Pergunta:
Olá, Dr. Craig
Primeiramente, obrigado por seu surpreendente volume de conhecimento e disposição para usá-lo tão fervorosamente para servir ao Senhor. É um encorajamento imensurável para tantas pessoas.
Neste momento estou ouvindo uma de suas palestras sobre o mal e o sofrimento em Cambridge. (A palestra foi em Cambridge, não o mal e o sofrimento, necessariamente). Há duas passagens bíblicas que têm sido de enorme ajuda para mim pessoalmente na luta com o problema do mal, mas nunca fiquei sabendo que elas foram discutidas em qualquer fórum sobre o assunto. Ficaria curioso de saber seus pensamentos sobre cada uma delas.
A primeira, me parece, trata da questão de “Por que Deus permite que o mal e o sofrimento continuam?” e a outra trata da questão crítica “Como alguém deve reagir à experiência do mal e do sofrimento?” (Até mesmo se convencido de que Deus é a causa direta!).
A primeira é a Parábola do Joio de Mt 13.36-43/47-52:
Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao homem que semeia a boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste tu, no teu campo, boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que vamos arrancá-lo? Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro.
[E então Jesus explicou também …]
Então, tendo despedido a multidão, foi Jesus para casa. E chegaram ao pé dele os seus discípulos, dizendo: Explica-nos a parábola do joio do campo. E ele, respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do homem; o campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno; o inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos. Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.
Assim, me parece que a curta resposta era que Deus não tinha ainda vencido o mal e o sofrimento porque ele ainda está construindo o Reino, e o processo de assim fazer não é mutuamente exclusivo do mal e do sofrimento que experimentamos.
A passagem que trata da segunda questão é de Am 4.6-11:
Por isso também vos dei limpeza de dentes em todas as vossas cidades, e falta de pão em todos os vossos lugares; contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR. Além disso, retive de vós a chuva quando ainda faltava três meses para a ceifa; e fiz que chovesse sobre uma cidade, e não chovesse sobre a outra cidade; sobre um campo choveu, mas o outro, sobre o qual não choveu, secou-se. E andaram errantes duas ou três cidades, indo a outra cidade para beberem água, mas não se saciaram; contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR. Feri-vos com queimadura, e com ferrugem; a multidão das vossas hortas, e das vossas vinhas, e das vossas figueiras, e das vossas oliveiras, comeu a locusta; contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR. Enviei a peste contra vós, à maneira do Egito; os vossos jovens matei à espada, e os vossos cavalos deixei levar presos, e o mau cheiro dos vossos arraiais fiz subir as vossas narinas; contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR. Subverti a alguns dentre vós, como Deus subverteu a Sodoma e Gomorra, e vós fostes como um tição arrebatado do incêndio; contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR.
Quer dizer, uau! Fala do amor severo. Deus não perde tempo. Sei que alguém como Richard Dawkins poderia chamar a atenção para uma passagem como esta como exemplo para justificar a idéia de que o Deus da Bíblia deve ser algum tipo de monstro que, ainda que real, não é digno de adoração, mas eu penso que eles tragicamente estariam cometendo o mesmo erro que cometeram os israelitas nesta passagem. Acho que isto é ironicamente um exemplo incrivelmente cheio de esperança do amor de Deus expresso através da disciplina, e uma clara instrução do que alguém deve fazer quando de frente com misérias de qualquer espécie, mesmo se não podemos entendê-las ou se estamos convencidos de que Deus mesmo é a causa: convertermo-nos a Ele. Tristemente, parece que tantas pessoas fazem exatamente o contrário.
Em todo caso, mais pode ser colhido de ambas as passagens em termos de como elas abordam ou não o problema do mal e do sofrimento. Se tiver tempo e julgar que poderia ser útil aos seus leitores, eu adoraria saber seus pensamentos sobre estas escrituras.
Saudações, e obrigado novamente por tudo que tem feito para defender e construir o Reino.
