As igrejas da África, Ásia e América Latina estão passando por um despertamento em relação a seu desempenho na evangelização mundial. Depois de um século de tremendo impulso evangelístico promovido entre estes povos, ora pelos habitantes naturais do lugar, ora pela assistência de missionários estrangeiros, nos últimos anos estas igrejas estão reconhecendo que o propósito de Deus não é que elas apenas recebam missionários, mas que também os enviem. Por certo, as igrejas na América do Norte e na Europa aprenderão e se beneficiarão com novos modelos e ênfases missionárias que suas igrejas irmãs estão empregando em obediência à direção do Espírito Santo na missão de Deus.
Segundo Larry Patê (From Every People, 1989), até o ano 2.000, as agências missionárias do Terceiro Mundo deverão enviar 162.000 missionários. Comparados aos 136.000 que deverão ser enviados pelas agências missionárias protestantes do Primeiro Mundo (Europa, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia), a influência deles já se tornou uma força muito significativa na evangelização mundial.
Já existem centros de treinamento missionário na Coréia, Índia, Costa Rica, Singapura, Peru e Brasil. Há inúmeras conferências missionárias regionais (só para mencionar alguns grupos: VINDE [Visão Nacional de Evangelização], Visão Mundial, SEPAL [Serviço de Evangelização para a América Latina], Instituto Haggai, Missão Antioquia, CEM [Centro Evangélico de Missões] e cada vez mais igrejas locais, incluindo a Primeira Igreja Batista em Santo André e a Igreja Batista do Morumbi, em São Paulo). Por isso, digo que estamos passando por um despertamento nesta área, o que é muito animador. Sigamos a direção de Deus!
Por outro lado, há muita confusão sobre missões, tanto no nível popular, quanto no acadêmico. Algumas questões, às vezes fundamentais, continuam de lado na hora do debate:
- Ir ou ficar; qual é nosso critério?
- O que é um missionário?
- O que são missões?
- Não há bastante a fazer no Brasil?
- Até que ponto devemos ou não usar modelos “importados”?
Não penso que possamos resolver de uma vez estas questões que a igreja ao redor do mundo debate há séculos, mas discutí-las certamente faz parte da tarefa da igreja brasileira em sua busca de fidelidade e autenticidade à missão de Deus. Aqui, posso apenas traçar e sugerir algumas ideias. Em última análise, somente nos arraigando às Escrituras encontraremos respostas ou indicações que nos orientarão nesta obra tão importante.
Sugerimos Romanos 15.14-21 como uma passagem que nos dá tais perspectivas na vida e no ministério de Paulo. É bom lembrar que Paulo a escreveu quase no fim de sua carreira missionária e que a carta toda é uma análise das polêmicas missionárias que ele enfrentou. Nesta passagem, em poucas palavras, Paulo resume sua experiência missionária até aquela altura.
O AGENTE MISSIONÁRIO: O MELHOR, MAS
AO MESMO TEMPO, UM SERVO
Nesta passagem, o agente missionário é o apóstolo Paulo (ou, em última análise, o próprio Deus — v. 15). Embora, logicamente, Paulo mesmo não diga aqui que ele representa o melhor da liderança da igreja, sabemos disso pelo testemunho de Lucas. Paulo já tivera seu ministério aprovado como um dos mestres e profetas em uma igreja local altamente comprometida com missões — a igreja de Antioquia (At 13.1-3). Que contraste com alguns missionários de menor preparo e talento que, como consequência, em quase todos os sentidos, recebem apoio inferior ao apoio dado ao pastorado! O trabalho missionário exige o melhor da liderança de nossas igrejas.
Ao mesmo tempo, representando o melhor da liderança, o agente missionário entende seu papel não como superior, mas como servo. Paulo, em sua missão entre os gentios, considera-se ministro (leitourgos) ou servo (v. 16) que, à semelhança dos sacerdotes, apresenta uma oferta no altar de Deus. Neste caso, a oferta é a obediência dos gentios a Deus (v. 18). A missão de Paulo é um culto prestado ao Senhor para sua aceitação e santificação. Não há lugar, na presença do Altíssimo, para atitudes de superioridade ou domínio missionário.
O melhor líder possui uma atitude de servo e entende seu serviço missionário como culto e sacrifício prestados a Deus.
O OBJETIVO MISSIONÁRIO: A OBEDIÊNCIA
Paulo descreve o objetivo de seu trabalho missionário com a expressão “conduzir os gentios à obediência” (v. 18). Isto é muito mais do que uma decisão inicial de “aceitar a Cristo”. Inclui o discipulado da igreja até o ponto de obediência por fé (16.26).
Alguns fazem separação entre “conversão” e “discipulado”, sendo o primeiro elemento tarefa de “missões” e o segundo, da “edificação da igreja”. Paulo não fazia tal distinção. Seu objetivo não era levar as pessoas a uma decisão inicial, mas conduzí-las à obediência. Não é este também o objetivo da grande comissão, em Mateus 28.18-20?
