Quem São os Eleitos?

Uma Análise das Palestras da Conferência João 3.16

A doutrina da eleição tem sido central para debates teológicos, particularmente no contexto da salvação. A eleição, ou escolha divina, trata de quem será salvo. A questão principal é se Deus escolhe as pessoas para a salvação de maneira incondicional, sem que estas tenham qualquer papel em sua própria salvação, ou se a eleição está, de alguma forma, relacionada à resposta de fé do indivíduo ao evangelho.

Historicamente, duas grandes abordagens têm dominado essa discussão. A visão calvinista da eleição incondicional sugere que Deus escolhe, desde a eternidade, aqueles que serão salvos, sem levar em consideração qualquer coisa que eles possam fazer ou decidir. Aqueles que não são eleitos estão, assim, predestinados à condenação. Essa doutrina está frequentemente associada a uma compreensão mais rígida da soberania de Deus, onde Ele controla de forma absoluta e detalhada cada aspecto da história e da vida humana, inclusive os pensamentos e atos pecaminosos.

Por outro lado, os arminianos, a maioria dos batistas e a totalidade da Assembleia de Deus têm historicamente rejeitado a eleição incondicional. Eles argumentam que tal visão compromete a responsabilidade humana e o caráter amoroso de Deus. A eleição, segundo essa perspectiva, está ligada à presciência de Deus, ou seja, Deus elege aqueles que Ele sabe que irão responder ao Seu chamado pela fé. Deus deseja que todos sejam salvos e oferece a salvação a todos, mas somente aqueles que livremente escolhem crer são os “eleitos”. O sacrifício de Jesus na cruz é suficiente para salvar dez milhões de humanidades semelhantes à nossa, contudo, Deus decidiu, em Sua soberania, que a aplicação dos benefícios da morte de Cristo na cruz só seria aplicada aos que creem.

A Eleição na Bíblia

A doutrina da eleição aparece em várias passagens da Bíblia. No Antigo Testamento, Deus escolhe Israel como Seu povo especial (Deuteronômio 7:6-8), não por causa de algo inerente ao povo, mas por causa de Seu amor e promessa. A eleição aqui é corporativa, referindo-se à nação de Israel, em vez de a indivíduos específicos. Embora o relacionamento com Deus fosse acessível a todos os israelitas, a participação plena dependia da obediência.

No Novo Testamento, a eleição toma um foco mais cristocêntrico. Jesus é o Eleito de Deus (Lucas 9:35), e todos aqueles que estão “em Cristo” são considerados eleitos (Efésios 1:4). Esta eleição não é baseada em qualquer mérito humano, mas na graça de Deus, sendo acessível a todos os que creem em Cristo. Passagens como João 3:16 e 1 João 2:2 deixam claro que Deus ama o mundo inteiro e deseja que todos sejam salvos, mas apenas aqueles que creem são os eleitos.

Romanos 9-11 é uma passagem-chave que gera debates sobre eleição. Os calvinistas veem nessa passagem uma defesa da predestinação incondicional, especialmente nas discussões sobre Jacó e Esaú. No entanto, muitos estudiosos, como Brian Abasciano, David A. Allen, Roger Olson, Jerry Walls, Eric Hankins, Robert Shank, Esequias Soares, Silas Daniel, José Gonçalves e João Flávio Martinez, entre outros, argumentam que o foco de Paulo é a eleição corporativa – o papel de Israel e da Igreja na história da salvação, em vez da predestinação individual para salvação ou condenação. A resposta de fé continua a ser crucial para a inclusão no povo eleito de Deus.

Eleição Incondicional vs. Eleição Condicional

O debate entre a eleição incondicional (calvinista) e a eleição condicional (arminiana, batista e assembleiana) tem sido uma questão teológica central. A eleição incondicional, defendida pelos calvinistas, sustenta que Deus escolhe certas pessoas para a salvação de acordo com Seu plano soberano, sem qualquer consideração pelo que elas farão ou escolherão. Essa visão enfatiza a soberania absoluta de Deus e Sua capacidade de predeterminar os eventos, incluindo quem será salvo.

Por outro lado, a visão condicional da eleição, promovida por teólogos arminianos, batistas e assembleianos, defende que a eleição está ligada à presciência de Deus. Deus, em Sua onisciência, sabe de antemão quem responderá com fé à Sua oferta de salvação e, com base nisso, escolhe essas pessoas como os eleitos. Nessa visão, a salvação é oferecida a todos, mas é eficaz apenas para aqueles que a aceitam pela fé. Isso preserva tanto a soberania de Deus quanto a liberdade humana, mantendo que Deus não força ninguém a crer, mas oferece a oportunidade de salvação a todos.