Eric
Dr. Craig responde:
Há, de fato, passagens instigantes, as quais reproduzo aqui, não tanto para comentá-las, como para compartilhá-las com nossos leitores, que possam encontrar nelas estímulo para pensarem biblicamente sobre as questões que você levanta.
Concordo de todo meu coração com seu ponto de vista sobre a parábola de Jesus. Não podemos considerar o problema do mal e do sofrimento à parte dos propósitos do estabelecimento do Reino de Deus. Martyn Lloyd-Jones acertadamente disse,
A chave para a história do mundo é o reino de Deus… Desde o próprio começo… Deus tem estado trabalhando no estabelecimento de um novo reino no mundo. É Seu próprio reino, e Ele está chamando pessoas do mundo para esse reino: e tudo que acontece no mundo tem relevância para ele… Outros eventos são importantes conforme tenham ligação com esse evento. Os problemas de hoje devem ser entendidos somente à sua luz….
Não vacilemos, portanto, quando virmos coisas surpreendentes acontecendo no mundo. Antes, perguntemos, ‘Qual é a relevância deste evento para o reino de Deus?’ Ou, se coisas estranhas estão acontecendo a você pessoalmente, não se queixe mas diga, ‘O que Deus está me ensinando através disto?”… Não precisamos ficar perplexos ou duvidar do amor ou da justiça de Deus… Devemos… julgar todo evento à luz do grande, eterno e glorioso propósito de Deus (From Fear to Faith, pp. 23-24).
Pode bem ser o caso que os males naturais e morais sejam parte do meio que Deus usa para atrair pessoas livremente para o Seu Reino. Dê uma olhada num manual de missões como o Operation World de Patrick Johnstone. Você verá que é precisamente nos países que têm sofrido sofrimento severo que o Cristianismo evangélico está crescendo a taxas maiores, enquanto as curvas de crescimento no tolerante Ocidente estão praticamente niveladas.
Considere a China, por exemplo. O crescimento da igreja na China nas décadas recentes têm sido sem paralelos na história. Johnstone acredita que o Comunismo na verdade preparou a China para a recepção do Cristianismo ao eliminar os postulados budistas e confucionistas da cultura. Alguém pode imaginar pessoas querendo saber, durante os dias negros de Mao, por que Deus permitiu que o joio do Comunismo crescesse e devastasse o campo. Deus tinha propósitos de longo alcance em vista.
Quando você toma isto em consideração, a história da humanidade tem sido uma história de sofrimento e guerra. Todavia, tem também sido uma história do avanço do Reino de Deus. Um gráfico lançado em 1990 pelo U.S. Center for World Mission documenta o crescimento no Cristianismo evangélico pelos séculos, assinalando o número de cristãos evangélicos por não-cristãos no mundo. (Estes números não incluem sob nenhuma das duas categorias aqueles que são apenas cristãos nominais.) No ano 100 havia por volta de 360 não-cristãos para cada cristão evangélico no mundo. Até o ano 1000, eram 200 não-cristãos para cada evangélico no mundo. Até 1900, havia somente 27 não-cristãos por cristão evangélico. Até 1950, esse número tinha diminuído para 21 não-cristãos por cristão evangélico. E – fique sabendo – no ano 2000 havia somente 7 não-cristãos para cada crente evangélico no mundo! Mesmo se incluirmos todos os cristãos nominais assim como os que legitimamente foram submetidos à evangelização, isso ainda significa que há somente 9 incrédulos a serem evangelizados para cada crente.
De acordo com Johnstone, “Estamos vivendo a época de maior ingresso de pessoas no Reino de Deus que o mundo jamais viu.” (p. 25). Não é de todo improvável que este crescimento extraordinário no Reino de Deus seja devido em parte à presença dos males naturais e morais no mundo.
