“Pois também eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. ” (Mt 16.18).
Provavelmente não exista no Novo Testamento outra passagem que tenha causado tanta polêmica, abuso e atenção como esta de Mateus 16.18.
O catolicismo romano, visando a perpetuação do papismo, durante muitos séculos vem sustentando a velha e contraditória posição de que “a pedra é Pedro”.
Já os protestantes, dessoando do diapasão romanista, sem demover um só milímetro, sustentam firmemente a posição tradicional de que “a pedra é a confissão de Pedro”.
Mas afinal quem é a pedra? Pedro ou a confissão de Pedro?
Para responder a essa pergunta, compulsamos vários compêndios de exegetas de renome no cenário evangélico internacional. E deles, honestamente, haurimos boa parte do que iremos apresentar.
Dividiremos o presente estudo em duas partes:
A posição romana: “A pedra é Pedro”;
A posição evangélica: “A pedra é a confissão de Pedro ”
Luney, escritor católico romano, reconhece que 17 padres consideram Pedro como a rocha; 44 consideram a confissão de Pedro como a rocha; 16 consideram Cristo como a rocha; enquanto 8 opinam que a igreja foi construída sobre todos os apóstolos.
Uns dizem que a pedra é Pedro, outros que é Cristo e ainda outros que a pedra representa a confissão de Pedro.
Esta última tem a seu favor o engenho formidável de Santo Agostinho, e, no dizer de Figueiredo: “era uma interpretação comuníssima dos outros pais quer anteriores quer posteriores a Santo Agostinho”.
A POSIÇÃO ROMANA: “A pedra é Pedro”
A pedra, segundo a exegese romanista, é o próprio Pedro.
Mas pergunta o Rev. Othoniel Motta: “Poderia Cristo fundar a sua igreja sobre o falível de um homem, que tantas provas deu de sua fraqueza? ”
A respeito dessa posição herética do catolicismo romano, assim escreveu Huberto Rohden, padre católico romano, em seu livro “Jesus Nazareno”: E claro, à luz do texto do evangelho, que Jesus não fundou Sua igreja sobre a pessoa humana (carne e sangue) de Pedro, mas sobre a revelação divina que Pedro acabava de receber; essa revelação divina é que é chamada a “pedra” ou a rocha da igreja. (…)”. Era esta a doutrina predominante nos primeiros séculos do cristianismo; assim pensavam Pedro, Paulo, e os outros apóstolos, até ao tempo de Santo Agostinho, quinto século. Só mais tarde, com a sucessiva centralização da hierarquia eclesiástica na metrópole do Império Romano, é que surgiu paulatinamente a doutrina de que Jesus nomeava a pessoa de Pedro fundamento da sua igreja, e que seus sucessores eclesiásticos herdavam esse poder. Essa doutrina visa a consolidação da igreja de Roma, mas não corresponde à verdade espiritual proclamada por Jesus”.
Muitos outros depoimentos poderiam ser aduzidos, porém os presentes bastam para concluirmos que a pedra não é nem pode ser Pedro.
Mas, mesmo assim, não poderíamos deixar de acrescentar o último depoimento de um exegeta de peso que diz: “60 padres foram contrários a tese de que Pedro é a pedra. Este número é significativo. Qual a razão que levou a maioria dos padres antigos – entre eles Crisóstomo e Agostinho, dois exegetas consumados – a entender que Cristo, ao proferir as palavras “sobre esta pedra edificarei a minha igreja”, não falava de Pedro?
Isto posto, vamos à posição prevalecente no meio evangélico.
A posição evangélica: “A pedra é a confissão de Pedro”.
Seguindo uma regra da hermenêutica sacra, que ordena que, para maior clareza de um texto se recorra ao contexto, comecemos por ler o capítulo 16 de Mateus, do versículo 13 a 20. Essa leitura diz o Rev Herculando de Gouvêa Junior, “Nos convence de que o assunto principal da confabulação de Cristo com os Seus discípulos versa a respeito da Sua própria personalidade”.
“Quem dizem os homens que é o Filho do homem”?