OS INSTRUMENTOS DO TRABALHO MISSIONÁRIO:
DECLARAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO
Como Paulo realizou seu trabalho missionário? No final do v. 18, ele diz literalmente: “… por palavra e por obras”. É evidente que Paulo não estabelecia prioridade entre a proclamação do evangelho e sua demonstração por obras. As duas coisas faziam parte integral e inseparável de sua maneira de testemunhar.
O OBJETO MISSIONÁRIO: AS NAÇÕES
Tanto “gentios” quanto “nações” traduzem uma única palavra grega, ethnos. A ideia de ethnos está muito mais próxima da ideia de povos ou grupos étnicos do que países. O objeto com o qual as missões lidam são as diversas etnias. Paulo teve ideia semelhante, e isto se percebe pelo fato de ele ter atuado dentro dos limites de um só governo, o Império Romano, enquanto fazia distinção entre os povos deste império.
Há quarenta anos, alguns líderes eclesiásticos achavam que quase já havíamos evangelizado o mundo, pois apenas quatro países ainda não tinham uma igreja cristã — Nepal, Tibete, Afeganistão e Bangladcsh. Mas aquela observação falhava por entender mal ethnos como país em vez de etnia.
Por isso se fala muito em missões transculturais, em vez de missões estrangeiras, pois as missões não lidam com nações como países, mas como etnias.
A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA: OS NÃO-ALCANÇADOS
Veja bem o lema de Paulo: não onde Cristo já fora anunciado (v. 20). Paulo dava prioridade para os povos que não haviam recebido o anúncio do evangelho. Sua estratégia de trabalho não era tanto geográfica quanto humana ou cultural, no sentido de etnias. Mesmo existindo igrejas fortes numa determinada região geográfica, Paulo “cumpria” o evangelho (tradução literal de “divulgar o evangelho” no v. 19), atingindo lugares onde existiam povos ainda não-alcançados.
Hoje, nosso lema não deveria ser “uma igreja em cada região”, mas “uma igreja entre cada povo”.
O DESEMPENHO MISSIONÁRIO: TUDO DE NÓS, TUDO DE DEUS
Paulo enfatizava a necessidade de todo esforço e resolução para o desempenho de seu serviço. Era seu dever ou encargo (v. 16), seu serviço ou ministério (v. 16), sua ambição e edificação (v. 20), realizados por suas palavras e obras (v. 18). Contudo, este serviço não se resumia a mero esforço humano. O apóstolo afirmou que o poder do Espírito saturava cada etapa (v. 19) e que era Cristo o realizador da obra (v. 18).
Com tal perspectiva, não temos base para a afirmação falsamente “teológica” de que só Deus faz a obra nem para a afirmação falsamente “prática” de que apenas nossas estratégias e esforços realizarão a obra. De novo, o que Deus ajuntou, não o separe o homem! Veja a colocação de Paulo em outro lugar: “… para isso é que também eu me afadigo, esforçando-m e o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim” (Cl 1.29).
O APOIO MISSIONÁRIO: A IGREJA LOCAL
Ao escrever esta carta, Paulo está cultivando um relacionamento com a igreja de Roma (fundada por outrem) com o objetivo de torná-la sua segunda base missionária para a evangelização da região entre a capital do império e a Espanha (15.23-24).
A igreja de Antioquia já fora sua primeira base para a evangelização da região entre Jerusalém e o Ilírico (v. 19), e agora Paulo quer ligação semelhante com a igreja de Roma. É importante ressaltar este ponto, pois, hoje, há muitas organizações missionárias que não procuram uma ligação com as igrejas locais. Não quero dizer que a única organização missionária legítima seja a junta denominacional. Aliás, esta também, frequentemente, não possui uma boa ligação com as igrejas locais!
Tanto as circunstâncias históricas quanto os dados bíblicos não permitem, a meu ver, uma analogia entre a organização missionária flexível e móvel de Paulo com as juntas denominacionais ou com as agências missionárias independentes. Não podemos deduzir isto. Contudo, é possível concluir que Paulo via a importância de ligar seu ministério missionário à igreja local, mesmo quando esta não era fundada por ele. A obra missionária foi estabelecida por Deus, que vocaciona indivíduos no contexto do testemunho da igreja toda. Um trabalho desse tamanho necessita de apoio e direção da igreja.
A RAZÃO MISSIONÁRIA: QUE TODOS OUÇAM ANTES DO FIM
Paulo inicia e conclui esta passagem com citações do Antigo Testamento que prevêem a entrada futura de muitos povos no reino de Deus (w. 9-12, 21). Ele tem consciência de que estas referências estão sendo cumpridas em seu próprio ministério, mas, ao mesmo tempo, reconhece nossa necessidade de esperança na realização final (v. 13). Como Jesus mesmo afirmou, o evangelho deve ser anunciado até o fim (Mc 13.10; Mt 24.14). Esta é a razão missionária da igreja, a pregação do evangelho a todos, antes da chegada do juiz (2 Pe 3.9). A convicção de que Cristo voltaria e a necessidade subseqüente de anunciá-lo a quem ainda não ouvira eram motivações para Paulo, como devem ser hoje para nós, no desempenho da missão de Deus. Sejamos fiéis à sua missão.
Extraído do livro “Missões na Bíblia” – Editora Vida Nova