
Quase que invariavelmente as pessoas formam suas crenças não baseadas nas provas, mas naquilo que elas acham atraente. BLAISE PASCAL
O escritor e orador James Sire lidera um impressionante seminário interativo para universitários dos Estados Unidos. O seminário chama-se Por que alguém deve acreditar em alguma coisa?
Com um título tão intrigante como esse, o evento normalmente atrai um grande público. Sire começa fazendo a seguinte pergunta ao público: “Por que as pessoas acreditam naquilo em que acreditam?”. Apesar da grande variedade de respostas, Sire mostra que cada resposta obtida encaixa-se em uma dessas quatro categorias: sociológica, psicológica, religiosa e filosófica. [1]
Razõessociológicas | Razõespsicológicas | Razõesreligiosas | Razõesfilosóficas |
Pais | Conforto | Escrituras | Uniformidade |
Amigos | Tranqüilidade | Pastor/padre | Coerência |
Sociedade | Significado | Guru | Inteireza (melhor |
Cultura | Propósito | Rabino | explicação de |
Esperança | Líder religioso | todas as provas) | |
Identidade | Igreja |
Tabela 2.1
Começando da coluna da esquerda, Sire aborda as razões de cada categoria, perguntando aos estudantes: “Essa é uma boa razão para acreditar em alguma coisa?”. Se ele tiver à mão alunos bem afiados, o diálogo poderia seguir mais ou menos assim:
Sire: — Vejo que muitos de vocês citaram fatores sociológicos. Muitas pessoas, por exemplo, abraçam certas crenças porque seus pais tinham as mesmas crenças. Vocês acham que isso por si só é uma boa razão para acreditar-se em alguma coisa?
Alunos: — Não, os pais às vezes estão errados!
Sire: — Tudo bem. E quanto às influências culturais? Vocês acham que as pessoas devem acreditar em alguma coisa simplesmente porque aquilo é culturalmente aceitável?
Alunos: — Não, não necessariamente. Os nazistas tinham uma cultura que aceitava o assassinato de todos os judeus. Isso certamente não tornava sua posição correta!
Sire: — Bom. Agora, alguns de vocês mencionaram fatores psicológicos como conforto. Essa é uma razão boa o suficiente para se acreditar em alguma coisa?
Alunos: — Não, não estamos “confortáveis” com isso! Falando seriamente, o conforto não é um teste para a verdade. Podemos ser confortados pela crença de que existe um Deus em algum lugar lá fora que se importa conosco, mas isso não significa necessariamente que ele realmente exista. Do mesmo modo, um viciado pode ficar temporariamente confortado pelo uso de certo tipo de droga, mas, na verdade, aquela droga pode matá-la.
Sire: — Então você está dizendo que a verdade é importante porque pode haver conseqüências quando você estiver errado?
Alunos: — Sim, se alguém estiver errado sobre uma droga, poderá tomar uma dose muito grande e morrer. Do mesmo modo, se alguém estiver errado sobre a espessura do gelo sobre um lago, pode cair e morrer congelado na água.
Sire: — Portanto, por motivos pragmáticos, faz sentido que acreditemos apenas naquilo que é verdadeiro.
Alunos: — Naturalmente. A longo prazo, a verdade protege, e o erro ameaça.
Sire: — Muito bem. Portanto, razões sociológicas e psicológicas sozinhas não são bases adequadas para se acreditar em alguma coisa. E quanto às razões religiosas? Alguns mencionaram a Bíblia; outros mencionaram o Alcorão; ainda outros obtiveram suas crenças de sacerdotes ou gurus. É possível acreditar em alguma coisa simplesmente porque alguma fonte religiosa ou um livro sagrado diz assim?
Alunos: — Não, porque se levanta a seguinte questão: “Devemos acreditar em qual escritura ou em qual fonte?”. Além do mais, elas ensinam coisas contraditórias.
Sire: — Você poderia me dar um exemplo?
Alunos: — Bem, vamos tomar a Bíblia e o Alcorão como exemplos. Não é possível que os dois sejam verdadeiros porque contradizem um ao outro. A Bíblia diz que Jesus morreu na cruz e que ressuscitou três dias depois (lCo 15.1-8), enquanto o Alcorão diz que Jesus existiu, mas que não morreu na cruz (surata 4.157). Se um deles está certo, então o outro está errado. Se Jesus nunca existiu, então ambos estão errados.
Sire: — Então, como podemos julgar entre, digamos, a Bíblia e o Alcorão?
Alunos: — Precisamos de algumas provas exteriores a essas chamadas escrituras para que possamos descobrir qual é verdadeira, se é que alguma delas o é.
Sire: — De qual categoria devemos extrair tais provas?
Alunos: — Tudo o que nos resta é a categoria filosófica.
Sire: — Mas como é possível que a filosofia de alguém seja uma prova? Não seria apenas a opinião de uma pessoa?
Alunos: — Não, não estamos nos referindo à filosofia nesse sentido da palavra, mas em seu sentido clássico, no qual filosofia significa encontrar a verdade por meio da lógica, da evidência e da ciência.
Sire: — Excelente! Assim, com essa definição em mente, façamos a mesma pergunta à categoria filosófica. Vale a pena acreditar em alguma coisa se ela for racional, se for apoiada por comprovação e se melhor explicar todas as informações?
Alunos: — Isso certamente nos parece correto!
Ao expor justificativas inadequadas para as crenças, o caminho fica limpo para aquele que está buscando a verdade encontrar justificativas adequadas. É isso o que faz um apologista. Apologista é alguém que mostra de que maneira boas razões e evidências apóiam ou contradizem uma crença em particular. É isso que estamos tentando fazer neste livro e é isso o que Sire levanta em seu seminário .
A abordagem socrática de Sire ajuda os alunos a perceberem pelo menos três classes. Em primeiro lugar, qualquer ensinamento — religioso ou não — só é digno de confiança se apontar para a verdade. A apatia em relação à verdade pode ser perigosa. De fato, acreditar num erro pode ter conseqüências mortais, tanto temporais — se determinado numero de ensinamentos religiosos for verdadeiros — quanto eternas.
Em segundo lugar, muitas crenças que as pessoas possuem hoje não são apoiadas pela evidência, mas apenas pela preferência subjetiva daqueles que as professam. Como disse Pascal, as pessoas chegam às suas crenças quase que invariavelmente baseadas não numa prova, mas naquilo que elas acham atraente. Mas a verdade não é um assunto subjetivo, e sim bastante objetivo.