Assim, quando as pessoas perguntam, “Por que Deus simplesmente não elimina todo o sofrimento do mundo?”, elas realmente não têm idéia do que estão pedindo ou quais seriam as consequências. O assassinato cruel de um homem inocente ou a agonia de uma criança padecendo de leucemia poderia provocar um efeito dominó pela história de forma que a razão de Deus permiti-lo poderia não aparecer até séculos mais tarde ou talvez aparecer em algum outro país. Somente uma mente onisciente poderia compreender as complexidades de conduzir um mundo de pessoas livres para os seus objetivos previstos. Você somente tem que refletir sobre as inumeráveis, incalculáveis contingências envolvidas na obtenção de um único evento histórico, digamos, a vitória dos Aliados no Dia D, a fim de avaliar o caso. Não temos idéia dos males naturais e morais que poderiam estar envolvidos, a fim de Deus preparar as circunstâncias e os agentes livres nelas, necessários a algum propósito pretendido, nem podemos compreender as razões que Deus poderia ter em mente por permitir que algum caso de sofrimento entrasse em nossas vidas. Mas Ele terá boas razões em consideração aos propósitos de Seu Reino.
A parábola também me recorda das pessoas que perguntam por que, se Deus sabia quem iria crer nele e quem não iria, Ele simplesmente não deixou de criar as pessoas que iriam rejeitá-lo. Jesus diz que colher o joio pode também arrancar o trigo. Em outras palavras, se Deus deixasse de criar aqueles que Ele sabia que não iriam crer, então teríamos no lugar deste mundo um mundo possível totalmente novo, e pessoas que são salvas no mundo atual poderiam se revelar incrédulas no novo mundo! Você não pode simplesmente arrancar pessoas de um mundo possível para melhorar as coisas porque, assim fazendo, você está agora lidando com um mundo possível completamente diferente, no qual as pessoas podem agir completamente diferente do que agem no primeiro mundo. (Os filosoficamente iniciados reconhecerão que estou falando aqui sobre o conhecimento médio de Deus e quais mundos são factíveis dele criar.)
Quanto à passagem de Amós, ela intensamente nos recorda, como C. S. Lewis a coloca, que Aslan não é um leão domesticado. As pessoas geralmente dizem que Deus não nos envia sofrimentos mas meramente os permite. A passagem que você cita detona esse conto de fadas! Os antigos israelitas não entenderam que as calamidades que lhes sobrevieram eram de fato uma misericórdia severa enviada por Deus para seu próprio bem-estar, mas sua intransigência provocou um curto-circuito no bom propósito que Deus tinha em mente (cf. Ap 16.9, 11, 21). O autor de Hebreus no Novo Testamento nos recorda que Deus corrige todo filho que Ele recebe. Ainda que seja doloroso ao invés de agradável, Deus nos disciplina “para nosso proveito, para sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.18).
Você está certo que não-cristãos, acostumados ao Deus Papai Noel, não entenderão esta espécie de amor severo. Mas na verdade não é difícil compreender quando se reflete que vale a pena suportar alguma quantidade finita de sofrimento a fim de obter a alegria eterna e evitar a ruína eterna. Paulo diz, “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.17-18). Paulo entendia que a duração desta vida, sendo finita, é literalmente infinitesimal se comparada à vida eterna que passaremos com Deus. Quanto mais tempo passamos na eternidade, mais os sofrimentos desta vida se tornarão pequenos em comparação com um momento infinitesimal. É por isso que Paulo podia chamar os sofrimentos desta vida de “tribulação leve e momentânea”: ele não estava sendo insensível à situação daqueles que sofrem terrivelmente nesta vida – muito pelo contrário, ele era um deles – mas ele via que esses sofrimentos são simplesmente esmagados pelo oceano de alegria e glória eterna que Deus dará àqueles que nele confiam.
Dessa forma, nossa reação em tempos de sofrimento devia ser, como você diz, virarmo-nos a Deus em fé e dependência de Sua força para atravessarmos. Quando Deus nos pede para aguentar o sofrimento que parece imerecido, sem sentido e desnecessário, meditar sobre a cruz de Cristo e seu inocente sofrimento por nossa causa pode ajudar a nos dar a força e coragem necessária para suportar a cruz que somos instados a carregar.
William Lane Craig – Fonte: http://www.reasonablefaith.org
Tradução: Paulo Cesar Antunes