Resposta à tréplica de Leandro Quadros

leandro quadros

Lendo a resposta oferecida pelo senhor Leandro Quadros1, percebi sua afetividade à flor da pele. Para usar uma expressão do pastor Guilherme de Carvalho, estamos vivendo em diversas esferas da sociedade uma “revolução afetiva”, o que o filósofo Luiz Felipe Pondé chama de “A Era do Ressentimento”. São esses traços que percebo neste último e-mail. Mas além do ressentimento emocional, o texto possui uma retórica psicanalisada! No diagnóstico psicanalítico de Quadros, minha lida apologética frente aos erros doutrinários adventistas é interpretada como uma “enraivecida e ferida ‘criança interna’ que se encontra ‘pendurada em nossa perna’ implorando amor, carinho e compreensão.” (sic)

Frase no mínimo contraditória para alguém que qualifica seu interlocutor de “orador emocional”. Com todo respeito à sensibilidade epidérmica do senhor Quadros (espero que eu não esteja ferindo-a mais uma vez), mas não vejo em que sua argumentação edipiana possa fortalecer sua argumentação teológica. Se ela é inútil como fator racional argumentativo, só me resta enquadrá-la em algum tipo de argumentação ornamental, tal qual a interpretação semiótica da análise do discurso feita em cima do meu discurso, algo que tratarei adiante.

Leandro Quadros gastou três parágrafos inteiros na introdução de sua tréplica para desqualificar-me como debatedor mediante o apelo emocional, segundo o qual eu estaria atacando pessoas e não ideias. Tenta convencer seu “auditório” de que minha estratégia apologética se resume puramente em utilizar argumentos ad hominem. Provas? Ora, a simples menção do nome “adventista” no começo de minha resposta anterior já é prova suficiente para convencê-lo de que meu alvo são as pessoas e não as ideias.  É claro que isso é uma falha hermenêutica dele, pois não levou em conta o contexto do e-mail anterior. Como não entendeu o que estava escrito, interpretou o que não estava e cometeu o equívoco em pensar que minha apologética não é bíblica. Até certo ponto, essa ideia cartesiana que, diga-se de passagem, condenada pelos autores (Perez; Gazeta), referendados por ele mesmo – de separar ideias de pessoas – é que não é bíblica nem lógica. Assim como não se pode separar o pecado do pecador, não se pode separar as pessoas de suas ideias. Ora, Jesus não disse que “…pelo fruto se conhece a árvore”? (Mt 12.33)

Para ressaltar o horror quanto aos meus alegados “julgamentos” ele cita por diversas vezes Mt 7.1,2 (“Não julgueis para que não sejais julgados”), mas ignora propositadamente Jo 7.24 onde Cristo ensina:  “Não julgueis pela aparência, mas julgai segundo o reto juízo”. Ao fazermos o julgamento das doutrinas adventistas fundamentados nas literaturas oficiais desta igreja estamos em consonância com essa ordem do mestre em responder de modo sério e responsável na batalha pela fé (Jd 3).

Seja como for, é bom esclarecer que, em nenhum momento, eu pensei em atacar a “pessoa” de Leandro Quadros, ou colocar em dúvida sua moral (até acredito que ele seja uma pessoa agradável de conversar e que seja sincero em suas crenças). É certo que em alguns trechos ressaltei a imagem pública do “apresentador” enquanto construção midiática, sim. E o fiz mediante a certeza de que o projeto de limpeza da imagem institucional adventista passa necessariamente por uma reformulação de performance que incorpora um discurso dúbio por meio de novas atitudes e palavras dispensadas aos evangélicos. Portanto, não há de se falar em argumento ad hominem, pois, se assim o fosse, ele mesmo teria de explicar expressões nada generosas contra a pessoa do pastor Natanael Rinaldi.

Mas não é esse o caso, acredito que nosso nobre oponente confundiu firmeza com agressão e resistência com perseguição e acabou se embaralhando nelas. Aliás, a maioria das religiões restauracionistas apresenta a chamada “síndrome de perseguição”. No caso adventista, a sensação de perseguição é intensificada e sustentada pelo imaginário religioso da alegada “perseguição dominical” que, segundo eles, ocorrerá em um futuro próximo.

Quanto ao trabalho abrangente de pesquisa sobre os “equívocos” dos críticos da IASD, mencionado por Quadros, estou ansioso para lê-lo. Não me interessei em saber mais porque ele mesmo disse que não o havia publicado, e a informação deste ultimo e-mail não acrescentou maiores detalhes em relação ao anterior sobre essa dissertação.