Por último, com o objetivo de encontrar a verdade, deve-se estar pronto a abdicar das preferências subjetivas em favor dos fatos objetivos. A melhor maneira de se descobrir os fatos é utilizar a lógica, a evidência e a ciência.
Embora a lógica, a evidência e a ciência pareçam ser o melhor caminho para se chegar à verdade, existem alguns que ainda possuem objeções. Essas objeções referem-se à própria lógica, ou seja, qual lógica devemos usar, a oriental ou a ocidental? Ravi Zacharias conta uma história muito engraçada que vai nos revelar a resposta.
LÓGICA OCIDENTAL VERSUS LÓGICA ORIENTAL?
Como apologista cristão, escritor e natural da Índia, Ravi Zacharias viaja pelo mundo apresentando provas da fé cristã. Ele possui um intelecto perspicaz e uma personalidade cativante, o que faz dele uma figura muito querida nos campi universitários.
Recentemente, logo depois de uma apresentação no campus de uma escola norte-americana, na qual apresentou a singularidade de Cristo, Ravi foi criticado por um dos professores universitários por não compreender a lógica oriental. Durante o período de perguntas e respostas, o professor o desafiou:
— Dr. Zacharias, sua apresentação, afirmando e provando que Cristo é o único caminho para a salvação, está errada para as pessoas na Índia porque o senhor está usando a lógica “apenas-ou”. No Oriente, não se usa a lógica “apenas-ou” — isso é ocidental. No Oriente, usamos a lógica “tanto-quanto”. Desse modo, a salvação não é apenas em Cristo ou em nada mais, mas sim tanto por Cristo quanto por outros caminhos.
Ravi achou isso bastante irônico porque, além do mais, ele cresceu na Índia.
Contudo, ali estava um professor norte-americano, nascido no Ocidente, dizendo a Ravi que ele não entendia como as coisas realmente aconteciam na Índia! Aquilo foi tão intrigante que Ravi aceitou o convite do professor de almoçarem juntos, com o objetivo de discutir o assunto com mais profundidade.
Um dos colegas do professor juntou-se a eles no almoço e, enquanto ele e Ravi comiam, o professor usou todos os guardanapos e superfície da mesa para mostrar sua posição sobre os dois tipos de lógica: a ocidental e a oriental.
— Existem dois tipos de lógica — insistia o professor.
— Não, não é esse o sentido — insistia Ravi.
— É exatamente assim como estou dizendo! — sustentava o professor.
Isso continuou por mais de 30 minutos: o professor discursava, escrevia e diagramava. O professor estava tão absorvido em defender sua posição que se esqueceu de comer a sua comida, que estava aos poucos esfriando no prato.
Depois de terminar sua refeição, Ravi decidiu lançar a tática do Papa-léguas para refutar o confuso mas insistente professor. Ele interrompeu-o, dizendo: — Professor, acho que podemos resolver esse debate muito rapidamente, com apenas uma pergunta.
Levantando os olhos de seus rabiscos, o professor fez uma pausa e disse: — Tudo bem, vá em frente.
Ravi se inclinou para a frente, olhou diretamente para o professor e perguntou: — Você está dizendo que quando estou na Índia devo usar apenas — e Ravi fez uma pausa para dar efeito — a lógica “tanto-quanto” ou — outra pausa “nada mais”?
Mais tarde, Ravi comentou conosco que valeu a pena ouvir todas aquelas divagações para, então, poder ouvir as palavras que saíram da boca do professor naquele momento. Depois de olhar timidamente para seu colega, o professor olhou para baixo na direção de sua comida fria e murmurou:
— Realmente a lógica apenas-ou se sustenta, não é? Ravi complementou:
— Sim, até mesmo na Índia nós olhamos para os dois lados antes de atravessar a rua porque sou apenas eu ou o ônibus, nunca os dois!
De fato, a abordagem apenas-ou destaca-se. O professor estava usando a lógica apenas-ou para tentar provar a lógica tanto-quanto, que é o mesmo problema que todos enfrentam quando tentam argumentar contra os primeiros princípios da lógica. Terminam serrando o próprio galho no qual estão sentados.
Imagine se o professor tivesse dito: “Ravi, seus cálculos matemáticos estão errados na Índia porque você está usando a matemática ocidental, em vez de a oriental”. Ou suponha que tivesse declarado: “Ravi, suas fórmulas de física não se aplicam à Índia porque você está usando a gravidade ocidental, em vez de a gravidade oriental”. Imediatamente veríamos a tolice do raciocínio do professor.
De fato, apesar daquilo em que os relativistas acreditam, as coisas funcionam no oriente da mesma forma em qualquer outro lugar. Na Índia, assim como no Brasil, os ônibus machucam quando atingem você, 2 + 2 = 4 e a mesma gravidade mantém todo mundo no chão. Do mesmo modo, assassinato é algo errado tanto lá quanto aqui. A verdade é verdade independentemente de sua nacionalidade. A verdade é verdade a despeito daquilo em que você creia. Assim como a mesma gravidade mantém todas as pessoas no chão, quer elas acreditem quer não, a mesma lógica aplica-se a todas as pessoas, acreditem ou não.
Portanto, o que se quer levantar aqui? A questão é que existe apenas um tipo de lógica que nos ajuda a descobrir a verdade. É aquela construída sobre a natureza da realidade de que não podemos deixar de usá-la. Apesar disso, as pessoas tentarão lhe dizer que a lógica não se aplica à realidade, ou que a lógica não se aplica a Deus, ou que existem diferentes tipos de lógica e assim por diante.[2] Mas, ao dizerem tais coisas, usam a própria lógica que estão negando. Isso é o mesmo que usar as leis da aritmética para provar que a aritmética não é digna de confiança.
É importante notar que não estamos simplesmente fazendo um jogo de palavras aqui. A tática do Papa-léguas usa as inegáveis leis da lógica para expor que muito daquilo que a nossa cultura comum acredita sobre verdade, religião e moral idade são pontos inegavelmente falsos; que aquilo que é uma afirmação falsa em si mesma não pode ser verdadeira, mas que muitas pessoas acreditam nisso. Contradizemos a nós mesmos, colocando-nos em risco.
