Questões de vida e morte

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Carlos Velasquez, de 31 anos, ficou ao lado do leito de hospital do pai, sondando os olhos dele, entreabertos e vazios, à procura de sinais de consciência. Tubos projetavam-se do nariz e da boca do homem mais velho. O aparelho ao lado da cama respirava ritmicamente por ele, pois o acidente de carro o deixara em coma e incapaz de respirar por si mesmo. Carlos visitara o pai todos os dias nas últimas cinco semanas. A condição do homem não se alterara. Se não fosse a máquina bombeando oxigênio em seus pulmões e o soro com nutrientes injetados em sua corrente sangüínea, o Sr. Velasquez já estaria morto.

Maior do que o sofrimento íntimo de ver seu pai, antes tão viril, incapacitado, era o tormento de Carlos sobre o que fazer com ele. O Velasquez mais velho só tinha 51 anos. Em condições normais o homem teria mais vinte a trinta anos de vida para gozar com seus filhos e netos. Uma parte de Carlos queria fazer todo o possível para manter o pai vivo até que “acordasse” e voltasse a viver como antes. Mas aquela não era uma circunstância normal. O Sr. Velasquez sofrera uma grave lesão no cérebro e os médicos ofereciam poucas esperanças de que recuperasse a consciência e muito menos de que pudesse reassumir a vida anterior. Outra parte de Carlos queria dizer aquelas palavras finais, “Desliguem o respirador”, e permitir que o amado pai descansasse em paz. A família estava dividida quanto à questão, deixando para Carlos a responsabilidade de resolver o assunto. Ele ansiava por saber qual era a escolha amorosa, a vida ou a morte.

A coisa mais difícil que desafia os cristãos comprometidos com a ética do amor hoje talvez seja como amar nas questões que envolvem vida e morte. Pode ser correto e demonstrar amor tirar deliberadamente uma vida humana? O amor chega a exigir o sacrifício de seres humanos? O que dizer sobre aborto, eutanásia, suicídio, suicídio assistido, pena de morte e guerras? Esses são assuntos que provocam reflexão. Se o amor não oferecer soluções para questões de vida e morte como estas, ele é então uma ética impraticável.

NÃO  MATARÁS

Tirar deliberadamente uma vida inocente jamais é um ato de amor como tal. “Não matarás” está tanto no Antigo quanto no Novo Testamento (Êxo. 20:13; Rom. 13:9). O apóstolo João escreveu a respeito dos assassinos, “a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte”(Apoc. 21:8). Pedro lembrou aos crentes: “Não sofra, porém, nenhum de vós como assassino” (1 Ped. 4:15). Sob a lei, os que tiravam propositadamente a vida de outrem deviam ser executados (Êxo. 21:23). Depois que Caim matou Abel (Gên. 4:8), o homicídio tornou-se comum nas gerações posteriores até “a terra estava corrompida à vista de Deus, e cheia de violência” (Gên. 6:11). Deus julgou o mundo mediante o dilúvio.

Quando Noé e sua família saíram da arca, Deus lhes deu a incumbência de reforçar que o assassinato é errado por meio destas palavras: “Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem” (Gên. 9:6). O mal essencial do homicídio é revelado nesta passagem: assassinar é matar Deus em efígie. Desde que a humanidade foi criada à imagem de Deus, tirar a vida humana é atacar a Deus. Esta é a razão de o assassinato ser considerado merecedor da pena capital.

Ainda mais grave: o assassinato não fica confinado ao ato manifesto, ele pode ser cometido no coração. Jesus disse: “Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que [sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” (Mat. 5:21-22). O homicídio brota da raiz do ódio. Jesus disse: “Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios […] Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem” (Mar. 7:21-23). João declarou claramente: “Todo aquele que odeia a seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna permanente em si” (1 João 3:15). O assassinato, em sua raiz, é diametralmente oposto à ética cristã do amor. Assassinar é odiar, e o ódio é incompatível com o amor, assim como as trevas com a luz.

