Por que o calvinismo é impossível? (Em referência a Romanos 9)
Esta é uma conversa que tive com um grupo de excelentes alunos na Universidade de Samford, no dia 07 de Outubro de 2015, parte de uma das palestras que eu ministrei lá naquela semana. Postarei sobre as outras palestras da série semana que vem.
Por que o calvinismo é impossível?
Em uma de suas pregações contra o calvinismo, John Wesley, o fundador da Igreja Metodista, falou algo que ficou muito conhecido sobre a interpretação calvinista de Romanos 9: “Não importa o que pareça, certamente não é aquilo.” Eu acho que muitas pessoas, especialmente os calvinistas devotos, que acreditam na chamada “dupla predestinação” não entendem corretamente o que foi dito por Wesley. Eu cheguei a ouvir deles que Wesley e eu simplesmente agregamos pressupostos teológicos e filosóficos à Bíblia, que predetermina o que pode ser entendido dela. Há uma pequena verdade nesta crítica, contudo eu gostaria de trazer a memória dos meus críticos calvinistas (e os de Wesley) que o influente teólogo reformado Charles Hodge, em seu muito influente volume de Teologia Sistemática, publicado por volta de 1870 – no qual muito da Teologia Sistemática calvinista contemporânea está apoiada – afirmou que certas prioridades são necessárias como princípios de bom senso que alguém tem que ter para começar a interpretar a Bíblia e a Teologia. Um destes princípios é: Deus não faz nada errado. No contexto de sua declaração, que podemos achar nos primeiros capítulos do volume I de sua Teologia Sistemática, está claro que ele quer dizer que devemos pressupor que Deus não consegue fazer aquilo que é moralmente errado. Ele não quis dizer, como alguns nominalistas-voluntaristas – a exemplo do teólogo medieval Duns Scotus, “o sutil doutor” – que tudo o que Deus fizer automaticamente se torna certo apenas porque Deus o faz. Em vez disso, ele estava baseando sua reivindicação precondicionada sobre o “senso comum realista escocês”, no qual há certas ideias universais que somente pessoas loucas negariam, como a existência de outras mentes.
Eu levo mais longe o pensamento de Wesley e afirmo que, além de Romanos 9 não significar “dupla predestinação”, Deus, desde toda a eternidade, não preordenou certas pessoas para serem condenadas ao inferno [para a Sua glória] e tornou certo que elas seriam amaldiçoadas, mas que a doutrina calvinista é logicamente impossível, no sentido de ser auto-referencialmente refutável.
Por “impossível” eu não quero dizer que, “não existe”. Mas quero dizer que “existe, porém não funciona.” E por “não funciona” eu digo “não consegue ser crido consistentemente e coerentemente.” Crer nela debilita o próprio crer nela. Sendo então breve, meu argumento é que, ao crer que a Bíblia é a Palavra de Deus, o pressuposto é que Deus é confiável e que Deus não é enganador. Isto nos leva a crer que Deus tem um caráter estável, duradouro e eterno. Ele é “bom” de uma forma análoga às nossas mais altas intuições de “bondade” – independentemente de qual seja sua origem.
Coloquemos então de outra maneira: a negativa. Se alguém acredita que a bondade de Deus não é como a nossa melhor intuição de bom, mas possivelmente compatível a qualquer coisa capaz de ser colocada em palavras, então não há nenhuma boa razão em confiar n’Ele. Confiar em uma pessoa, até mesmo em Deus, necessariamente requer que acreditemos que a pessoa é boa, e acreditar que a pessoa é boa requer que tenhamos uma amostra de sua bondade, e não que “bom” é meramente uma palavra para algo totalmente fora de compreensão.
Coloquemos então em termos técnicos: se “bom”, aplicado a descrever Deus, é equivocado e nem mesmo é análogo ao caráter divino, logo é inútil para descrever Deus. Se “Deus é bom” é mudado para “mas a sua bondade é completamente diferente da nossa” (significando nosso maior grau de intuição e ideias de bondade), então é insignificante.
Nem todos calvinistas falam que a bondade de Deus é completamente diferente da nossa. Por exemplo, Paul Helm, no seu livro “A Providência de Deus”, fala que a “bondade” atribuída a Deus não pode ser totalmente diferente da bondade atribuída ao homem (mesmo sendo um ideal impossível). Infelizmente ele, creio eu, não segue isso de uma forma consistente, mas enfraquece sua lógica pela tentativa de combinar a afirmação da bondade essencial de Deus com a crença na dupla predestinação.
Eu defendo que a crença na dupla predestinação é logicamente incompatível com a afirmação de que Deus é bom, a menos que seja tirado todo o significado de “bom”, reduzindo-o a uma palavra inútil, algo que não conhecemos.
Mas, se Deus não é bom, de uma forma análoga às nossas intuições mais altas e melhores de “bondade”, não há nenhuma razão para confiar na Bíblia. E, se não há nenhuma razão para confiar na Bíblia (porque Deus, que não pode ser bom em qualquer forma que faz sentido para nós), então não há nenhum motivo claro para uma intensa exegese bíblica. Na verdade, Deus estaria nos enganando!
Todo cristão piedoso que conheci ou de quem ouvi falar, lê a Bíblia e a estuda (incluindo exegese) convicto de que a Bíblia é verdadeira, e ela não identifica erroneamente Deus e a vontade de Deus para nós. Isto posto, devemos ter em mente que Deus, o autor da Bíblia (mente inspiradora dos autores humanos) é bom, e é por isso que ele é digno de confiança e não é enganador. Mas a crença de que Deus “projeta, predetermina e governa” o inferno para os réprobos, que são incondicionalmente escolhidos por Deus para irem ao inferno para Sua glória, sem levar em conta quaisquer escolhas verdadeiramente livres que fazem, debilita a crença na bondade de Deus. É igualmente irracional a crença de que Deus “passa por cima” de alguns que ele facilmente poderia salvar (porque a eleição para salvação é incondicional e a graça que salva, irresistível), condenando-os ao inferno para Sua glória.
Não há comportamento humano concebível que poderíamos chamar de “bom”, partindo da lógica calvinista. O próprio conceito de “bom” exclui tal comportamento. Sequer deveríamos citar a bondade de Jesus no Novo Testamento, que nos manda amar nossos inimigos e fazer bem a eles.
Então o que quero dizer é que claramente existe uma contradição entre dois credos dos calvinistas:
I) A Bíblia é inerrante e incondicionalmente confiável
II) Deus, seu Autor, não é bom em qualquer sentido significativo para nós
O credo “I” pressupõe que Deus é bom de uma forma significante para nós, comparável às nossas mais altas e melhores intuições de bondade. O credo “II” (necessariamente implicado pela dupla predestinação) esvazia o credo “I”.
Portanto, qualquer exegese da bíblia que retrata Deus como não sendo bom, do qual o hiper-calvinismo (formado pelos que creditam na dupla predestinação) inexoravelmente faz, não pode ser acreditada, porque auto-referencialmente se volta contra a razão de acreditar na Bíblia. Finalmente, para sermos coerentes, devemos escolher entre acreditar na Bíblia como sendo a Palavra de Deus e acreditar na dupla predestinação.
Concluo reafirmando a crítica wesleyana à exegese calvinista de Romanos 9: “Não importe o que pareça, certamente não é aquilo.”
Fonte: http://www.patheos.com/blogs/rogereolson/