SER QUEIMADO OU NÃO SER QUEIMADO, EIS A QUESTÃO
A tática do Papa-léguas é muito eficiente porque utiliza a lei da não-contradição. A lei da não-contradição é um princípio fundamental de pensamento autoevidente que diz que afirmações contraditórias não podem ser verdade ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Em resumo, ela diz que o oposto de verdadeiro é falso. Todos nós conhecemos essa lei por intuição e a usamos todos os dias.
Suponha que você encontre, certo dia, um casal na rua — amigos seus. Você pergunta à esposa se é verdade que ela está esperando um bebê. Se ela disser “sim” e seu marido disser “não”, você não diz: “Muito obrigado, isso realmente me ajudou!”. Você pensa: “Talvez ela não tenha lhe contado, ou talvez eles tenham entendido a pergunta errado (ou talvez alguma coisa pior!)”. Existe uma coisa que você sabe com certeza: é impossível que os dois estejam certos! A lei da não-contradição deixa isso bastante evidente para você.
Ao investigar uma questão de fato, incluindo a questão de Deus, aplica-se a mesma lei da não-contradição. Ou os teístas estão certos — Deus existe ou os ateus estão certos — Deus não existe. É impossível que os dois estejam certos. Do mesmo modo, Jesus morreu e ressuscitou dos mortos como a Bíblia afirma, ou isso não aconteceu, como afirma o Alcorão. Um está certo, e o outro está errado.
O fato é que um filósofo muçulmano medieval chamado Avicena sugeriu um método infalível de corrigir alguém que nega a lei da não-contradição. Ele disse que uma pessoa que negue a lei da não-contradição deveria ser espancada e queimada até que admitisse que ser espancado não é a mesma coisa que não ser espancado e que ser queimado não é a mesma coisa que não ser queimado! É um pouco extremo, mas você entendeu!
Enquanto pessoas razoáveis não têm problemas com a lei da não-contradição, alguns filósofos bastante influentes têm negado essa lei de maneira bastante implícita em seus ensinamentos. Talvez as duas personagens mais influentes desse grupo sejam David Hume e Immanuel Kant. Muitas pessoas nem sequer ouviram falar de H ume e Kant, mas seus ensinamentos afetaram profundamente a mentalidade moderna. Por isso é importante que analisemos brevemente cada um deles. Vamos começar por Hume.
O CETICISMO DE HUME: DEVEMOS SER CÉTICOS EM RELAÇÃO A ELE?
Talvez mais do que qualquer outra pessoa, David Hume é o responsável pelo ceticismo comum hoje. Como empirista, Hume acreditava que todas as idéias significativas ou eram verdadeiras por definição ou deveriam estar baseadas numa experiência sensorial. De acordo com Hume, não existe experiência sensorial para conceitos que estejam além do físico e não se deve acreditar em nenhuma afirmação metafísica (aqueles conceitos que estão além do físico, incluindo Deus), pois elas são sem sentido. De fato, Hume afirmou que as proposições só podem ter sentido se satisfizerem uma das duas condições a seguir:
- ·A afirmação verdadeira é um raciocínio abstrato como uma equação matemática ou uma definição (e.g., “2 + 2 = 4” ou “todos os triângulos têm três lados”); ou
- ·A afirmação verdadeira pode ser verificada empiricamente por meio de um ou mais dos cinco sentidos.
Embora afirmasse ser cético, David Hume certamente não era cético em relação a essas duas condições: ele estava absolutamente convencido de que possuía a verdade. De fato, concluiu sua obra Inquiry Concerning Human Understanding com esta afirmação enfática:
Se tivermos em nossa mão, qualquer um livro — de divindade ou metafísica, por exemplo -, devemos perguntar: “ele contém algum raciocínio abstrato .; relativo a quantidade ou números?”. Não. “Ele contém algum raciocínio experimental relativo à matéria e à existência?”. Não. Então, jogue-o no fogo, pois contém apenas sofismas e ilusões.[3]
Você consegue ver as implicações das duas condições de Hume? Se ele estiver certo, então qualquer livro que fale sobre Deus não tem sentido. Você pode até mesmo usar todos os livros religiosos como fonte de aquecimento para sua casa!
Cerca de 200 anos depois, as duas condições de Hume foram convertidas por A. J. Ayer, filósofo do século XX, no “princípio da verificabilidade empírica”. Esse princípio afirma que uma proposição pode ter sentido somente se for verdadeira por definição ou se puder ser verificada empiricamente.
Em meados da década de 1960, essa visão tornou-se a vedete dos departamentos de filosofia das universidades dos Estados Unidos, incluindo a Universidade de Detroit, onde eu [Norm] estudei. Eu mesmo cheguei a assistir a um curso de positivismo lógico, um outro nome para o ramo da filosofia exposto por Ayer. O professor, um positivista lógico, era um espécime raro. Embora afirmasse ser católico, recusava-se a acreditar que era importante falar sobre a existência da realidade além do físico (i.e., metafísica, Deus). Em outras palavras, ele era um ateu confesso que nos dizia querer converter toda a classe ao seu ramo de ateísmo semântico (certa vez eu lhe perguntei: “Como você pode ser tanto católico quanto ateu?”. Ignorando dois milênios de ensinamento católico oficial, respondeu: “Você não precisa acreditar em Deus para ser católico — você simplesmente precisa cumprir as normas!”).
No primeiro dia daquela aula, o professor deu à classe a tarefa de fazer apresentações baseadas nos capítulos do livro Linguagem, verdade e lógica, de Ayer. Eu me ofereci para falar sobre o capítulo que trata de “o princípio da verificabilidade empírica”. Não se esqueça de que esse princípio era o próprio fundamento do positivismo lógico e, portanto, de todo o curso.
No começo da aula seguinte, o professor disse:
— Sr. Geisler, ouviremos o senhor em primeiro lugar. Concentre-se em falar no máximo 20 minutos, de modo que possamos ter tempo suficiente para discussão.
Bem, uma vez que eu estava usando a tática veloz do Papa-léguas, simplesmente não tinha problema algum com a restrição do tempo. Levantei-me e simplesmente disse:
— O princípio da verificabilidade empírica afirma que só existem dois tipos de proposições válidas: 1) aquelas que são verdadeiras por definição e 2) aquelas que são verificáveis empiricamente. Uma vez que o princípio da verificabilidade empírica em si mesmo não é verdadeiro por definição nem pode ser verificado empiricamente, ele não tem sentido.
Falei isso e me sentei.