O amor nunca chama ninguém para tirar a vida de outrem. O ódio demonstra tanto desamor quanto o assassinato. O assassinato não é, de forma alguma, semelhante a Deus, pois Deus é amor. O amor exige que nos preocupemos com os outros, até mesmo com os que nos tentam a odiar. Jesus ordenou: “Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mat. 5:44). Paulo deu instruções parecidas: “Não tomeis a ninguém mal por mal […] não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar á ira […] Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber […] Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rom. 12:17-21). Ira e ódio, que levam ao assassinato no coração e talvez também ao ato, devem ser substituídos pelo amor e pelas boas obras.

Todavia, há raras ocasiões em que a proibição contra tirar intencionalmente a vida de outra pessoa inocente é suspensa em favor de uma lei mais alta, um bem maior. Para essas ocasiões, Deus nos deu princípios de valor baseados na Sua lei e na vida exemplar de Cristo, que nos guiam à atitude amorosa que devemos tomar.

SUICÍDIO  E  SACRIFÍCIO  DE  VIDAS

Tirar uma vida é errado, mesmo que seja a nossa. O suicídio é um ato de ódio contra o “eu”, assim como o homicídio é um ato de ódio contra outrem. O suicídio é tão errado quanto o homicídio porque viola o mandamento de amar a si mesmo, assim como o assassinato viola o mandamento de amar aos outros. O amor se opõe a ambos. O suicídio é um ato egoísta para terminar nossos problemas sem preocupação em ajudar os outros que também têm problemas. Tomar o “caminho fácil” para livrar-se do sofrimento da vida não é a resposta mais amorosa e responsável. O amor nunca perde todo o propósito na vida. A pessoa que se concentra em proteger e ajudar os outros não tem razão para odiar a sua vida. Amar é o antídoto à tentação de autodestruir-se.

Tirar uma vida não demonstra amor, mas salvar uma vida, sim. O suicídio por razões egoístas é sempre errado, mas dar a própria vida para salvar outrem não só é aceitável como também louvável. Jesus declarou: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos”(João 15:13). Cristo exemplificou o princípio de sacrificar a própria vida pelos outros. Ele disse: “Eu dou a minha vida […] Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou” (João 10:17-18). Portanto, um princípio bíblico de valor que governa nossa vida pessoal é: O suicídio é errado, mas sacrificar a vida é justificável e nobre na tentativa amorosa de salvar a vida de outrem.

No ato de tirar uma criança da frente de um carro em velocidade, um homem é atropelado e morto. Uma mãe salva seu filho de três anos que se afogava num lago, mas morre no processo. Durante um tiroteio na rua, um jovem protege a namorada com seu próprio corpo e morre em razão dos ferimentos. Dois marinheiros, para impedir o naufrágio do navio, fecham-se num compartimento que estava sendo inundado e oferecem, dessa forma, a própria vida para salvar a dos companheiros. Um piloto de bombardeiro numa missão de treinamento morre ao atirar seu avião danificado num campo vazio em lugar de usar o dispositivo ejetor e deixar que o avião caia numa zona residencial. Poucos de nós terão a oportunidade de dar a vida por outrem como fizeram essas pessoas. Mas, aos olhos de Deus, um autosacrifício que salva vidas é a suprema expressão do amor de Cristo, a própria antítese do suicídio egoísta.

Nem todo aparente sacrifício de nossa vida “a favor de outros” é, porém, um verdadeiro ato de amor. Paulo tornou isto claro no grande capítulo do amor: “E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres, e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1 Cor. 13:3). Nem todo mártir morre necessariamente em conseqüência de uma manifestação de amor a outros. Alguns podem estar sacrificando vida pelo seu compromisso obstinado com uma causa egocêntrica. Há vários exemplos de suicídio egoísta na Bíblia. O rei Saul, mortalmente ferido, caiu sobre a sua espada para poupar-se da vergonha de morrer às mãos dos inimigos (1 Sam. 31:4), dificilmente um motivo de amor. O “suicídio assistido” de Abimeleque foi também egoísta e orgulhoso (Juí.  9:54).