Pergunta Jesus Cristo.
“Tu és o Cristo, filho do Deus vivo”, responde Pedro.
A confissão de Pedro faz que a conversa atinja o seu ponto culminante. E a nota central de todo o trecho bíblico.
Duas observações confirmam essa conclusão. Primeira: Cristo, ao mesmo passo que exalta a confissão de Pedro, lembra-lhe a sua insuficiência natural para descobrir o que só Deus lhe podia revelar.
Segunda: as passagens paralelas – (Mc 8.27-34 e Lc 9.18-23), põem em evidência a confissão de Pedro, mas relegam para plano secundário a pessoa que fez a confissão. E se Marcos, como supõem alguns, escreveu o seu evangelho sob a direção de Pedro, ainda mais concludente é a omissão referida.
“Tratando-se, pois, de uma pedra sobre a qual seria a igreja construída, e tendo de escolher entre duas pedras – Pedro ou sua confissão, optamos pela maior, pela mais sólida, a confissão de Pedro, isto é, o Cristo”.
ARGUMENTO FILOLÓGICO
Antes de tudo, é importante observarmos que Pedro e pedra são duas palavras distintas, que representam gramaticalmente, ideias diversas. São Petros e Petra. A primeira é um masculino, a segunda um feminino.
Vamos, em primeiro lugar, indagar qual das duas palavras, gramaticalmente, encerra a ideia central, primitiva: Pedro ou pedra. Petros ou Petra, verificando como é patente, que tanta semelhança formal apresentam?
Firmando as nossas considerações, sob o ponto de vista gramatical, notaremos que o Senhor Jesus Cristo aceitou esta prioridade, fazendo-a recair sobre o vocábulo petra.
“E sobre esta pedra” – Tautê, tê petra. Recorrendo ainda à significação das palavras referidas, encontramos aí fundamento sólido a este conceito, observando que Petros não tem a significação ampla e elevada de petra. Petros significa “fragmento, estilhaço de rocha”, é uma pedra de proporções insignificantes. Ao passo que petra, é rocha, uma pedra considerável, fazendo-se bem em conservar a palavra rocha, como equivalente seu.
Falando a esse respeito diz Gueiros: “Os demonstrativos” Tautê e Tê, modificadores de petra, eliminando toda dúvida de, se Pedro, seria o fundamento de que trata o mesmo trecho. Tautê e Te são palavras do gênero feminino, enquanto Petros é nome masculino, tornando impossível, por irracional e anti-gramatical, a concordância incongruente de palavras de um gênero, de nome masculino modificado por palavras do feminino. ”
Resumindo o que, sobre este ponto escrevemos, não ficaria mal ao texto salientá-lo, com a seguinte paráfrase: “Eu te digo que tu és Pedro – uma parte da rocha, um fragmento petra e, sobre esta pedra- a rocha que acabais de confessar – eu edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.
Conserve-se, pois, a diferença semântica de Petros e petra, Pedro e pedra, acrescentando que petra, como rocha, é o leito maciço, a pedreira abundante de onde se podem retirar os pedaços (petros)”.
Observação: “O argumento de que Cristo falou em aramaico, onde Pedro e pedra correspondem ao termo único – Kephas, é inconsistente, visto que Mateus, inspirado, transladou para o grego as palavras de Cristo, dando-lhes nesta língua termos diversos para significar os dois Kephas: ao primeiro chamou Pedro e ao segundo chamou pedra”.
Daí a versão de S.Jerônimo da vulgata: “Tu és Petrus et Super Hanc Petram aedificabo ecclesiam means”. (Mt 16:18a)
O TESTEMUNHO DE PEDRO
O apóstolo Pedro, em seu primeiro discurso após o dia Pentecostes, faz duas grandes e claras afirmações a respeito Cristo, dizendo: “Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome foi dado entre os homens pelo qual devemos ser salvos”. (At4.11,12).