Havia um silêncio mortal na sala. A maioria dos alunos conseguia ver o Coiote flutuando no ar. Reconheceram que o princípio da verificabilidade empírica não podia ter sentido baseado em seu próprio padrão. Ele autodestruiu-se no meio do ar! Era apenas a segunda aula daquele curso, e o fundamento de todo aquele programa fora destruído! O que mais o professor falaria nas 14 semanas seguintes?
Vou lhe dizer o que ele falou. Em vez de admitir que sua aula e toda a sua perspectiva filosófica eram falsas em si mesmas, o professor suprimiu essa verdade, tossiu, falou sem parar e passou a suspeitar que eu estava por trás de tudo o que dava errado para ele durante todo o semestre. Sua fidelidade ao princípio da verificabilidade empírica — apesar de sua falha óbvia — era claramente uma questão de disposição, e não de pensamento.
Existem muito mais coisas em relação a Hume, particularmente seus argumentos contra milagres, que vamos abordar quando chegarmos ao capítulo 8. Contudo, por ora, a questão é a seguinte: o empirismo de Hume e de seu devoto A. J. Ayer são falsos em si mesmos. A afirmação de que “alguma coisa só pode ter sentido se for empiricamente verificável ou verdadeira por definição” exclui a si mesma porque essa afirmação não pode ser verificada empiricamente e não é verdadeira por definição. Em outras palavras, Hume e Ayer tentam provar muita coisa porque o seu método de descobrir proposições significativas exclui muita coisa. Certamente afirmações que são empiricamente verificáveis ou verdadeiras por definição são significativas. Contudo, tais afirmações não englobam todas as afirmações significativas como Hume e Ayer sustentavam. Assim, em vez de lançar todos os livros sobre Deus “ao fogo” como sugere Hume, é possível que você queira considerar a idéia de usar os livros de Hume para acender a sua lareira.
O AGNOSTICISMO DE KANT: DEVEMOS SER AGNÓSTICOS EM RELAÇÃO A ELE?
Immanuel Kant causou um impacto ainda mais devastador à visão mundial cristã do que o impacto de David Hume. Se a filosofia de Kant está certa, então não existe meio de saber nada sobre o mundo real, nem mesmo as coisas verificáveis empiricamente! Por quê? Porque, de acordo com Kant, a estrutura dos seus sentidos e da sua mente formam todas as informações que vêm dos sentidos, de modo que você nunca pode conhecer a coisa em si. Você apenas conhece alguma coisa para você, depois que os seus sentidos formaram essa idéia.
Para vermos como é isso, olhe através de uma janela para uma árvore. Segundo Kant, a árvore que você acha estar vendo é do jeito que parece ser porque sua mente armazena as informações que você captou em relação à árvore. Você realmente não conhece a árvore em si; apenas conhece o fenômeno que a sua mente categoriza sobre a árvore. Em resumo, você não pode conhecer a árvore em si mesma, mas apenas a árvore apreendida pelos seus sentidos.
Uau! Por que é que as pessoas comuns na rua não duvidam daquilo que vêem com seus próprios olhos, mas que filósofos supostamente brilhantes duvidam? Quanto mais estudamos filosofia, mais nos convencemos do seguinte: se você quer fazer o óbvio parecer obscuro, simplesmente deixe a filosofia entrar em cena!
Todavia, não podemos deixar de estudar filosofia porque, como disse C. S. Lewis, “a boa filosofia deve existir; se não houver nenhuma outra razão, que exista para responder à má filosofia”.[4] A filosofia de Kant é uma filosofia ruim, mas tem convencido muitas pessoas de que existe um espaço que não pode ser vencido entre elas e o mundo real; que não há maneira de obter algum conhecimento confiável sobre o que o mundo realmente é, muito menos sobre o que Deus realmente é. De acordo com Kant, estamos trancados num completo agnosticismo sobre o mundo real.
Felizmente, existe uma resposta simples para tudo isso: a tática do Papaléguas. Kant comete o mesmo erro de Hume: ele viola a lei da não-contradição. Ele contradiz a sua própria premissa ao dizer que ninguém pode conhecer o mundo real, enquanto afirma conhecer alguma coisa sobre ele, a saber: que o mundo real é impossível de ser conhecido! Com efeito, Kant diz que a verdade sobre o mundo real é que não existem verdades sobre o mundo real.
Uma vez que essas afirmações falsas em si mesmas podem desnortear até mesmo as mentes mais perspicazes, vamos olhar para o erro de Kant de outra maneira. Kant também está cometendo uma falácia lógica chamada “nada mais”. Essa é uma falácia porque afirmações do tipo “nada mais” implicam o conhecimento “mais do que”. Kant disse saber que as informações que chegam ao seu cérebro nada mais são do que fenômenos. Mas, com o objetivo de saber isso, precisaria ser capaz de ver mais do que simplesmente o fenômeno. Em outras palavras, com o objetivo de diferenciar uma coisa de outra, você precisa ser capaz de perceber onde termina uma e começa a outra. Por exemplo: se você coloca um pedaço de papel branco em cima de uma mesa preta, a única maneira de dizer onde o papel termina é ver um pouco da mesa que define a borda do papel. O contraste entre o papel e a mesa permite que você veja os limites do papel. Do mesmo modo, com o objetivo de diferenciar a coisa do mundo real daquela que é somente percebida, Kant precisaria ser capaz de ver as duas. Mas é exatamente isso o que ele diz não poder ser feito! Ele diz que apenas o fenômeno da mente pode ser conhecido, e não o número (palavra usada por ele para referir-se ao mundo real).
Se não há maneira de distinguir entre o fenômeno e o número, então você não pode ver em que aspectos eles diferem. E se você não pode ver em que são diferentes, então faz muito mais sentido assumir que eles são a mesma coisa. Em outras palavras, que a idéia em nossa mente representa com precisão as coisas do mundo real.
O que estamos dizendo é que uma coisa pode ser realmente conhecida em si mesma. Você verdadeiramente conhece a árvore que está vendo porque ela está sendo impressa em sua mente por meio dos seus sentidos. Em outras palavras, Kant estava errado: a sua mente não modela a árvore, mas a árvore modela sua mente (pense em um selo de cera: não é a cera que grava o selo, mas é o selo que grava a cera). Não existe um vácuo entre a sua mente e o mundo real. O fato é que os nossos sentidos são nossas janelas para o mundo. Sentidos, assim como janelas, são aquilo por meio do que nós olhamos para o mundo exterior. Eles não são aquilo para o que estamos olhando.