Sansão, no entanto, sacrificou a vida por razões nobres. Pouco antes de fazer o templo cair sobre a sua pessoa e os filisteus, ele orou: “Senhor Deus, peço-te que te lembres de mim, e dá-me força só esta vez, ó Deus, para que me vingue dos filisteus” (Juí. 16.28). Deus atendeu ao seu pedido. Ao matar mais na morte do que matara em vida, Sansão salvou assim o seu povo da opressão dos filisteus. O sacrifício da vida só é justificado quando a intenção amorosa é salvar outras vidas.

O mesmo princípio aplica-se quando a intenção é resgatar as pessoas da morte espiritual. Cristo foi para a cruz, a fim de “dar a sua vida em resgate por muitos” (Mar. 10:45). Paulo afirmou estar disposto a dar até a sua própria vida se isso resultasse na salvação dos judeus (Rom. 9:3). Neste mesmo espírito de sacrifício pelos outros, alguns missionários correm o risco de morrer em razão de doenças quando 1evam o evangelho a regiões remotas e primitivas do mundo. Os cristãos que trabalham no centro das grandes cidades, em zonas violentas e infestadas de gangues, estão prontos a deixar esta vida para compartilhar Cristo. Os que ministram aos pobres, viciados em entorpecentes, pacientes de AIDS e outros grupos de risco, são candidatos ao sacrifício de vida.

Sempre que arriscamos nossa vida por causa do ministério, estamos imitando Paulo, que disse: “Porém, em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus” (At 20:24). João exortou-nos a seguir o exemplo de Cristo: “Cristo deu a sua vida por nós; e devemos dar nossa vida pelos irmãos” (1 João 3:16).

Por mais raro que seja o amor que exige abnegação, ele está no centro da ética cristã do amor. Não é errado morrer pelos outros; este é o ato supremo de amor que podemos realizar por outro ser humano. O suicídio é o supremo ato egoísta – tirar a própria vida. Mas o sacrifício da vida é o supremo ato de generosidade – dar a vida pelos outros.

EUTANÁSIA  E  MORTE  MISERICORDIOSA

O pai de Carlos Velasquez, com o cérebro lesado já está morto, para todos os propósitos práticos. A atitude amorosa é preservar a vida do homem ou deixá-lo ir? Uma vítima de acidente fica presa numa massa ardente de metal amassado, enquanto um policial assiste a tudo sem saber qual a ação a tomar. Gritando de dor, a vítima suplica ao guarda que atire nela e termine o seu tormento. O amor não exige que ele acabe com a agonia dessa pessoa? Uma mulher idosa, que já sofreu lapsos de memória e de orientação, fica sabendo que sofre da doença de Alzheimer. Anos antes, ela e o marido haviam concordado que a morte com dignidade valia mais para eles da que uma vida sem qualidade. Ela pede ao marido que a leve a um médico conhecido que pratica o suicídio assistido. Ele não está agindo com amor ao salvá-la da humilhação e despesas de uma vida prolongada e sem sentido?

Se não é um ato de amor tirar a própria vida pelo suicídio, certamente também não é ajudar outrem a cometer suicídio. O amor exige que os doentes terminais sejam tratados com toda a piedade possível, mas não que tiremos a vida da pessoa mesmo que ela nos peça. O amor tem um remédio melhor do que tirar a vida para expressar misericórdia aos agonizantes. Provérbios 31:6 ensina: “Dai bebida forte aos que perecem, e vinho aos amargurados de espírito”. Em outras palavras, medicamentos para abrandar a dor, sedativos e tranqüilizantes são a resposta misericordiosa e amorosa aos que estão morrendo e sofrendo, e não o suicídio assistido. Levar consolo aos que estão morrendo não só expressa misericórdia, como também reconhece a soberania de Deus que disse: “Eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão” (Deut. 32:39). O Deus de amor é soberano sobre a vida humana. Jó disse a respeito dEle: “O Senhor o deu, e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1:21).