Na sua primeira epístola, trata ele novamente do assunto e recorre, segunda vez, ao testemunho do Antigo Testamento: “chegando-vos, para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa. (…) por isso também na Escritura se contém: “Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa, e quem nela crer não será confundido. E assim para vós, os que credes, é preciosa, mas para os rebeldes, a pedra que os edificadores reprovaram, essa foi a principal da esquina”. (lPe 2.4-7).
Estas palavras são claríssimas e dispensam comentários.
Deixemos de parte o apóstolo Pedro e recorramos ao apóstolo e doutor dos gentios, cuja opinião, abalizadíssima, nos premia consideravelmente.
O TESTEMUNHO DE PAULO
Na carta aos Romanos, declara-nos ele que os judeus: “tropeçaram na pedra de tropeço”. E acrescenta: “Como está escrito: Eis que eu ponho em Sião uma pedra de tropeço, rocha de escândalo; E todo aquele que crer nela não será confundido” (Rm 9:32,33).
Escrevendo aos coríntios: “Por que ninguém pode por outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo”. (ICo 3:11). Aos efésios, o mesmo apóstolo escreve: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina”. (Ef 2:20). É interessante notar nesta passagem que não é um só dos apóstolos mencionados, mas todos. “No qual”, refere-se a Cristo e não aos apóstolos.
Muitas outras passagens poderiam ser aduzidas, porém as presentes bastam para esclarecer o ensino do Novo Testamento, sobre tão importante assunto.
Os luminares da Igreja (os chamados pais da igreja)
Volvamos os nossos olhos agora para os grandes luminares da igreja.
…O erudito Jerônimo diz: “Petra Christus est, a pedra é Cristo”.
Agostinho, em seus Retractationum LXXX, diz que: “O Senhor não disse a Pedro: Tu és pedra, senão tu és Pedro”. O mesmo Agostinho, em seu tratado CXXIV, sobre S. João, comentando mais o assunto diz: “Tu és Pedro, denominado assim da pedra que confessaste, que sou eu, sobre a qual edificarei eu a minha igreja”.
E de igual modo interpretavam esta passagem; Hilário, Ambrósio, Cyrillo e outros.
Mediante tantas provas irrefragáveis, não há que negar que a pedra, do célebre texto em questão, é indubitavelmente, “a confissão de Pedro”.
Divergir dessa interpretação é divergir ao mesmo tempo do ensino de todo o Novo Testamento e da interpretação dos ilustres escritores da igreja primitiva.
Para fecharmos com chave de ouro este tão empolgante assunto, trasladaremos para aqui dois importantes depoimentos. “No Pastor Hermas a igreja aparece na figura de uma torre, firmada sobre uma rocha, que é Cristo. Não há a menor menção de Pedro” (R.C.R.).
“Não nos admira que a igreja romana, para a consecução de cujos fins todos os meios são lícitos, tirasse de Cristo o direito único do fundamento da igreja, para dá-lo a um homem mortal e pecador. Mas sim nos admira querer dita igreja manter em pleno século 21 tão falsa interpretação ante os depoimentos claros das testemunhas citadas”.
No forro da biblioteca do Vaticano estão pintados em cores vivas quadros que representam todos os concílios havidos na igreja desde o de Niceia até o de Trento.
No primeiro concilio o de Niceia, no ano 325, ninguém ocupa a presidência. Tanto o bispo de Roma como o Imperador Constantino negaram-se a assumir a presidência.
No segundo concilio já se nota uma pequena diferença, a Bíblia ocupa lugar secundário ao lado da presidência.
Nos quadros seguintes, nota-se que a Bíblia pouco a pouco vai desaparecendo, que no concilio de Trento (1545- 1563) desaparece por completo.
O mesmo que a igreja de Roma fez com a Bíblia, fez também com Cristo. Ele o verdadeiro, e, único fundamento da igreja, foi sendo pouco a pouco rejeitado e em Seu lugar posto Pedro, e como legítimos sucessores deste, essa plêiade de papas que não pouco contribuíram para macular as páginas da História”. (Testemunho).
Fonte: Perguntas Difíceis de Responder Vol. I, Elias Soares de Moraes, Beit Shalom Editora, 6ª Edição Revisada, São Paulo, 2017.