Numa aula de filosofia que eu [Norm] estava lecionando, apontei as falhas da filosofia de Kant dessa maneira. Eu disse:
— Em primeiro lugar, se Kant afirma que não pode conhecer coisa alguma sobre o mundo real (a coisa em si), então como ele sabe que o mundo real existe? E, segundo, sua visão é falsa em si mesma porque ele afirma que não se pode conhecer nada sobre o mundo real, enquanto afirma que ele sabe que o mundo real não pode ser conhecido![5]
Um dos alunos interrompeu-me e disse:
— Não, dr. Geisler, as coisas não podem ser tão simples assim. Você não pode destruir o princípio central dos últimos 200 anos de pensamento filosófico usando apenas algumas frases!
Usando a minha fonte favorita — a revista Seleções de Reader’s Digest — eu respondi:
— É isso o que acontece quando uma linda teoria encontra-se com uma violenta gangue de fatos. Além do mais, quem disse que uma refutação precisa ser complexa? Se alguém comete um erro simples, só é preciso uma simples correção para destruí-lo.
Não existe nada de complexo em relação ao Papa-léguas: ele é simplesmente rápido e eficiente.
HUME E KANT ESTÃO ERRADOS. E DAÍ?
Uma vez que Hume e Kant violam a lei da não-contradição, suas tentativas de destruir todas as verdades “religiosas” fracassam. Contudo, o simples fato de Hume e Kant estarem errados não significa necessariamente que temos provas positivas para, por exemplo, a existência de Deus. A tática do Papa-léguas simplesmente revela que uma proposição é falsa. Ela não dá provas positivas de que qualquer afirmação em particular seja verdadeira.
Portanto, é verdade que existe um Deus teísta? Existe alguma prova cognoscível capaz de nos dar uma certeza plausível quanto a uma opção ou outra? Existe essa coisa de prova cognoscível para um Deus que não pode ser visto? Para responder a essas perguntas, precisamos investigar de que maneira a própria verdade pode ser conhecida.
COMO A VERDADE É CONHECIDA?
Vamos recapitular aquilo que vimos até aqui: a verdade existe e ela é absoluta e inegável. Dizer que “a verdade não pode ser conhecida” é uma afirmação falsa em si mesma porque a própria afirmação afirma ser uma verdade conhecida e absoluta. De fato, todas as vezes que dizemos qualquer coisa estamos deixando implícito que conhecemos pelo menos alguma verdade, porque qualquer posição ou qualquer assunto implica algum grau de conhecimento. Se você disser que a posição de alguém está errada, então você deve saber o que é certo para poder dizer isso (você não pode saber o que está errado a não ser que saiba o que está certo). Até mesmo ao dizer “eu não sei”, você está admitindo que sabe alguma coisa, ou seja, que você sabe que não sabe alguma coisa a mais sobre o tópico em questão, mas não que você não saiba nada sobre nada.
Como alguém pode conhecer a verdade? Em outras palavras, qual é o processo pelo qual descobrimos a verdade sobre o mundo? O processo de descoberta da verdade começa com as leis auto-evidentes da lógica chamadas primeiros princípios. São chamados de primeiros princípios porque não existe nada por trás deles. Eles não são aprovados por outros princípios; são simplesmente inerentes à natureza da realidade e, assim, são auto-evidentes. Portanto, você não aprende esses primeiros princípios: simplesmente sabe que existem. Qualquer pessoa conhece intuitivamente esses princípios, mesmo que não tenha parado para pensar explicitamente sobre eles.
Dois desses princípios são a lei da não-contradição e a lei da exclusão do meio-termo. Já vimos a realidade e o valor da lei da não-contradição. A lei da exclusão do meio-termo nos diz que uma coisa é ou não é. Exemplo: Deus existe ou não existe. Jesus ressuscitou dos mortos ou não ressuscitou. Não há uma terceira alternativa para cada uma dessas afirmações.
Esses primeiros princípios são as ferramentas que usamos para descobrir todas as outras verdades. De fato, sem eles você não poderia aprender nenhuma outra coisa. Os primeiros princípios são para o aprendizado aquilo que os nossos olhos são para a visão. Assim como os nossos olhos devem estar presentes em nosso corpo para que possamos ver, os primeiros princípios devem estar em nossa mente para que possamos aprender alguma coisa. Da concepção desses primeiros princípios é que podemos aprender sobre a realidade e, por fim, encontrar a tampa da caixa do quebra-cabeça que chamamos de vida.
Embora usemos esses primeiros princípios para nos ajudar a descobrir a verdade, sozinhos não podem nos dizer se uma proposição em particular é verdadeira. Para entender o que estamos dizendo, considere o seguinte argumento lógico:
1.Todos os homens são mortais.
2.João é um homem.
3.Portanto, João é mortal.
As leis auto-evidentes da lógica nos dizem que a conclusão — João é mortal — é uma conclusão válida. Em outras palavras, a conclusão necessariamente segue as premissas. Se todos os homens são mortais e se João é um homem, então João é mortal. No entanto, as leis da lógica não nos dizem se aquelas premissas e, portanto, a conclusão, são verdadeiras. Talvez nem todos os homens sejam mortais; talvez João não seja um homem. A lógica por si só não pode dizer nada disso.
Esse ponto é mais facilmente entendido ao olharmos para um argumento válido que não é verdadeiro. Considere o seguinte:
1.Todos os homens são répteis de quatro patas.
2.Antônio é um homem.
3.Portanto, Antônio é um réptil de quatro patas.
No aspecto lógico, esse argumento é válido, m’ todos nós sabemos que ele não é verdadeiro. O argumento é válido porque a conclusão segue as premissas. Mas a conclusão é falsa porque a primeira premissa é falsa. Em outras palavras, um argumento pode ser logicamente correto, mas ainda assim ser falso, porque as premissas do argumento não correspondem à realidade. Assim, a lógica nos leva apenas até aqui. A lógica pode nos dizer que o argumento é falso, mas não pode dizer por si só quais premissas são verdadeiras. Como sabemos que João é um homem? Como sabemos que os homens são répteis de quatro patas? Precisamos de mais informação para descobrir essas verdades.