A eutanásia e o suicídio assistido, como são chamados, nunca são manifestações de amor. Mas o que dizer da morte misericordiosa – permitir que o doente terminal expire em paz sem nenhuma intervenção heróica e não natural? A Bíblia não obriga o cristão a perpetuar a vida o mais possível. Permitir que alguém morra misericordiosa e naturalmente pode ser uma alternativa amorosa, enquanto bombear milhares de dólares e energia nos casos terminais pode ser uma forma de agir bem pouco amorosa. Nosso ponto de vista deve ser o de preservar a vida, e não prolongar a morte. Injetar medicamentos para causar ou apressar a morte é uma coisa – e algo também moralmente errado. Mas não prover remédios ou aparelhos que prolonguem artificialmente a morte é outra bem diferente e algo moralmente certo. Em resumo, eutanásia – não! Morte misericordiosa – sim.

Mas, quando desligar os aparelhos e quem decide? Como saber quando um caso é terminal? Os milagres não são sempre possíveis, caso não sejam resultado da ciência médica, pelo menos da mão de Deus? Estas são perguntas muito práticas e importantes e o amor deve pesar as alternativas com cuidado e responsabilidade.

Quando estamos justificados a permitir que alguém morra suspendendo os meios de ele sobreviver? O conceito de terminalidade tem dois aspectos para o cristão. Primeiro, implica que não há esperança de recuperação na medicina, conforme determinado pelas melhores autoridades médicas disponíveis. Segundo, significa que não há esperança espiritual de cura. Deus foi consultado fervorosamente em oração, segundo Tiago 5:13-16 e a recuperação milagrosa foi solicitada repetidamente (2 Cor. 12:7-9). Mas, quando tanto os diagnósticos médicos como as perspectivas espirituais não indicam esperança, e quando uma margem de erro foi devidamente concedida, o amor permite que os meios de apoio para a vida sejam removidos e uma morte natural, sem dor, misericordiosa, ocorra.

Quem deve decidir? Deve ser uma decisão conjunta. Os desejos expressos do moribundo, o conhecimento dos médicos e o conselho do pastor devem ser solicitados e considerados para a decisão final da família. Existe maior probabilidade de que o amor seja expresso sabiamente numa decisão coletiva e menor possibilidade de que alguém tenha de suportar sozinho a culpa que pode surgir. (Não existe culpa moral porque a morte misericordiosa nessas circunstâncias é a ação correta.)

O princípio de valor que se aplica aqui é: Tirar a vida de outrem em nome da piedade não é uma manifestação de amor mas permitir que uma pessoa com uma doença terminal morra naturalmente demonstra piedade e amor.

SACRIFÍCIO  DA  VIDA  E  SACRIFÍCIO  MISERICORDIOSO

Sete pessoas estão à deriva num barco salva-vidas em águas infestadas de tubarões. O barco está afundando por causa do peso e, se o socorro não vier a tempo, as sete irão afogar-se ou virar comida de tubarão. É certo sacrificar algumas vidas para salvar as demais? Ou deve-se deixar que todos morram? Qual é a atitude de amor?

É claro que todos os esforços devem ser feitos para salvar a todos. Talvez os que estejam em condições devam ficar um pouco na água, agarrados ao barco. Mas, suponhamos que mesmo assim eles não suportem toda a carga? Então, se houver cristãos a bordo, esta é uma excelente oportunidade para o amor abnegado que Cristo demonstrou por nós: “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (João 15:13). Se não houver voluntários, então os princípios da providência podem ser usados. Provérbios diz: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda decisão” (16.33).

