Por que não devo me tornar calvinista?

Introdução

Nas últimas décadas, o interesse pelo calvinismo tem crescido bastante por parte daqueles que professam o cristianismo. Esse interesse pode ser constatado principalmente nos jovens que estão cada vez mais tendo acesso a livros, vídeos e material calvinista.

Aqui no Brasil, o bombardeio de lançamentos de obras reformadas, o grande alcance nas redes sociais e o investimento intenso na propagação do calvinismo tem favorecido o aumento do número de adeptos inclusive por irmãos de igrejas pentecostais (que possuem uma herança histórica armínio-wesleyana).

Neste breve artigo, gostaria de enfatizar o por que você não deve se tornar calvinista. Veremos quais motivos nos fazem crer que esse sistema de interpretação não pode representar com precisão aquilo que ensinou o nosso Senhor e os apóstolos, ou seja, o Evangelho.

É bem verdade que o calvinismo hoje está multifacetado, com várias interpretações e abrangendo outros assuntos, por isso, quando me referir ao calvinismo estarei me limitando apenas aos cinco pontos da Soteriologia reformada, conhecidos como eleição incondicional, expiação limitada, graça irresistível, depravação total e perseverança dos santos. Boa leitura!

 

I- O CALVINISMO NÃO É UMA DOUTRINA BÍBLICA.

Parece óbvio abordar isso no primeiro ponto. O primeiro motivo pelo qual não alguém não deve se tornar calvinista é porque ele não é bíblico, isto é, não é ensinado nas Escrituras. Com isso,  gostaria de esclarecer duas coisas:

Primeiro, não estou afirmando que não haja nada no calvinismo que não seja bíblico. Há muitas coisas que o calvinismo defende que a Bíblia dá apoio como por exemplo a depravação total em virtude da queda da humanidade e sua consequência herdada de uma natureza corrupta e escrava do pecado. Aliás, não é só no calvinismo que existe esse tipo de situação. Ao longo dos séculos, seitas e heresias também tiveram algumas crenças comuns à Bíblia.

Segundo, não estou afirmando que o calvinismo não usa a Bíblia para apoiar seus ensinos. É claro que a Bíblia é usada para apoiá-lo sendo que isso é feito na maioria das vezes de forma equivocada e forçada. O simples fato de o calvinismo alegar passagens bíblicas para seu sistema não quer dizer que elas estejam de fato dizendo aquilo que eles ensinam.

Por exemplo, a Bíblia tem sido usada com frequência para apoiar a eleição incondicional calvinista. São usados versículos tanto do Antigo Testamento quanto do Novo. Entretanto, será mesmo que a Bíblia ensina que Deus escolheu uns e não outros para a salvação da forma como o calvinismo entende?

Vamos a uma simples demonstração começando pelo Antigo Testamento na questão da Eleição. A doutrina da Eleição é bíblica e nas Escrituras ela é usada para descrever Deus escolhendo alguém ou um povo para serviço ou para a salvação. Até aqui tudo bem.

O problema surge quando se faz a seguinte pergunta: como Deus faz essa escolha? Existe condição para que alguém seja um escolhido para a salvação? Se existe, qual é? Os calvinistas usam diversos versículos do Antigo Testamento para apoiarem a eleição incondicional para a salvação.

Entretanto, a verdade é que a maioria dos versículos do A.T (que tratam sobre eleição) não estão se referindo à uma eleição para a salvação mas sim para uma tarefa específica ou serviço.

Isso mesmo! São passagens que falam da escolha de Israel ou de algum profeta para executar uma tarefa específica. Então, como os calvinistas reagem? Distorcem os versos para apoiar seus ensinos, usando-os como refúgio e abrigo.

A verdade é: não há sequer um rastro da eleição incondicional no Antigo Testamento. Já no N.T, eles não encontram muita dificuldade para sustentar sua visão de eleição. Isso exige daqueles que ensinam o contrário, uma exegese e explicação de cada passagem abordada. Feito isso, veremos que a eleição incondicional não passa de um erro de interpretação bíblica.