Obtemos as informações com base na observação do mundo ao nosso redor e, então, tiramos conclusões gerais dessas observações. Ao observar alguma coisa repetidas vezes, você pode concluir que algum princípio geral é verdadeiro. Por exemplo: quando você deixa cair um objeto da mesa repetidas vezes, naturalmente observa que o objeto sempre cai no chão. Se fizer isso uma quantidade suficiente de vezes, finalmente perceberá que existe algum princípio geral em ação, conhecido como gravidade.
Esse método de chegar a conclusões gerais a partir de observações específicas é chamado de indução (que é comumente equiparado ao método científico). Para sermos bem claros, precisamos distinguir a indução da dedução. O processo de dispor-se premissas em um argumento e chegar a uma conclusão válida é chamado dedução. Foi isso que fizemos nos argumentos acima. Mas o processo de descobrir se uma premissa em um argumento é válida geralmente exige a indução.
Muito daquilo que sabemos, o sabemos por meio da indução. De fato, você já usou indução intuitivamente para investigar a verdade das premissas nos argumentos acima, a saber: determinou que, uma vez que todo homem que você observou é um mamífero de duas pernas, então o homem Antônio não pode ser um réptil de quatro patas. Você fez a mesma coisa com a pergunta sobre a mortalidade de João. Uma vez que todos os homens que você viu ultimamente morrem, você adotou a conclusão geral de que todos os homens são mortais, incluindo um indivíduo específico chamado João. Essas conclusões — homens de duas pernas, gravidade e mortalidade humana — são conclusões indutivas.
A maioria das conclusões baseadas na indução não pode ser considerada absolutamente certa, mas apenas altamente provável. Por exemplo: você está absolutamente certo, tem 100% de certeza, de que a gravidade faz todos os objetos caírem? Não, porque você não observou todos os objetos caindo. Do mesmo modo, você está absolutamente certo de que todos os homens são mortais? Não, porque você não observou a morte de todos os homens. Talvez exista alguém em algum lugar que não tenha morri do ou que não vai morrer no futuro.
Desse modo, se as conclusões indutivas não são seguras, podemos confiar nelas? Sim, mas com graus variáveis de certeza. Como dissemos, uma vez que nenhum ser humano possui conhecimento infinito, a maioria das nossas conclusões indutivas pode estar errada (existe uma importante exceção. Ela é chamada de “indução perfeita”, na qual todos os particulares são conhecidos. Por exemplo: “todas as letras desta página são pretas”. Essa indução perfeita dá certeza sobre a conclusão porque você pode observar e verificar que todas as letras desta página realmente são pretas).
Mas mesmo quando não se tem informação completa ou perfeita é possível ter suficiente informação para chegar a algumas conclusões justificáveis na maioria das questões da vida. Por exemplo: uma vez que praticamente já se observou que todos morrem, sua conclusão de que todos os homens são mortais é considerada verdadeira ainda que passível de dúvida. Existe mais de 99% de certeza, mas ela não é absoluta. É preciso ter certo grau de fé mesmo que pouca — para acreditar nisso.[6] O mesmo pode ser dito em relação à conclusão de que a gravidade afeta todos os objetos, e não apenas alguns. A conclusão é praticamente correta, mas não é absolutamente certa. Em outras palavras, podemos ter certeza com uma dúvida justificável, mas não certeza absoluta.
DE QUE MANEIRA PODEM SER CONHECIDAS AS VERDADES SOBRE DEUS?
Por que a observação e a indução interessam à descoberta da existência de Deus? O fato é que a observação e a indução ajudam a investigar a derradeira pergunta religiosa: “Deus existe?”.
Você diz: “Espere um minuto! Como podemos usar a observação para investigar um ser não observável chamado Deus? Além do mais, se Deus é invisível e imaterial como a maioria dos cristãos, judeus e muçulmanos afirma, então de que maneira nossos sentidos podem nos ajudar a reunir informações sobre ele?”.
A resposta é: nós usamos a indução para investigar Deus da mesma maneira que usamos a indução para investigar as outras coisas que não podemos ver, ou seja, observando seus efeitos. Por exemplo: não podemos observar a gravidade diretamente; podemos apenas observar os seus efeitos. Do mesmo modo, não podemos observar a mente humana diretamente, mas apenas os seus efeitos. Desses efeitos, fazemos uma inferência racional quanto à existência de uma causa.
De fato, o livro que você está lendo agora é um caso em questão. Por que assumimos que este livro é efeito de uma mente humana? Porque todas as nossas experiências de observação nos dizem que um livro é um efeito que resulta apenas de alguma inteligência preexistente (i.e., um escritor). Você nunca viu o vento, a chuva ou outras forças naturais produzirem um livro; você viu apenas pessoas fazendo isso. Assim, apesar do fato de você não ter visto ninguém escrevendo este livro, concluiu que ele deve ter pelo menos um autor.
Ao assumir que este livro tem um autor, você está naturalmente colocando juntas a observação, a indução e a dedução. Se fôssemos escrever seus pensamentos de maneira lógica, então se assemelhariam ao seguinte argumento dedutivo:
1.Todos os livros têm pelo menos um autor (premissa baseada na investigação indutiva).
2.Não tenho fé suficiente para ser ateu é um livro (premissa baseada na observação).
3.Portanto, Não tenho fé suficiente para ser ateu tem pelo menos um autor (conclusão).
Você sabe que o argumento é válido por causa da dedução e sabe que o argumento é verdadeiro porque as premissas são verdadeiras (pois foram verificadas por meio da observação e da indução).
Agora surge uma grande pergunta: assim como um livro exige uma inteligência humana preexistente, será que existem efeitos observáveis que parecem requerer algum tipo de inteligência sobrenatural preexistente? Em outras palavras, existem efeitos observáveis que apontam para Deus? A resposta é sim, e o primeiro efeito é o próprio Universo. Uma investigação de seu início é o próximo passo em nossa jornada para encontrar a tampa da caixa.
Mas antes de olharmos para as evidências do início do Universo, precisamos abordar mais uma objeção à verdade, que é: “E daí? Quem se importa com a verdade?”.
E DAÍ? QUEM SE IMPORTA COM A VERDADE?
Às vezes perguntamos aos nossos alunos: “Qual é o maior problema nos Estados Unidos hoje? É a ignorância ou a apatia?”. Certa vez um aluno respondeu: “Eu não sei, e não me importo com isso!”.