Foi assim que os marinheiros da antigüidade decidiram lançar Jonas ao mar (Jonas 1:7). A Bíblia declara que a sorte deve ser usada em assuntos importantes (Prov. 18:18). Ou, em iguais circunstâncias, pode ser determinado quem, na providência de Deus, foram os últimos a entrar no barco. É claro que alguém como o capitão, cujos conhecimentos marítimos podem ser necessários para salvar os outros, não deve ser sacrificado. Mas, quando não há alternativa, a opção amorosa não é permitir que todos morram por causa de alguns que sobrecarregam o barco.

Considere outro exemplo de sacrifício misericordioso que pode estar mais próximo. Um homem enlouquecido, com uma arma automática, entra num shopping movimentado e abre fogo ao acaso. Em nome da piedade pelos muitos inocentes, o amor pode exigir o sacrifício do culpado. Uma vez esgotados todos os métodos preventivos ou persuasivos, atirar para ferir ou matar o louco antes que ele machuque mais pessoas pode ser a atitude mais amorosa a tomar.

Ocorrências como essas, em que o sacrifício misericordioso deva ser considerado, são extremamente raras, mas elas ilustram que às vezes o amor pelos outros pode ser tudo menos brando.

O  AMOR  E  A  PENA  DE  MORTE

A pena de morte, a execução deliberada de um indivíduo, um assassino, foi originalmente instituída por causa da falta de consideração pelo homem feito à imagem de Deus (Gên. 9:6). Ela foi reforçada na lei mosaica (Êxo. 21:23-25), reconhecida por Jesus (João 19:11) e repetida por Paulo quando lembrou aos cristãos que a autoridade “não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rom. 13:4). Exigir a pena de morte é algo muito sério, portanto a identificação do assassino deve ser indiscutível e sua responsabilidade pelo assassinato não pode conter sombra de dúvida.

A pena de morte, quando ministrada com justiça, é um tipo de sacrifício misericordioso do culpado a favor do inocente, contrariando o sentimento popular, a pena capital não é uma expressão de desrespeito bárbaro pela vida do assassino. Este, e não o tribunal que o condenou justamente, é quem desrespeitou barbaramente o valor da vida humano. O amor exige que perguntemos a quem deve ser demonstrada misericórdia, ao inocente ou ao culpado. Se deixarmos de insistir na justiça pelo sacrifício do culpado a favor do inocente, mostramos desconsideração pelo amor bíblico e desrespeito pelo valor de uma vida inocente.

A mesma justiça de Deus que exigiu o sacrifício substitutivo de Cristo, vida por vida, está no âmago da moral da pena máxima. Não havia outro meio de satisfazer a justiça de Deus, além de cristo dar a Sua vida pela nossa (Mar. 10:45; 1 Ped. 2:24). Não há também outro meio de satisfazer a justiça de Deus e assegurar uma ordem social justa e respeitável senão insistir que a vida de um assassino seja sacrificada. A desconsideração absoluta e odiosa pelo valor da vida de cada um não pode ser tolerada pelo amor; o amor deve condená-la. É amoroso valorizar e proteger a vida humana, e a pena capital foi instituída justamente para isso. Quando o indivíduo compreende que perderá a vida se tirar a de outrem, isso impedirá que muitos se tornem assassinos. Uma coisa é certa: Ninguém que recebe a pena de morte repetirá o crime!

O  AMOR  E  O  ABORTO

A Bíblia diz muito sobre o valor da vida humana. O princípio do amor é claro: Não matarás. A questão central è então esta: O aborto é assassinato? Primeiro, é preciso definir o assassinato. Assassinato é a morte deliberada de um ser humano inocente. Portanto, a questão do aborto só pode ser respondida quando a condição da criança por nascer é estabelecida. As possibilidades são três. Se o feto for absolutamente humano, o aborto é assassinato, sendo errado em todas as circunstâncias exceto como um sacrifício para salvar a vida da mãe. Segundo, se o embrião é pré-humano ou subumano – não uma pessoa, mas uma coisa, então pode ser tratado como um apêndice. Não há homicídio envolvido ao extirpá-lo. Terceiro, se o feto for potencialmente humano, mas não completamente humano, então deve ser tratado com mais respeito do que uma simples coisa.

