Indulgência agora é gratuita. Voltou com João Paulo II e, sob Bento XVI, cresceu para varrer pecados do mundo
– E como milhões de católicos em todo o mundo esperavam, Bento XVI resolveu descascar, sem mais delongas, os maiores abacaxis da Igreja no momento: os escândalos sexuais envolvendo padres e bispos; a falta de coleguismo entre autoridades eclesiásticas; a questão das comunidades onde a escassez de sacerdotes só faz aumentar…Ups! Peguei as anotações erradas.
O que você acaba de ler é o trecho de uma recente entrevista do teólogo suíço Hans Küng ao correspondente de O Globo em Berlim sobre, justamente, os problemas que o papa precisaria enfrentar com determinação e máxima urgência, mas vem evitando fazê-lo. Não por inaptidão ou desídia, mas por seu arraigado conservadorismo.
Bento XVI já trouxe de volta a missa em latim e as orações pela iluminação dos judeus na Sexta-Feira Santa; mês passado indultou quatro bispos excomungados por João Paulo II, entre os quais o britânico Richard Williamson, que há duas semanas negou o Holocausto. O que mais nos reserva o Sumo Pontífice?
“Bento XVI não pode perder tempo reabilitando bispos que são antijudeus e anti-Concílio Vaticano II”, criticou o teólogo. Küng, que foi colega de Bento XVI quando este era um bávaro de batina chamado Joseph Ratzinger e ambos estudavam na Universidade de Tübingen (Alemanha), anda preocupado com os vacilos e maus passos do Vaticano e a consequente perda de credibilidade da Igreja junto a uma parcela considerável de católicos, junto à comunidade judaica e, agora, junto aos luteranos.
Logo os luteranos, dos quais o Vaticano parecia aproximar-se com a intenção de dirimir quase 500 anos de dissensão teológica. Ou será que o papa acredita que os 70 milhões de luteranos espalhados pelos cinco continentes estejam vendo como um gesto conciliatório a volta das indulgências plenárias promovida pela Igreja Católica? Afinal de contas, foi por causa delas que o monge agostiniano Martinho Lutero rompeu com o catolicismo e deu início à Reforma, em 1517.
Nos últimos meses, dioceses de vários países passaram a oferecer a seus fiéis o benefício da indulgência, anistia espiritual há muito recolhida ao baú de relíquias da Igreja. O Concílio Vaticano II (1962-1965) a aposentara com a missa em latim e a dieta de carne às sextas-feiras; sua volta é mais uma prova do poder dos eclesiastas tradicionalistas no Vaticano.
Na verdade, as indulgências fizeram sua rentrée nove anos atrás, com as bênçãos de João Paulo II, como parte das celebrações do terceiro milênio da Igreja. Durante o pontificado de Bento XVI, a quantidade de ofertas aumentou nove vezes. “Ainda há muito pecado no mundo”, justificou um bispo do Brooklyn (Nova York). É uma reação à lavagem cerebral de católicos pela psicologia pop e livros de autoajuda, explicam os teólogos liberais, que consideram a ressurreição do indulto inócua, além de inoportuna por sobrepor-se a avanços doutrinários há tempos reivindicados, como o fim do celibato e a ordenação de mulheres.
Em Hannah e suas Irmãs, o personagem de Woody Allen desiste da ideia de abraçar o catolicismo por não querer “morrer agora e pagar depois”. Se tivesse investigado mais, descobriria que os católicos podem zerar seus pecados antes de bater as botas, e até livrar-se do Purgatório, indo direto para os campos elísios. Foi para isso, aliás, que inventaram as indulgências, parciais e plenárias, extensivas aos mortos em pecado, cuja salvação (ou plantão mais curto no Purgatório) fica a depender, naturalmente, das preces e outras demonstrações de fé dos vivos. Aqui se faz, aqui se pode pagar.
Se bem entendi, funciona assim: o pecador se confessa, se arrepende, comunga, reza para o papa e procura manter-se afastado de toda e qualquer tentação. Nem precisa fazer fila se lhe satisfaz, provisoriamente, uma indulgência parcial (de resto, passível de um upgrade para plenária), já que para a concessão das parciais não há limites de cotas diárias. Já plenárias, só uma por dia é permitida.
A vantagem é que todas as indulgências agora são gratuitas. Tinham um preço quando Lutero rebelou-se contra a cobrança em dinheiro por uma graça que, além do mais, segundo ele, só pode ser concedida pelo Todo-Poderoso. Cobrar pelas indulgências foi um estratagema da Igreja para captar recursos. As Cruzadas custavam uma fortuna e a crença na vida eterna naquela época era quase tão difusa quanto o desejo de alcançá-la. Por seu repúdio ao perdão tabelado e eclesial, Lutero foi excomungado em 1521.
Grátis, as indulgências, especialmente as plenárias, atrairão ao confessionário até pecadores que há décadas não sabem o que é fazer o sinal da cruz. O perigo de se criar uma bolha de indulgências não deve ser descartado. Mas antes que esse e outros transtornos se confirmem, ou até para evitá-los, é preciso esclarecer com quantas orações e penitências tais e quais pecados são abatidos da conta do Purgatório.
Eis uma questão das mais complicadas. Talvez a mais complicada e, sem dúvida, a mais transcendental de todas as dúvidas: como medir (e reduzir) o tempo de permanência de cada pecador no Purgatório se a eternidade é infinita? Se, por hipótese, Daniel Dantas precisar de 1.000 novenas, 4.000 orações para o Papa e 200 peregrinações ao Santo Sepulcro para obter a indulgência plenária, quantas obrigações teria de cumprir o megafraudador internacional Bernard Madoff?
Não precisa quebrar a cabeça comparando os trambiques de cada um deles, pois Madoff, por ser judeu, não tem direito a indulgências da Igreja. Ao contrário do bispo Richard Williamson, que talvez tenha de se penitenciar até o fim dos seus dias – e torcer para não cruzar, no Céu, com Moisés.
Fonte: Sérgio Augusto* – O Estado de S.Paulo
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