Essa resposta resume o problema dos Estados Unidos hoje. Muitos de nós são ignorantes e apáticos em relação à verdade — mas não quando a questão se refere ao dinheiro, à saúde ou a qualquer outro tema tangível que já mencionamos. Nós nos importamos apaixonadamente com aquelas coisas. Mas muitas pessoas são ignorantes e apáticas sobre a verdade na moralidade e na religião (sabemos que você não é, pois está reservando um tempo para ler este livro). Será que as pessoas que adotaram a postura “E daí?” de nossa cultura estão certas ou será que a verdade na moralidade e na religião são realmente importantes?
A verdade é realmente importante. Como sabemos disso? Em primeiro lugar, embora as pessoas possam afirmar que a verdade na moralidade não é importante, elas realmente não acreditam nisso quando alguém as trata de maneira imoral. Afirmam, por exemplo, que mentir não é errado, mas veja só quão moralmente iradas ficam quando você mente para elas (especialmente se a questão estiver relacionada ao dinheiro delas!).
É comum ouvirmos “Isto é a economia, seu estúpido!”. Mas simplesmente pense em como a economia seria melhor se todo mundo dissesse a verdade. Não haveria escândalos sobre malversação de verbas públicas e corrupção financeira. Não haveria pesadas regras governamentais. É claro que a economia é importante, mas ela é diretamente afetada pela moralidade! Está presente em quase tudo o que fazemos. Ela não apenas nos afeta financeiramente, mas, em certas circunstâncias, também nos afeta nos aspectos social, psicológico, espiritual e até mesmo físico.
A segunda razão pela qual a verdade na moralidade é importante é que o sucesso na vida normalmente depende de escolhas morais que uma pessoa faz. Isso inclui escolhas em relação à prática sexual, casamento, filhos, drogas, dinheiro, negócios e assim por diante. Algumas escolhas trazem prosperidade e Outras resultam em ruína.
Terceiro, como destacamos em um livro anterior chamado Legislating Morality [Legislando sobre a moralidade][7] todas as leis são formadas na perspectiva da moralidade. A única pergunta é: “De quem é a moralidade que está sendo usada para legislar?”. Pense sobre isso. Toda lei declara um comportamento como certo e seu oposto como errado — isso é moralidade. A moral idade de quem deveria estar presente na lei nas questões como aborto ou eutanásia? Essas são questões que impactam diretamente a vida e a saúde de pessoas reais. Se é moralmente errado matar pessoas inocentes, será que essa verdade não deveria estar presente na lei? Do mesmo modo, a moralidade de quem deveria estar presente na lei nas questões de políticas públicas que podem afetar sua vida, sua saúde e suas finanças? As coisas que incluímos na lei podem afetar dramaticamente a vida, a liberdade e a busca pela felicidade de todos os cidadãos.
Não há dúvida de que aquilo que acreditamos ser verdade sobre a moralidade atinge diretamente vidas. Será que fez alguma diferença o fato de a Suprema Corte dos Estados Unidos ter acreditado que os negros não eram cidadãos (conforme expresso na decisão do julgamento Dred Scott de 1857), mas propriedade de seus feitores? Fez alguma diferença o fato de os nazistas terem acreditado que os judeus eram inferiores à raça ariana? Faz alguma diferença hoje o fato de pensarmos sobre a situação moral das pessoas em outras categorias raciais ou religiosas? É claro que sim! A verdade na moralidade é importante.
E quanto à verdade na religião? Essa verdade pode nos impactar mais profundamente do que a verdade na moralidade. Um amigo meu [Frank] que é oficial da Marinha percebeu isso lá em 1988, quando eu era recém-convertido.
Naquela época, fomos destacados juntamente com um grupo de aviação da Marinha norte-americana para um país do golfo Pérsico. A guerra entre o Irã e o Iraque estava quase no fim, mas tensões ainda eram altas. Quando se está num lugar estranho e perigoso, tendemos a ponderar sobre a vida e a sua moralidade mais seriamente e com mais freqüência.
Certo dia, estávamos fazendo exatamente isso: falando sobre Deus e sobre a vida após a morte. Durante a nossa conversa, meu amigo fez um comentário que ficou na minha mente naquele dia. Referindo-se à Bíblia, disse: “Eu não acredito na Bíblia. Mas, se ela é verdadeira, então eu estarei encrencado”.
É claro que ele estava certo. Se a Bíblia é verdadeira, então meu amigo tinha optado por um destino eterno nada agradável. De fato, se a Bíblia é verdadeira, então o destino eterno de todo mundo pode ser lido em suas páginas. Por outro lado, se a Bíblia não é verdadeira, então muitos cristãos estão inconscientemente desperdiçando uma grande quantidade de tempo, dinheiro e, em alguns casos, até mesmo da sua vida pregando o cristianismo em ambientes hostis. Seja qual for o caso, a verdade na religião é importante.
Também é importante se outra religião estiver certa. Se, por exemplo, o Alcorão é verdadeiro, então estou em dificuldades eternas assim como meu amigo marinheiro não-cristão. Por outro lado, se os ateus estiverem certos, então nós também podemos mentir, trapacear e roubar para ter aquilo que queremos, porque esta vida acaba aqui e não há conseqüências na eternidade.
Mas esqueça a eternidade por alguns minutos. Considere as implicações temporais dos ensinamentos religiosos ao redor do mundo. Na Arábia Saudita, uma criança está sendo ensinada que judeus são porcos e que os não-muçulmanos (os infiéis) devem ser mortos (embora, felizmente, a maioria dos muçulmanos não acredita que os não-muçulmanos devam ser mortos, militantes muçulmanos ensinam esse tipo de jihad citando diretamente o Alcorão).[8] É realmente verdade que, em algum lugar, existe um Deus chamado Alá que deseja que os muçulmanos matem todos os não-muçulmanos (o que provavelmente inclui você)? Será que essa “verdade” religiosa é importante? Ela realmente o é quando essas crianças crescerem a ponto de poderem pilotar aviões que são jogados sobre prédios e detonarem bombas atadas ao corpo em áreas densamente povoadas. Não seria melhor ensinar-lhes a verdade religiosa que afirma que Deus quer que elas amem o próximo?