Mas pelo visto, Quadros propõe fazer uma apologética “limpa” e “superior”. Diferente da minha é claro! Pensando bem, nem mesmo a apologética praticada por Paulo passaria nos exigentes critérios de tolerância do senhor Leandro Quadros já que as argumentações paulinas continham frases politicamente nada corretas tais como “cães”, “falsos apóstolos”, “obreiros fraudulentos”, “falsos irmãos” e outros “impropérios” apologéticos, bem ao estilo ad hominem.

Outro problema que observo é que Quadros afere todo o adventismo através da sua conduta pessoal e isenta-o de qualquer julgamento que vá em direção oposta, fazendo vistas grossas ao comportamento nada diplomático de seus amigos “apologistas”. A narrativa construída por Quadros não leva em consideração dois séculos de ataques adventistas contra os evangélicos. Dos mileritas aos adventistas atuais, a IASD nada mais fez senão atacar nossas igrejas e crenças. Não, senhor Leandro Quadros, quem está na defensiva não são os senhores, somos nós evangélicos, alvos de seus ataques contra o que vocês entendem serem “as filhas de Babilônia” que adora o deus sol, sem o saber é claro! A mão estendida do adventismo é no sentido de “sair de Babilônia” e “entrar no remanescente” (leia-se IASD), daí o proselitismo agressivo praticado por vocês. Por mais que a sinceridade os leve a acreditar que estão fazendo a vontade de Deus, atitudes proselitistas devem ser veementemente rechaçadas e denunciadas. Portanto, não acredito nessa versão light do adventismo “manso e suave”, vendida pela mídia adventista e engolida por alguns evangélicos menos avisados. Goste ou não, o fato é que eu conheço a história do seu movimento o bastante para saber que, quando vocês nos chamam de irmãos, estão a falar pelos dois lados da boca.

Ora, se os adventistas consideram os evangélicos seus irmãos na fé, por que eles publicariam um livro para evangelizar justamente os evangélicos? Estou falando do  livro “Estudando Juntos” do pastor adventista Mark Finley.

Em outro importante instrumento catequético da IASD, lemos os seguintes conselhos que os pastores adventistas dão aos seus fiéis: “Devemos alcançar em amor os membros de outras denominações. Os pastores adventistas do sétimo dia devem buscar os ministros das outras denominações para partilhar com eles o evangelho” (Lição da Escola Sabatina. Religião nos Relacionamentos  – adultos/professor – julho/setembro de 2004, p.88)

E mais: “todos, não importa a sua fé, precisam ouvir o que temos a dizer” (ibidem, p.89)

“…devemos levar a todos” – diz esse mesmo periódico – “‘cristãos fiéis’ de outras denominações – a mensagem da verdade presente como se encontra em Apocalipse 14” (ibidem, p. 91)

Observe agora como se processa a estratégia adventista: “Nossos pastores devem buscar aproximar-se dos pastores de outras denominações […] Talvez você tenha a oportunidade de falar em outras igrejas. Aproveitando essas ocasiões […] não desperte a malignidade do inimigo com denunciadores discursos. Agindo dessa forma você fechará as portas à verdade.” (ibidem, p. 98 – grifo nosso)

Percebeu como os adventistas acreditam piamente que têm “a verdade”? Eles utilizam textualmente até mesmo a expressão “pacote completo” da verdade (p. 93). Sendo que alegadamente nós evangélicos não possuímos o “pacote completo” da verdade, eles se sentem no dever de se aproximarem sorrateiramente de nós para pregar-nos “toda a verdade” que só os adventistas supostamente teriam.

Mas observe o que diz um eminente historiador da igreja do senhor Leandro Quadros sobre as consequências dessa ardorosa convicção da “verdade”: “Quanto mais seguros os mileritas se tornavam de sua interpretação bíblica, mais agressivos agiam para com os demais” (Knight, George. R. Adventismo. Tatuí, SP: CPB, 2015, p. 131- grifo nosso).

Essa postura passou a mudar a partir de 1888. Até então os adventistas eram agressivos em pregar aos evangélicos suas “doutrinas distintivas”, um eufemismo para o que nós evangélicos chamamos de heresias. Observe o que diz certo escritor adventista:

“Afinal de contas, por que pregar graça salvadora aos batistas? Eles já criam nela […] O importante era pregar as verdades distintivamente adventistas”. Prosseguindo, ele diz que “os evangelistas adventistas tinham o costume de entrar numa comunidade e desafiar publicamente o ministro mais importante para um debate sobre a natureza da morte, do inferno, o verdadeiro sábado” (Knight, George. R. A Mensagem de 1888. Tatuí, SP: CPB, 2015, p. 21)

Mas qual era o resultado deste tipo de abordagem? Nas palavras desse mesmo escritor adventista “Os resultados não eram tão positivos.” Mas por quê? Porque “40 anos de pregação desse tipo provocou uma espécie de separação entre o Adventismo e o cristianismo em geral” (ibidem)

Então, já que a estratégia, mais afastava do que convencia, eles resolveram mudar o tom e começaram a praticar um discurso mais “afetivo” com os “irmãos” evangélicos. Ellen White aconselha essa nova estratégia da seguinte maneira: “Temos uma obra a fazer por ministros de outras igrejas. Deus quer que eles se salvem. Nossos ministros devem buscar aproximar-se dos ministros de outras denominações” (Testemunhos Seletos, Volume II, 2ª edição de 1956, p. 386).