Podemos eliminar com segurança a alternativa subumana em bases bíblicas. Os por nascer são obra criativa de Deus, moldados para a vida humana (Sal. 139:13-18). Os por nascer são capazes de ser chamados por Deus como aconteceu com Jeremias (Jer. 1:5) e cheios do Espírito Santo como foi João Batista (Luc. 1:15,41). Davi falou de si mesmo, dizendo: “em pecado me concebeu minha mãe” (Sal. 51:5). As coisas não pecam, só as pessoas. Os por nascer não são entidades subumanas.

Por outro lado, alguns argumentam que os por nascer não são completamente humanos. Mas não existe base científica ou bíblica para tal conclusão. Primeiro, é um fato científico que um óvulo humano fertilizado é cem por cento humano, com todas as características genéticas presentes, inclusive o sexo. Segundo, a Bíblia confere o mesmo castigo pela morte de uma criança ainda por nascer que o castigo pela morte da mãe (Êxo. 21:22.25). Terceiro, o feto é chamado pelo mesmo nome – criança – que o recém-nascido (Luc. 1:41). Quarto, os mesmos pronomes pessoais – ele, mim e ela – são usados para o feto na Escritura e para os outros seres humanos (Jer. 1; Sal. 139). Em último lugar, o Salmo 139 declara que os por nascer são criados por Deus. Não há dúvida de que eles são pessoas desde o momento da concepção. Não se trata de pessoas potenciais, mas pessoas reais com grande potencial.

A lógica é incontestável: É moralmente errado tirar deliberadamente a vida de um ser humano inocente; os por nascer são seres humanos inocentes; o aborto tira a vida de seres humanos inocentes; portanto, o aborto é moralmente errado.

DEFENDENDO  A  LIBERDADE  COM  FORÇA  LETAL

Outra questão espinhosa desafia os cristãos comprometidos com a ética bíblica do amor. O amor permite a participação em guerras e na matança de pessoal militar e civis inocentes? A proibição de Deus de cometer assassinato é algumas vezes suspensa para o bem maior do amor pelo pais e pela liberdade?

O ensinamento de Deus sobre a nossa relação com o governo é claro. Paulo escreveu: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade, resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Rom. 13:1-2). Pedro repetiu: “Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor; quer seja ao rei, como ao soberano; quer às autoridades como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores, como para louvor dos que praticam o bem” (1 Ped. 2:13-14).

Esses versos implicam que devemos obedecer a qualquer ordem do governo, mesmo a de ir para a guerra e matar? Não podemos concordar incondicionalmente porque, como discutido antes, a Bíblia indica que há ocasiões em que o amor exige desobediência ao governo. Alguns dos exemplos estão diretamente relacionados com a ordem do governo para tirar vidas. As parteiras hebréias recusaram-se a obedecer à ordem do rei para matar os recém-nascidos (Êxo. 1). Obadias desobedeceu à ordem da rainha Jezabel para matar os profetas (1 Reis 18).

Estes casos de desobediência provam que a atitude de defender o “meu país, seja certo ou errado” é definitivamente contrária aos princípios do amor. Não somos obrigados a sempre obedecer às ordens do governo para matar. A guerra não é certa simplesmente porque o governo decretou isso. Devemos sempre obedecer às autoridades quando elas tomam o seu lugar sob o controle de Deus e nunca quando tomam o lugar de Deus.

O amor cristão exige seletividade na questão da guerra. A guerra não é certa simplesmente porque o nosso governo ordena. Por outro lado, ela não é errada simplesmente porque nossa consciência a proíbe. A consciência pode estar condicionada de modo errado pela cultura, emoções e oportunidade (Rom. 2:14,15; 1 Tim. 4:2). Para corrigir isso, a consciência deve ser informada pelas realidades da vida e pela responsabilidade do amor.

