ef. 3:1 7a). E, nesta fé, a palavra de Deus desempenha um papel importante, pois Paulo diz: “Logo a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo” (Rom. 10:17, segundo os melhores textos, isto é, a mensagem acerca do Messias).
O Batismo e a Ceia do Senhor, chamados simplesmente Ordenanças por uns e Sacramentos por outros, não podem produzir nenhuma graça por virtude própria; eles somente representam, de forma bela e impressionante, a redenção efetuada por Cristo, a experiência espiritual do cristão e sua união pela fé com o Salvador, O batismo constitui o rito pelo qual o crente começa a fazer parte de uma igreja cristã, sendo desejável a participação regular do cristão na Ceia do Senhor, a qual é em memória da morte de Cristo.

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(1) Bellarmine, Roberti, De Controverslis Chrlstlana. FIdeI Adv.rsus Hujus Temporls Haeretlcos, tomo IV, Cap. VIII, De Justiflcatlone, Lib. III, 1721, Praga, p. 847.
5. O Concílio Vaticano II

O Concílio Vaticano II no documento Constituição sobre a Liturgia Sagrada, promulgado em 4 de dezembro de 1963, confirmou em todas as partes a doutrina dos Sacramentos segundo havia sido definida pelo Concilio de Trento. As declarações do Papa Paulo VI no sentido de não alterar em nada a possibilidade católica romana sobre os Sacramentos foram terminantes. A este respeito, o historiador Javier Gonzaga, que nos dá uma bem documentada história sobre os Concílios, referindo-se ao Concilio Vaticano II, diz o seguinte: “Quanto ao conteúdo, a encíclica oferece dois motivos de particular interesse: o primeiro, relativo à doutrina eucarística, sobre a qual Paulo VI expressou-se no sentido da mais rígida intransigência tridentina. O Papa reforçou a validez das missas para os defuntos; recomendou com ‘paternal insistência’ a celebração cotidiana das missas privadas por parte dos sacerdotes; repetiu as formas tridentinas sobre a transubstanciação; reafirmou a necessidade da conservação do ‘Santíssimo Sacramento’, isto é, a hóstia consagrada – que deve ser guardada – e proposta à veneração dos fiéis e ocasionalmente levada em procissão.”(1)

III. Refutação

Portanto, a idéia do sacramentalismo dominou a teologia e as práticas religiosas do catolicismo romano praticamente desde a Idade Média até hoje. Mas ela é totalmente estranha à letra e ao espírito do Novo Testamento, os quais propugnam por uma relação com Cristo simplesmente por meio da fé, uma fé sincera, desprovida de cerimônias, nascida do coração e robustecida com o conhecimento cada vez mais arraigado da doutrina bíblica. Os sacramentos tendem a desenvolver uma fé materializada, legalista e até com ressaibos de superstição. E uma fé inferior à fé completamente bíblica e evangélica. Além disso, faz em muito, depender dos sacerdotes a salvação, se assim pudéssemos dizer, e a satisfação religiosa, como se eles tivessem a chave dos sacramentos. A fé, assim, deixa de ser, em boa proporção, uma fé individual. A essência do evangelho puro do Novo Testamento é a relação direta, pessoal e experimental com Cristo.
Poder-se-ia acrescentar umas quantas considerações a respeito do fato de que o serem sete os sacramentos é uma questão completamente inconseqüente, e houve muitas e diversas opiniões sobre isto. Também, ainda empregando o termo “sacramento” como sinônimo de “ordenança”, pode-se dizer que Cristo não estabeleceu sete sacramentos, senão somente dois: o batismo e a Ceia do Senhor. A confirmação não é o sacramento, senão o robustecimento do crente na doutrina e na fé, e isto é uma coisa continua.

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(1) Gonzaga Javier, Conclilos, Internatíonal Publications: Grand Rapids, Michigan, 1966, p. 953.
Não é um ato misterioso de uma só vez. Confirmar é consolidar o que já temos crido. Por meio do arrependimento é que obtemos o perdão de nossos pecados. A penitência no sentido de sofrer um castigo imposto pela Igreja para se poder ser absolvido é ensinamento clerical. Jesus Cristo dá o perdão quando recorremos a ele verdadeiramente arrependidos. O sacerdócio não foi instituído por Jesus Cristo. Existiu desde a antiguidade na religião judaica. Mas esse sacerdócio já deixou de existir. Jesus Cristo é sacerdote de uma ordem superior, a de Melquisedeque, e nós, os que cremos nele, somos sacerdotes da nova Dispensação, mas naturalmente em caráter espiritual. Sacerdote significa “oferecedor de sacrifícios”. Já não havendo mais sacrifícios, porque o sacrifício de Cristo na cruz foi completo, perfeito e de uma vez por todas, tampouco, então, há sacerdotes. O Novo Testamento nos fala de pastores, doutores, mestres e evangelistas, mas não de sacerdotes como ministros do evangelho. Por conseguinte, o matrimônio não é sacramento. Este erro vem de ter Jerônimo traduzido em sua Vulgata a palavra mistério, de Efésios 5:32, por sacramento, e dai seguiu-se a interpretação equivocada. Além disso, Cristo não estabeleceu o matrimônio, senão que este foi instituído por Jeová Deus no Jardim do Éden, como é do conhecimento de todos, e nesta conjuntura há uma contradição flagrante. Diz-se também que o estado de celibato do sacerdote é de maior santidade que o estado de casado. Como se entende isto? Se, ao receber alguém um sacramento, recebe uma graça santificante que não tinha, então o que se casa deve receber essa graça que não tinha de solteiro. Quem nao vê claramente esta contradição de idéias? E quanto à extrema-unção, tampouco Cristo a estabeleceu. É Tiago, o irmão do Senhor, quem, em sua Carta (5:14), fala sobre chamar os anciãos da igreja para que orem Delo enfermo e o unjam com azeite, de maneira que a parte da definição do sacramento, que diz que “é um meio visível de uma graça invisível, instituído por Jesus Cristo”, não tem a comprovação bíblica de que se necessita.
Se a doutrina dos sacramentos é bíblica e se eles são meios indispensáveis de graça e salvação, como pretendem, então por que os apóstolos e os pregadores do evangelho não os proclamaram? Quando o carcereiro de Filipos perguntou a Paulo e a Suas, “que me é necessário fazer para me salvar?” eles não lhe falaram de sacramentos; simplesmente disseram-lhe: “Crê no Senhor Jesus, e serás salvo…” (Atos 16:30, 31). Quando o apóstolo Pedro esteve em casa de Cornélio, um gentio romano, e pregou ali e falou “palavras pelas quais serás salvo, tu e toda a tua casa” (Atos 11:14), ele não disse nada de sacramentos; limitou-se a anunciar o perdão dos pecados por Jesus Cristo, pois lemos o seguinte: “este nos mandou pregar ao povo, e testificar que ele é o que por Deus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos. A ele todos os profetas dão testemunho de que todo o que nele crê receberá a remissão dos pecados pelo seu nome” (Atos 10:42,43).

Conclusão

Que conste, pois, que a doutrina sacramentalista do catolicismo romano perverte a simplicidade e a pureza do evangelho, motivo suficiente para que nós, os cristãos evangélicos, a rejeitemos e a consideremos como um obstáculo imenso à idéia de aproximação entre as duas religiões.

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