Observe agora como o pastor adventista Mark Finley ensina a colocar esse conselho em prática: “Ao aproximar-se de seus amigos batistas, aborde aqueles pontos que temos em comum. Não entre imediatamente numa discussão acerca do sábado, mas sobre Jesus […] Quando o amor de Jesus dominar seus corações, no momento certo, sob a direção do Espírito Santo, então poderá explicar-lhe as verdades próprias dos Adventistas do Sétimo Dia.” (Finley, Mark. Estudando Juntos. CPB, 2013, p. 124)

Percebeu a mudança de tática? O objetivo é o mesmo só que agora com uma cara menos assustadora.

Leandro prossegue dizendo que, “Se Paulo Silva conhecesse realmente o adventismo […] não teria alegado com essa frase que estou sendo falso, quando afirmo ser meu desejo estar no céu com todos os meus irmãos em Cristo. Foi justamente no adventismo que aprendi que o amor de Deus por todas as pessoas é incondicional, e que o céu é para todos aqueles que sinceramente amam a Jesus e vivem segundo a luz que receberam.”

Não vejo base bíblica nessa frase. Absolutamente, o céu não é para todos que amam a Jesus! O amor bíblico só tem sentido à luz do novo nascimento. Ellen White afirma que até católicos podem ser salvos. Isso não é só absurdo; é contraditório! Se assim o fosse, seria desnecessário Pedro ter ido pregar a Cornélio! Alguém do “Na Mira da Verdade” pode explicar o quanto um católico deve receber de luz para ser salvo e mesmo assim permanecer católico?! Ele deve deixar a mariolatria, a obediência ao papa, os sacramentos, as imagens? Mas se ele fizer isso já não é mais católico! E se não o fizer, não há luz suficiente que o coloque no céu!

Solícito em ajudar-me na minha crassa ignorância, quanto ao verdadeiro conhecimento da IASD, ele indica um livro “oficial” para eu ler: “Também está à disposição para Silva conferir a obra Questões Sobre Doutrina, publicada desde 1957[5]. Na versão em língua portuguesa, disponibilizada em 2009, há a opinião oficial da igreja sobre o assunto”.

Parece-me estranho um livro levar 52 anos para ser publicado aqui no Brasil, ainda mais se tratando de uma obra de peso, não é mesmo? Talvez Quadros pudesse explicar isso aos seus leitores! Por que será que o subtítulo dele é “o clássico mais polêmico da história do adventismo”? Que polêmicas são essas? Será que é porque o livro é um clássico no sentido de “falar pelos dois lados da boca”? Por que Leandro Quadros não conta que os autores do livro não foram honestos nem com Walter Martin e nem com Donald Grey Barnhouse (ambos pesquisadores evangélicos) quanto a revelar a verdadeira identidade doutrinária adventista? O adventismo do “Questões sobre Doutrina” é maquiado. Foi feito para consumo. Não é à toa que gerou acirrados debates e foi alvo de protestos dentro da própria grei adventista.

É essa versão “oficial” que ele quer que eu leia? É desse adventismo que pretende me convencer? Espero que não! Não sou tão ingênuo a ponto de acreditar que aquilo que foi exposto ali é de fato “a crença adventista”.

Mas o melhor, ou pior, dos comentários ele deixou para a penúltima parte intitulada “Um orador emocional”. Aqui Leandro se supera em sua análise psicanalítica. Observe na íntegra a conclusão que ele tirou do meu texto: “Segundo especialistas em análise do discurso, o uso exagerado de certos adjetivos por parte do vice-presidente do CACP demonstra ser ele nada mais que um orador emocional. Além disso, seu uso do latim por diversas vezes prova que ele se utiliza da questionável retórica ornamental, ao invés de usar a retórica persuasiva[8]. Resumindo: o tipo de retórica usada por Paulo Silva só impressiona e convence pessoas com baixo nível cultural sem, obviamente, diminuí-las como seres humanos, por quem Jesus morreu na cruz.”

Essa leitura é no mínimo infantil e pretendo respondê-la resumidamente. O artigo “Uma análise das técnicas argumentativas empregadas em dois textos publicados na revista Defesa da Fé”, de autoria de Joubert Castro Perez e Sônia M. Mastrocola, ambos educadores da Unasp, é a plataforma teórica da qual Quadros extrai seus argumentos contra mim.