A seletividade na guerra exige que compreendamos o que constitui uma guerra justa. Nem todas as guerras são justas, portanto devemos determinar quais são e quais não são, a fim de cumprir nossa responsabilidade de amar. Os princípios de valor discutidos nos capítulos anteriores são vitais para o processo de determinar se uma guerra é justa ou injusta. Por exemplo, devemos perguntar:

Quando as implicações dos princípios de valores bíblicos são aplicadas a situações contemporâneas, surgem os princípios de valores para uma guerra justa.

Uma guerra justa é declarada e travada apenas pela autoridade adequada. Desde que Deus instituiu o governo, só este, e não os indivíduos ou grupos autonomeados, tem o direito de iniciar uma guerra contra outros governos. Como indivíduos, temos o direito de proteger-nos contra outros indivíduos (Êxo. 22:2). Mas não temos o direito de lutar contra nosso próprio governo. Deus deu a espada ao governo para este usá-la sobre os governados (Rom. 13:4) e não vice-versa. Devemos submeter-nos às autoridades e trabalhar para a reforma necessária por meio dos canais apropriados. Os filhos de Israel fugiram da opressão do Faraó, mas não lutaram contra ele (Êxo. 12).

Uma guerra justa é travada para proteção dos inocentes e libertação dos oprimidos. Abraão lutou contra os reis do vale para resgatar seu sobrinho Ló, que fora injustamente capturado (Gên. 14). Paulo apelou para Roma e aceitou a proteção militar contra homens perversos que queriam tirar-lhe a vida (At 22:23). As guerras de agressão não brotam do amor.

Uma guerra justa só é travada quando todos os meios pacíficos de alcançar justiça se esgotam. O caminho do amor é buscar a paz por todos os meios razoáveis. Jesus disse: “Bem-aventurados os pacificadores” (Mat. 5:9). Os israelitas receberam esta ordem: “Quando te aproximares de alguma cidade para pelejar contra ela, oferecer-lhe-ás a paz […] Porém, se ela não fizer paz contigo, mas te fizer guerra, então a sitiarás” (Deut. 20:10,12). Os cristãos foram instruídos: “Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens” (Rom. 12:18).”Segui a paz com todos” (Heb. 12.14).

Uma guerra justa é travada com a expectativa realista de vitória. Quando não há esperança de ganhar a guerra, ela não passa de um protesto que sacrifica mais vidas inocentes ao culpado do que se não tivesse havido guerra. O alvo da guerra justa é proteger os inocentes, e não sacrificá-los desnecessariamente. Envolver-se numa guerra que não pode ser ganha é suicídio em massa, e o sacrifício desnecessário de vidas humanas não é a atitude de amor a ser tomada.

Uma guerra justa é travada por causas justas. O povo de Deus no Antigo Testamento recebeu esta ordem: “Quando sitiares uma cidade por muito tempo, pelejando contra ela para a tomar, não destruirás o seu arvoredo, metendo nele o machado, porque dele comerás: pelo que não o cortarás […] Mas as árvores cujos frutos souberes não se comem destruí-las-ás, cortando-as; e contra a cidade que guerrear contra ti edificarás baluartes, até que seja derribada” (Deut. 20:19-20). O principio aqui é evitar destruição desnecessária, especialmente de coisas essenciais para a continuação da vida depois da guerra. O mesmo princípio aplica-se às vidas humanas durante a guerra. O pessoal civil não deve servir de alvo militar.

O amor nunca pede que vidas sejam extintas, mas algumas vezes exige sacrifício de vidas, morte misericordiosa, sacrifício misericordioso, pena de morte e guerra justa. Só há uma base sobre a qual o amor pode justificar o sacrifício de uma vida humana: a salvação de outras vidas humanas. O amor tem o maior respeito pela vida humana em toda a sua plenitude. O amor sempre insiste na preservação do que é humano, mesmo quando medidas duras tenham de ser tomadas para isso.

