A religião é um fator social que não se restringe às questões meramente subjetivas, mas a partir da fé constrói sentidos na vida social, criando toda uma visão de mundo pela qual o adepto navegará em sua vida social.
Há uma parte da música “comida” da banda de rock nacional Titãs que diz “A gente não quer só comida”. Essa insatisfação humana com as coisas meramente materiais, explorada pela música, remete a uma verdade cristã muito antiga “Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4.4).
O homem não é apenas um ser material, ele possui dentro de si um “anseio pela eternidade” (Ecl 3.11 – NVI). A filosofia cristã faz eco a este sentimento por meio de Santo Agostinho quando diz: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti”. Aproximadamente um milênio depois o filósofo e matemático francês Blaise Pascal diria que “Há um vazio no formato de Deus no coração de todo homem”.
Essa insatisfação, essa inquietude e esse vazio são explorados pelas religiões levando o homem a se questionar com as seguintes perguntas existenciais: de onde eu vim; quem sou eu; o que estou fazendo aqui; há um sentido na vida; para onde vou?
Ao tentar responder a essas perguntas a religião fornece sentido e significado para a existência humana oferecendo justificativa para os males e sofrimentos desta vida.
Religião, um conceito complexo
O ativista indiano Mahatma Gandhi dizia que “As religiões são caminhos diferentes convergindo para o mesmo ponto. Que importância faz se seguimos por caminhos diferentes, desde que alcancemos o mesmo objetivo?”.
A frase acima reflete muito bem o conceito popular da função que a religião exerce na vida do homem. Contudo não há consenso, já que para outros ela seria o “ópio do povo” (Karl Marx) ou ainda, segundo Freud, “uma neurose”.
Seja como for, consensual ou não, a religião acompanha o ser humano há milênios. Onde há civilização, há religião. Por exemplo, um dos tipos humanos pré-históricos mais antigos (250 000 e 400 000 anos atrás) descobertos pelos paleontólogos, o “Homem de Pequim”, já demonstrava vestígios de ritos funerários, o que leva a crer numa rudimentar ideia religiosa.
Essa presença constante da religião em praticamente todos os povos levou o reformador, João Calvino, a enxergar um Sensus Divinitatis na natureza humana. O homem seria essencialmente homo religiosus.
O debate sobre o conceito de religião, não é menos disputado quanto a sua função. O que é religião? Será que poderíamos construir um tipo ideal weberiano do homem religioso?
A conceituação é complexa e varia dependendo do prisma filosófico ou científico da abordagem: para Clifford Geertz religião é “um sistema cultural” [1], já Georg Simmel distingue religiosidade de religião, sendo a primeira uma “ disposição de ânimo interior”, e a segunda “uma fase mais avançada, uma objetivação da fé”. Freud faz uma leitura psicologizada da religião ao defini-la como “a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai.”, opinião bem diferente dada pelo psicoterapeuta Viktor Frankl. Para ele:
“ a análise existencial descobriu, dentro da espiritualidade inconsciente do homem, algo como uma religiosidade inconsciente no sentido de um relacionamento inconsciente com Deus, de uma relação com o transcendente que, pelo visto, é imanente no homem, embora muitas vezes permaneça latente” [2]
Talvez o conceito mais popular de religião é religar o homem a Deus. Todavia, mesmo esse conceito sofre dos mesmos problemas anteriores. É lugar-comum entre os estudiosos a relação entre o termo latino religião e religio, o que os linguistas não entram em acordo é quanto à origem da raiz de onde essa palavra procede. Há dois verbos principais: relegere “reler, revisitar, retomar o que estava largado”, e religare “religar, atar, apertar, ligar bem”, como possíveis fontes da palavra religio, religionis.
Quem estuda a religião?
Estudar religião não é monopólio das instituições religiosas. A teologia estuda a religião, a partir da perspectiva revelacional que cada uma alega possuir. Já estudar a religião como um fato social é tarefa da ciência da religião. Ela difere das demais abordagens, pois parte da ideia de que este Sensus Divinitatis de Calvino é na verdade uma construção social, e como tal, é passível de ser analisada pelas ciências sociais.
A religião é constituída de símbolos utilizados pelos homens, mas os homens são diferentes e, consequentemente, seus mundos sagrados também, e, por conta disso, suas religiões são distintas. Os símbolos são variados: altares, santuários, comidas, perfumes, amuletos, colares, livros. E todos eles inspiram alguma forma de sagrado, um sagrado que não se reflete apenas nas coisas, mas também em gestos, expressões e ações, como, por exemplo, o silêncio, os olhares, as renúncias, as canções, as romarias, as procissões, as peregrinações, os milagres, as celebrações, as adorações e, até mesmo, o suicídio.
Possível classificação
Essas diferenças culturais é que dão origem às diversas tradições religiosas que podem ser classificadas de acordo com a metodologia utilizada pelo pesquisador. Uma maneira simples de classifica-las é de acordo com sua crença em um ser supremo, assim temos religiões: monoteístas, politeístas, animistas, mágicas e ateístas. Cada uma das religiões estudadas nesta disciplina enquadra-se numa ou em outra destas categorias.
A partir desta classificação podemos utilizar outras subclassificações de acordo com a crença ou não em um ser supremo.
As religiões de cunho monoteístas tendem a ser revelatórias e criar livros, rituais, sacramentos, sacrifícios, etc…
As animistas geralmente são destituídas destes elementos, focalizando na divinização do mundo. O mundo é animado por uma alma universal que permeia toda a natureza, daí a necessidade de aplacar a ira dos maus espíritos.
As religiões ateías, o que parece ser uma contradição de termos são oriundas do oriente, mormente budismo e jainismo em suas formas originais. Elas procuram levar uma vida ética e meditatória, fazer o bem etc.
As politeístas possuem vários rituais, templos e rezas oblações para os muitos deuses que estabelecem o culto.
Conclusão
As religiões fazem parte da vida do ser humano. Em muitas culturas elas servem como um óculo, pelo qual os homens conseguem enxergar-se como um ente conectado ao mundo. Cada religião possui suas especificidades adquiridas em momentos históricos diferentes, o que dá a cada uma, doutrinas e ideologias diferentes.
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[1] GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. pp.101-142.
[2] Frankl, Viktor. A presença ignorada de Deus. São Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 1992, p. 47.