Se há uma coisa que eu aprendi durante meus estudos na faculdade foi que a metodologia da matéria deve ser aplicada à própria matéria. As aulas de análise do discurso sempre me fascinaram, contudo, me colocavam em alerta pelo seu alto grau de subjetividade inerente. Mas isso é outra história…

O princípio elementar de qualquer trabalho científico é perseguir um possível distanciamento do objeto de análise para que ocorra objetividade na pesquisa. Mas não é isso que se percebe no trabalho dos dois autores. Observando a leitura que eles fizeram, fica evidente um forte apelo opinativo e tomada de posição. E eles o fazem usando certos padrões quase sutis de indução e fragmentação da realidade.

Leandro tenta me desqualificar mediante o artifício de transferir as críticas ao discurso de Quevedo para a minha fala. É a partir daí que sou taxado de “orador emocional”. E por que seria emocional? Simples: é que eu faço “uso exagerado de certos adjetivos”. Mas por que o senhor Leandro Quadros não citou quais são esses adjetivos? Pergunto ainda: em que sentido eles são exagerados? São qualitativamente ou quantitativamente exagerados? Qual o critério usado por Quadros para saber que são “exagerados” tais  adjetivos (que eu nem mesmo sei quais são)?

Mas não são somente meus adjetivos que incomodam Quadros, até meu uso despretensioso do latim se transformou, imaginem, em “retórica ornamental”. E eu que julgava meu uso do latim tão pobre! Só citei apenas duas míseras e isoladas expressões e elas tiveram o poder de se transformar em objeto de ornamento na visão decorativa de Leandro Quadros. Francamente! Imagine esse mesmo critério sendo aplicado ao livro “Subtilezas do Erro” do prolixo Arnaldo Christianini!

Acontece que entre a verborragia de Quevedo e minhas expressões existe um abismo enorme. Mas o preconceito de Quadros não o permitiu distinguir entre uma e outra. As expressões em latim utilizadas não foram meramente “ornamentais” como acusa Leandro Quadros. Todas estão ligadas racionalmente ao contexto e possuem nítida correlação de sentido.

Mesmo que a acusação de Quadros seja carente de substância, não correspondendo à realidade dos fatos, serviu como elemento despistador para me desqualificar como debatedor sério e ao mesmo tempo esquivar quanto ao verdadeiro ponto da questão em debate: os erros doutrinários adventistas.

Enfim, o fim

Finalizando, Quadros reafirma o desafio proposto para um debate em minha igreja. Mas espero que os leitores não engulam mais essa do senhor Leandro Quadros, pois no e-mail anterior ele disse algo bem diferente: Estarei à vossa disposição inclusive para debates públicos em vossas igrejas ou em qualquer outro lugar que seja viável.” (grifo nosso)

Reafirmo o que eu disse: não faço debates em minha igreja, mesmo porque, não depende de mim tal decisão. Todavia, não é o mesmo quanto a outros lugares. Terei o maior prazer em debater com Quadros em qualquer outro local, hora e data. E não se preocupe, membros de minha igreja estarão presentes. Aliás, ele disse que seria este ano o debate, agora já mudou para 2017, mas tudo bem! É só escolher o tema. Quem sabe no mês de julho? Se preferir pode me passar o telefone de seu amigo pastor para já irmos adiantando algumas coisas.

E já que o problema é debates ou a falta deles, posso arranjar mais alguns com os pastores: Paulo Sérgio, Joaquim Andrade, Elias Soares e outros.

Apesar de o senhor Leandro Quadros finalizar dizendo que “Gostaria de continuar esse debate escrito. Porém, encerro por aqui pelo fato de a resposta de Paulo Silva ao meu e-mail ter tido pouquíssimo de apologética (cristã)”, não só não convenceu como decepcionou. Eu espero como bom debatedor que não fuja do debate escrito. Aliás, seria interessante termos uma prévia neste formato, do assunto escolhido, para o debate público entre o senhor e eu.

E aí vai um pedido ao senhor Leandro Quadros: espero que ele publique essa minha resposta no seu site ou blog, para que todos possam acompanhar, a exemplo do que foi feito no portal do CACP. Essa seria a atitude mais coerente e honesta, já que não temos nada a temer quanto à verdade.

Finalmente, meus sinceros votos e oração são para que Deus o ilumine com a verdade da sua Palavra e lhe mostre um caminho sobremaneira melhor (como outros já encontraram), pois, ao contrário dele, eu sinceramente não creio que alguém possa ir para o céu crendo e sendo fiel às doutrinas distintivas do adventismo tradicional.

1. Disponível em: http://novotempo.com/namiradaverdade/resposta-ao-presbitero-paulo-cristiano-da-silva-do-cacp/

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