Para os arminianos, batistas e assembleianos, a eleição condicional é mais compatível com a natureza de Deus, que é amorosa e deseja que todos sejam salvos (1 Timóteo 2:4; Romanos 2:11; Ezequiel 33:11; 18:32). A rejeição da eleição incondicional não significa uma negação da soberania de Deus, mas um entendimento de que Deus escolhe operar Sua soberania de maneira que permite a liberdade humana genuína. Assim, a responsabilidade humana de responder à oferta de salvação é preservada, enquanto a graça de Deus continua a ser o fator determinante para a salvação.

Eleição e a Responsabilidade Humana

A visão arminiana, batista e assembleiana da eleição também enfatiza fortemente a responsabilidade humana. A Bíblia ensina claramente que as pessoas devem responder ao chamado de Deus para serem salvas. A responsabilidade de crer no evangelho é atribuída a todos os indivíduos (Marcos 1:15; 16:15,16; Atos 16:31). Os defensores da eleição condicional acreditam que a fé é uma resposta genuína à oferta de salvação de Deus, e não algo que é predeterminado por Ele.

Na teologia arminiana, batista e das Assembleias de Deus, Deus faz a primeira oferta de salvação a todas as pessoas por meio do Espírito Santo e da pregação do evangelho. Aqueles que respondem com fé são os eleitos. A eleição, portanto, é baseada na presciência de Deus de que essas pessoas iriam crer livremente. No entanto, essa fé não é uma obra ou mérito humano; ao contrário, é uma resposta capacitada pela graça de Deus, que se manifesta a todos, mas que nem todos escolhem aceitar.

A responsabilidade humana é essencial para a compreensão da justiça e do amor de Deus. Se Deus oferece salvação a todos, mas força alguns a aceitá-la e impede outros de crerem (como ensina a eleição incondicional), isso compromete a justiça de Deus e diminui o papel da responsabilidade humana. Assim, a eleição condicional oferece um equilíbrio entre a soberania de Deus e a liberdade e responsabilidade do ser humano, o que é mais coerente com o contexto absoluto da Escritura.

O Molinismo e a Eleição

Uma proposta teológica que tenta equilibrar a soberania de Deus e a liberdade humana é o Molinismo, associado ao teólogo jesuíta Luís de Molina (1535-1600). O Molinismo sugere que Deus, em Sua onisciência, conhece todas as decisões que as pessoas tomariam em todas as circunstâncias possíveis (chamado de “conhecimento médio”). Baseado nesse conhecimento, Deus escolhe criar o mundo no qual o maior número de pessoas livremente escolheria crer em Cristo e ser salvo.

Assim, a eleição é vista como a escolha de Deus de salvar todos aqueles que, em sua liberdade, escolheriam crer. Embora Deus seja soberano e tenha o controle final sobre a criação do mundo, Ele ainda respeita a liberdade humana genuína. Deus não força ninguém a crer, mas cria circunstâncias em que o maior número possível de pessoas escolhe responder positivamente ao evangelho.

O Molinismo oferece uma solução interessante para o debate entre a soberania divina e a responsabilidade humana, mantendo que Deus continua sendo soberano sem violar a liberdade humana. Para os arminianos, batistas e assembleianos, essa visão é atrativa, pois afirma que Deus deseja que todos sejam salvos e que todos têm uma chance genuína de crer. Assim, sugiro que todos os que não são calvinistas procurem conhecer a doutrina do “conhecimento médio” e da “concorrência divina” do Molinismo. A Editora Reflexão está com o livro de Kirk MacGregor no prelo e em processo de tradução. Esperemos que o livro seja publicado. Eu traduzi um capítulo desse livro e, quem quiser lê-lo, pode solicitar no privado.

Problemas com a Eleição Incondicional

Os arminianos, batistas e assembleianos apontam vários problemas com a visão calvinista de eleição incondicional. Em primeiro lugar, essa doutrina parece comprometer a natureza amorosa e justa de Deus. Se Deus escolhe arbitrariamente algumas pessoas para a salvação e outras para a condenação, isso parece inconsistente com o ensinamento bíblico de que Deus deseja que todos sejam salvos (1 Timóteo 2:4; 2 Pedro 3:9). A eleição incondicional também levanta a questão de como Deus pode responsabilizar as pessoas por sua incredulidade se elas não têm como escolher crer ou não. Perceba que, na Bíblia, Deus convida a todos ao evangelho e à salvação, mas, segundo o calvinismo, Deus escolheu apenas alguns para serem salvos. Isso não colocaria uma mancha no caráter moral de Deus? Um Deus santo e justo jamais agiria assim! Além disso, Deus condenaria aqueles que não receberam Seu Filho, mas são exatamente essas pessoas que Ele escolheu para não receberem Seu Filho como salvador. É algo de gelar o coração, é assustador!

Além disso, a doutrina calvinista da reprovação – a ideia de que Deus predestina alguns para a condenação – é especialmente problemática. Muitos batistas e a totalidade dos arminianos e assembleianos acreditam que essa ideia é incompatível com a mensagem do evangelho, que é oferecida a todos sem exceção. Se Deus predestinou alguns para a condenação, então o convite universal do evangelho perde seu significado.