PERGUNTAS  DIFÍCEIS  E  RESPOSTAS  DIRETAS  SOBRE  QUESTÕES  DE  VIDA  E  MORTE

O controle da natalidade é errado, já que proíbe a vida humana?

Alguns cristãos acreditam que limitar deliberadamente, mediante anticoncepcionais, o número de filhos que uma mulher pode conceber, é uma espécie de assassinato à distância. Eles citam a soberania de Deus sobre a vida (Gên. 20:18; Deut. 32:30) e afirmam que o controle da natalidade é uma forma de substituir Deus no controle da vida. Todavia, há uma grande diferença entre impedir a vida antes que ela comece e tirar a vida após a concepção; assim como há uma diferença entre a decisão de um fazendeiro não cultivar certo campo e a decisão de esse mesmo fazendeiro envenenar, com um herbicida letal, colheitas que acabaram de brotar (exceto, naturalmente, pelo fato de que matar uma criança é assassinato e destruir uma colheita não é).

A seleção voluntária quanto ao número de filhos não é mais pecaminosa do que decidir limitar o número de sementes cultivadas no jardim. Na realidade, a semeadura indiscriminada (entre plantas ou pessoas) pode ser mais danosa do que o cultivo seletivo. O excesso de população, resultando em pobreza e doenças para muitos, é menos desejável do que impedir propositadamente a concepção de alguns.

Se limitar a quantidade de pessoas nascidas, mediante anticoncepcionais, pode melhorar a qualidade de vida daqueles que estão vivos, não é moralmente errado fazer isso. O método de controle da natalidade, porém, não deve ser nenhum que tire a vida de um óvulo fertilizado – isso seria aborto – mas algo que simplesmente impeça a concepção.

Por que Deus ordenou a Israel que destruísse nações inteiras, matando homens, mulheres e crianças? A guerra da conquista de Canaã pelos israelitas não foi uma guerra de agressão?

Os cananeus estavam longe de ser inocentes. Os pecados deles são vividamente descritos em Levítico 18. Deus disse: “E a terra se contaminou; e eu visitei nela a sua iniqüidade, e ela vomitou os seus moradores” (Lev. 18:25). Aquelas pessoas eram terrivelmente imorais, chegando até a sacrificar crianças (v. 21). Deus havia mostrado infinita paciência com elas, declarando a Abraão que não permitiria que Israel conquistasse a terra até que o pecado dos seus habitantes “enchesse a medida da iniqüidade” (Gên. 15:16) – dando-lhes quatrocentos anos para se arrependerem! Quando Israel destruiu os cananeus, a perversidade deles merecia completa destruição.

O ataque de Israel contra os cananeus, dirigido por Deus, era uma guerra de retribuição e não de agressão. Os habitantes da Terra Prometida haviam desafiado e desobedecido ao seu longânimo Criador até o ponto de não poderem mais ser corrigidos. Em resposta à sua incessante rebelião, Deus agiu finalmente em juízo, removendo a maldade da terra e provendo um lar para o Seu povo.

Quanto à destruição de crianças inocentes em Canaã, vários pontos devem ser notados. Primeiro, desde que a geração adulta estava completamente contaminada pelo pecado, os filhos, se deixados em seus próprios cuidados, não teriam possibilidade de evitar o mesmo destino. Segundo, ao destruir toda a população e não só os adultos, Deus poupou os filhos de uma vida sem os cuidados e a proteção dos pais. Terceiro, as crianças que morrem antes da idade da razão vão para o céu. Foi um ato de misericórdia por parte de Deus levá-las à Sua santa presença, tirando-as de um ambiente tão perverso. Quarto, Deus é soberano sobre a vida e pode ordenar o seu fim segundo a Sua vontade e para o bem supremo do indivíduo, que só é do conhecimento dEle.

Extraído do Livro “AMAR  É  SEMPRE  CERTO”, Josh McDowell e Norman L. Geisler

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