Os sauditas podem estar ensinando que os judeus são porcos, mas, em nosso país, por meio de um currículo unilateral de biologia, ensinamos as crianças que realmente não existe diferença alguma entre qualquer ser humano e um porco. Além do mais, se somos meramente o produto de forças cegas da natureza — se não fomos criados por nenhuma divindade, sem nenhum tipo de significado especial -, então não somos nada mais do que porcos com cérebro grande. Será que essa verdade religiosa (atéia) é importante? Ela o é quando as crianças levam a cabo suas implicações. Em vez de bons cidadãos, que vêem as pessoas como seres criados à imagem de Deus, estamos produzindo criminosos que não vêem nenhum sentido ou valor na vida humana. As idéias têm conseqüências.
No lado positivo, Madre Teresa de Calcutá ajudou a melhorar as condições na índia ao desafiar as crenças religiosas de muitas pessoas na cultura hindu. A crença hindu no carma e na encarnação leva muitos hindus a simplesmente ignorar os clamores do sofrimento. Por quê? Porque acreditam que aqueles que estão sofrendo merecem seu castigo por terem feito coisas erradas numa vida anterior. Assim, ao ajudar as pessoas que estão sofrendo, você está interferindo em seu carma. Madre Teresa ensinou aos hindus na índia os princípios cristãos de cuidar das pessoas pobres e sofridas. Será que essa idéia religiosa é importante? Pergunte aos milhões de vidas que ela tocou. Será que os ensinamentos religiosos do carma são importantes? Pergunte aos milhões que estão sofrendo.
O resumo é o seguinte: independentemente do que seja a real verdade em relação à religião e à moralidade, nossa vida é grande mente afetada por ela hoje e, talvez, até mesmo na eternidade. Aqueles que, de maneira arrogante, dizem “E daí? Quem se importa com a verdade na moral idade e na religião?” ignoram a realidade e estão esquiando cegamente sobre gelo fino. É nossa obrigação tanto para conosco quanto para com os outros descobrir a verdade real e, então, agir de acordo com ela. Portanto, vamos começar com a pergunta: “Deus existe?”.
RESUMO
1.As pessoas normalmente obtêm suas crenças proveniente dos pais, dos amigos, da religião de infância ou da cultura. Às vezes, elas formulam suas crenças baseadas apenas nos sentimentos. Embora tais sentimentos possam ser verdadeiros, também é possível que não o sejam. A única maneira de estar razoavelmente certo é testar as crenças por meio das evidências. Isso é feito por meio da utilização de alguns princípios filosóficos sérios, incluin-do aqueles encontrados na lógica e na ciência.[9]
2.A lógica diz que os opostos não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo e no mesmo sentido. A lógica é parte da própria realidade tanto nos Estados Unidos, na Índia, no Brasil ou em qualquer lugar do Universo.
3.Ao usarmos a tática do Papa-léguas, podemos ver que Hume não é cético em relação ao ceticismo nem Kant o é em relação ao agnosticismo. Portanto, suas visões são falhas em si mesmas. É possível conhecer a verdade sobre Deus.
4.Muitas verdades sobre Deus podem ser conhecidas por seus efeitos, os quais podem ser observados. Por meio de muitas observações (indução), podemos chegar a conclusões razoáveis (deduções) sobre a existência e a natureza de Deus (o que vamos fazer nos capítulos seguintes).
5.A verdade na moralidade e na religião tem conseqüências temporais e até mesmo eternas. A apatia e a ignorância podem ser fatais. Você pode não se importar com aquilo que não conhece, mas isso pode ferir você.
6.Então, por que uma pessoa deveria acreditar em alguma coisa? Porque existem evidências que apóiam suas crenças e porque as crenças têm conseqüências.
[1] James SIRE, “Why ShouldAnyone Believe AnythingAt AlI?”, in: D. A. CARSON, ed. Telling the Truth. (Gtand Rapids, Mich.: Zondervan, 2000), p. 93-101 V tb. James SIRE, Why ShouldAnyone Bel’eve Anything At ALI. Downers Grave, m.: InterVarsity Press, 1994.
[2] Certamente, existem a lógica indutiva, a lógica dedutiva e a lógica simbólica, mas todas elas estão baseadas nas mesmas leis fundamentais de pensamento.
[3] Xii, 3 [publicado em português pela Editora da UNESp, Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral.
[4] “Learning in War-Time”, in: The Weight of GLory and Other Addresses. Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1965, p. 50 [publicado em português pela Editora Vida Nova, Peso de gLória].
[5] Naturalmente, de acordo com Kant, podemos saber coisas sobre este mundo fenomenológico pelos nossos sentidos, como as proposições científicas. Kant também afirmava que, embora não 6ssal110~ saber alguma coisa sobre o mundo real (e.g., Deus), todavia podemos postular que existe um Deus e Viver como se ele existisse, embora não possamos saber coisa alguma sobre como ele realmente é’. A isso Kant chamava e razão pratica.
[6] De fato, enfrentamos a maioria das situações da vida — variando do que comemos até quem escolhemos como amigos — por meio da observação e da indução. Por exemplo; não temos uma informação perfeita sobre o líquido que está dentro de uma lata de sopa da marca Campbell imaginamos que é comestível e que não vai nos envenenar, mas não estamos 100% certos disso. Confiamos em nossa experiência anterior de que a sopa Campbell é confiável e presumimos que dentro daquela lata existe realmente sopa Campbell, em vez de veneno. Do mesmo modo, não possuímos informação perfeita sobre o caráter das pessoas com quem possamos nos encontrar. Mas, depois de passar algum tempo com elas, podemos concluir que são pessoas dignas de confiança. Estamos 100% certos? Não, porque estamos generalizando pelo nosso número limitado de experiências. Nossa conclusão pode ser altamente provável, mas não é certa. Esse é o caso de muitas decisões que tomamos na vida.
[7] Eugene, Ore.: Wipf & Stock, 2003 [publicado anteriormente pela Editora Berhany, 1998].
[8] Além do Alcorão (leia você mesmo as suratas 8 e 9), v. Norman GEISLER & Abdul SALEEB, Answering lslam, 2. ed. Grand Rapids, Mich.: Baker, 2002. O apêndice 5 apresenta 20 citações do Alcorão que ou ordenam ou permitem a violência contra os “infiéis”.
[9] Aqueles que discordam da necessidade da lógica para se descobrir a verdade esrão derrorando a si mesmos e provando nossa idéia. Por quê? Porque eles tentam usar a lógica para negar a lógica. Isso é o mesmo que tentar usar a linguagem para comunicar que a linguagem não pode ser usada para comunicar!
Extraído do livro “Não tenho fé suficiente para ser ateu” – Norman Geisler & Frank Turek