 

O CALVINISMO NÃO É CONHECIDO PELA IGREJA PRIMITIVA NEM ENSINADO PELOS PAIS DA IGREJA.

Pelo contrário, determinadas seitas e heresias da igreja primitiva é que foram  pioneiras nos equívocos soteriológicos que os calvinistas cometem e por isso foram severamente combatidas pelos pais da igreja. Não se trata apenas de ausência do calvinismo por parte da ortodoxia patrística como também hostilidade aos seus princípios.

É bem verdade que não existe um compêndio patrístico contra o calvinismo mas isso acontece porque o calvinismo nem sequer existia como nos moldes atuais. Em geral, os pais da igreja ensinaram muitas coisas que são contrárias ao calvinismo e isso já é suficiente para concluirmos que o atual calvinismo disfarçando de ortodoxia não tem apoio bíblico nem dos pais da igreja mais próximos dos período neotestamentário.

É com o velho Agostinho (354- 430 d.C) que o embrião começa a desenvolver-se na medida em que as controvérsias iam aumentando. É importante enfatizar que o “calvinismo de Agostinho” (se é que podemos chamar assim) é diferente do calvinismo de Calvino em muitos aspectos, o que prova que até mesmo Agostinho não reconheceu como bíblico aquilo que mais na frente João Calvino e seus seguidores irão ensinar.

Digo isso porque há uma tendência moderna em afirmar que o calvinismo atual sempre foi crido e ensinado ao longo da história da igreja sendo que isso não passa de uma falácia.

 

III. O CALVINISMO É CONHECIDO HISTORICAMENTE COMO PROPAGADOR DE INTOLERÂNCIA.

Começando por João Calvino seu principal representante. Embora tenha sido um erudito bíblico e prestado grande contribuição para o cristianismo, Calvino era intolerante com aqueles que pensavam diferente dele. Falando sobre Calvino, R.N. Champlin afirma que após ter se mudado para Genebra, em 1541, Calvino estabeleceu uma teocracia.

“Havia uma completa mistura de Igreja e estado, e regras rígidas e ferozes governavam toda a vida e pensamento. Ofensas como jogos de azar, alcoolismo e até mesmo danças ou uso de linguagem irreverente eram severamente punidas. No começo, houve oposição a Calvino, e sua posição não era muito segura. Porém, por volta de 1555, ele já havia obtido uma vitória permanente. Houve vítimas de sua duríssima liderança. Ao humanista Sebastião Castellio, professor, foi recusada a admissão ao ministério, por causa de certo ponto de vista que expressa em seu comentário sobre Cantares de Salomão. Finalmente, Castellio deixou Genebra. Jacques Gruet foi decapitado acusado de blasfêmia. Jerônimo Bolsec, que havia feito oposição à rígida doutrina da predestinação, de Calvino, foi banido. O renomado antitrinitariano, Miguel Serveto, foi queimado na fogueira em 1553. Calvino e Serveto se haviam correspondido, debatendo diversos pontos. Calvino ordens para deter Serveto, se viesse a Genebra, já sabendo que ia o matar, se pudesse. Ele preferiu morte à espada, mas o conselho que julgou a Serveto ansiava por mostrar-se ainda mais feroz que seu mestre. Castellio escreveu um tratado contra a perseguição, mas sua voz perdeu-se em meio a gritos pedindo sangue. Calvino defendia a pena de morte para os hereges. Ele era conhecido por suas explosões de ira, que eles mesmo denominava de ‘a fera’.” (CHAMPLIN, Vol. 1; p. 606).

Como é de esperar que os discípulos sigam seu mestre, não aconteceu diferente com aqueles que aderiram ao calvinismo. Não todos, claro, mas boa parte dos calvinistas são intolerantes quando se trata de defender seus ideais.

A intolerância também foi a marca de Francisco Gomaro, contemporâneo de Jacó Armínio, do Sínodo de Dort (calvinista) e de muitos outros. É assustadora a maneira como Spurgeon se refere aos que pensam diferente dele: “deus dos arminianos”.