Outro problema com a eleição incondicional é que ela parece transformar a fé em algo que não é genuinamente uma escolha, mas sim uma imposição divina. Se Deus simplesmente decreta quem terá fé, então a resposta de fé ao evangelho não é um ato voluntário de confiança em Deus, mas algo predeterminado, o que enfraquece o conceito bíblico de relacionamento pessoal e voluntário com Deus. Por fim, se a eleição incondicional estiver correta, então:

A Eleição Corporativa

Uma alternativa à eleição incondicional defendida por muitos arminianos, batistas e assembleianos é a eleição corporativa. Essa visão sugere que a eleição, conforme descrita na Bíblia, refere-se principalmente à escolha de um grupo ou de um povo, em vez de indivíduos específicos. Por exemplo, no Antigo Testamento, Deus escolheu Israel como Seu povo eleito, mas isso não significa que todos os israelitas eram salvos automaticamente. A inclusão no povo eleito dependia de fé e obediência. É exatamente a isso que Paulo responde em Romanos 9. Paulo está respondendo a um grupo de judeus em Roma que pensavam que eram salvos apenas por serem descendentes de Abraão, e ele defende fortemente que ninguém é salvo à parte da fé em Jesus. Leia o capítulo e toda a epístola com atenção a esse detalhe.

Da mesma forma, no Novo Testamento, a eleição se refere à Igreja – o corpo de Cristo. Deus elegeu Jesus como o Salvador, e todos os que estão “em Cristo” são considerados eleitos. Essa eleição corporativa é aberta a todos os que crerem em Jesus, e a participação nessa eleição depende da fé. Portanto, a eleição é tanto uma questão de estar em Cristo quanto de fazer parte do povo de Deus por meio da fé.

A eleição corporativa preserva a ideia de que a salvação é oferecida a todos e está alinhada com a natureza inclusiva do evangelho. A salvação está disponível para qualquer pessoa que responda ao convite de Deus com fé. A eleição corporativa, portanto, enfatiza a importância da resposta humana ao evangelho, enquanto ainda mantém a soberania de Deus em escolher o meio de salvação – Cristo e a Igreja.

Conclusão

Para os arminianos, batistas e assembleianos, a eleição é um reflexo do caráter amoroso e justo de Deus. Eles acreditam que Deus oferece a salvação a todos e que aqueles que respondem com fé tornam-se parte dos eleitos. Essa visão preserva tanto a soberania de Deus quanto a liberdade e a responsabilidade humanas. A eleição, então, não é um ato arbitrário de Deus escolhendo alguns para a salvação e outros para a condenação sem qualquer consideração de sua resposta. Em vez disso, a eleição está baseada na presciência de Deus e na resposta voluntária das pessoas ao evangelho.

Além disso, a eleição corporativa oferece uma maneira de entender a eleição como um chamado para pertencer ao povo de Deus, em vez de uma determinação individual incondicional. Todos aqueles que estão “em Cristo” são parte do povo eleito, e qualquer um pode ser incluído por meio da fé. Isso é consistente com a mensagem bíblica de que Deus ama o mundo inteiro e deseja que todos sejam salvos.

No fim, a doutrina da eleição deve ser entendida em harmonia com o evangelho e o caráter de Deus. Ela deve nos motivar a pregar o evangelho a todos, sabendo que Deus deseja que todos venham ao arrependimento e à fé em Cristo. A eleição, para os arminianos, batistas e assembleianos, é uma doutrina que aponta para a graça de Deus e Sua oferta aberta de salvação a todos os que creem.

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Walson Sales é presbítero da Assembleia de Deus em Recife. Tem formação em Teologia pela ESTEADEB/Universidade Metodista de São Paulo; formação em Filosofia pela UFPE e pós-graduação em Teologia e Pensamento Religioso e Filosofia e Ética pela Universidade Metropolitana. Traduziu sete obras, entre as quais se incluem

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Que Amor é Este? A Falsa Representação de Deus no Calvinismo, de Dave Hunt, Editora Reflexão;

Deus é um Monstro Moral? Entendendo Deus no Contexto do Antigo Testamento, de Paul Copan, Editora Sal Cultural; e,

O Único Deus Sábio: A Compatibilidade Entre a Presciência Divina e a Liberdade Humana, de William Lane Craig, Editora Sal Cultural.

É também autor de três obras:

Ateísmo: Respostas às Objeções à Veracidade do Cristianismo, publicado pela Editora Beréia;

A Existência de Deus e os Ateus: Uma Apologética com Diálogo; e

A Visão de Mundo Ateísta, ambos publicados pela FASA, editora da Universidade Católica de Pernambuco.

Walson Sales é professor de Teologia na Escola de Teologia das Assembléias de Deus no Brasil – ESTEADEB.

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