Isso pode ser verificado com visibilidade aqui no Brasil. A cada dez calvinistas que conheço, seis ou sete são intolerantes, não admitem serem questionados e quando isso acontece partem para o ataque da pessoa, do nível teológico ou da igreja que faz parte.

É lamentável esse tipo de atitude que acontece principalmente nas redes sociais. Não sei até que ponto brincadeiras desse tipo são levadas a sério, mas já vi dezenas de vezes calvinistas afirmando a seguinte frase: “saudade da época que calava-se herege na fogueira.”

Além disso, eles são majoritariamente responsáveis pela prática do proselitismo em outras igrejas, confundindo a mente das pessoas e fazendo-as se rebelar contra sua igreja e pastor de maneira que muitas se tornam desigrejadas.

Nessa altura do campeonato é bom deixar claro que existem calvinistas que são servos de Deus. No entanto, são pessoas que não se deixaram moldar completamente pelo sistema, sendo muitas vezes incoerentes entre o que creem e o que fazem.

É o caso dos calvinistas de quatro pontos. São incoerentes com seu sistema em alguns pontos, acreditando que estão mais perto do que a Bíblia ensina. Uma coisa curiosa nisso é que o calvinismo de quatro pontos é rejeitado inclusive por vários calvinistas tradicionais e rígidos, demonstrando intolerância até mesmo com seus irmãos.

Não tem escapatória, o calvinismo favorece a formação de cristãos intolerantes. São mínimas as probabilidades de fugir dessa realidade tendo em vista que a intolerância é o alicerce desse sistema. Jamais deixe ser conduzido por um sistema duvidoso em si mesmo que traz mais perturbação do que união.

 

O CALVINISMO NÃO É A ÚNICA ALTERNATIVA TEOLÓGICA PARA A MECÂNICA DA SALVAÇÃO.

Existem outras interpretações bíblicas sobre a mecânica da salvação que são dignas de atenção. Se enganam aqueles que aderem ao calvinismo apenas por ele ser uma tendência do momento ou porque a maioria dos reformados também o são.

É verdade que não são perfeitas, porém, se aproximam da Bíblia sem muita dificuldade e sem forçar a barra. Além disso, tem amplo apoio da patrística, de teólogos eruditíssimos ao longo da história eclesiástica (incluindo reformados) e da ortodoxia. É o caso da expiação ilimitada (ou universal). Sem falar que não há  intolerância e tem trazido crescimento e frutos para o reino de Deus.

Não é porque determinada teologia é pouco conhecida ou que não haja em nosso país tanto material sobre ela que tal teologia deve ser desprezada. Um bom estudante é aquele guiado pelas diretrizes da Bíblia e não por seus próprios interesses teológicos.

 

Conclusão

Não há motivos suficientes para alguém se tornar calvinista e se orgulhar disso. O calvinismo é apenas mais um sistema de interpretação das Escrituras, sujeito a erros e equívocos.

Nunca vi alguém que tenha se tornado calvinista sem ter tido nenhum contato com material reformado mas apenas e exclusivamente lendo a Bíblia.

Ninguém se torna calvinista lendo a Bíblia por um motivo óbvio: ele não está lá. As pessoas se tornam calvinistas ao serem atraídas pelo material reformado através de livros, confissões, etc. Calvino bebeu de Agostinho e usou a Bíblia apenas para fundamentar suas interpretações pessoais. E nem mesmo Agostinho retirou seus ideais agostinianos das Escrituras, mas foi forjado pelas controvérsias a formulá-los. Não estou dizendo que tudo quanto ele disse tenha sido extra-bíblico, porém, quem conhece Agostinho sabe que unanimidade bíblica não é uma palavra que o define.

Por fim, o calvinismo não é sinônimo de tolerância e nem é a única alternativa dentro da teologia. É por esses e outros motivos que você não deve ser calvinista.

Que Deus abençoe a todos!

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Bibliografia:

CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Hagnos: 1991.

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Autor: Por Everton Edvaldo

Extraído do site https://esquinapentecostal.blogspot.com/ em 01/04/2024

 

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