Partido islâmico no poder em Marrocos ‘foge’ da via egípcia
Nenhum islamita marroquino questiona a posição da Irmandade Muçulmana como o mais influente movimento político islâmico do mundo árabe. O modo como geriu o Egito na Presidência de Mohammed Mursi, porém, serviu de alerta em Rabat.
O Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), que completa dois anos no poder de Marrocos neste mês, vê a Irmandade como um irmão mais velho a quem se deve respeitar, mas também manter certa distância.
Deputado e membro do secretariado-geral do PJD, Abdelali Hamidine disse à Folha que a Irmandade ainda serve como inspiração, embora faça questão de explicar as diferenças que enxerga entre as duas organizações.
“No Egito, eles passaram da clandestinidade e da perseguição sistemática direto para o poder. Houve uma dificuldade natural de tocar a coisa pública. Aqui, tivemos um passado de convivência política até chegarmos ao controle do Parlamento.”
Hamidine se refere à histórica luta dos islamitas egípcios contra regimes militares –fundada em 1928, a Irmandade foi banida durante os quase 30 anos de ditadura de Hosni Mubarak e, após a queda de Mursi, volta a correr esse risco. Nunca houve acordo entre religiosos e seculares.
Em Marrocos, os islamitas conseguiram chegar à via da coexistência. Herdeiro de um movimento islâmico dos anos 60, o PJD nasceu em 1998 e desde então participou de todos os pleitos parlamentares.
Beneficiado pela ascensão de forças islâmicas com os protestos da Primavera Árabe, levou a maioria das cadeiras na eleição de novembro de 2011, antecipada pelo rei Mohammed 6º para aplacar as manifestações populares.
SEM CONFLITO COM REI
O PJD apoiou as reivindicações por reforma política, mas sempre com o cuidado de não bater de frente com a autoridade de Mohammed 6º.
O rei pertence a uma dinastia que governa o país quase ininterruptamente desde o século 17 e é tratada como símbolo nacional. Ele propôs alterações na Constituição (aprovadas em referendo), como a garantia de que o premiê viesse do partido com maioria parlamentar. Já bastou para agradar ao PJD. “A monarquia é responsável pelo caminho democrático de Marrocos e é um fiador das reformas”, disse Hamidine.
Mohammed 6º manteve, porém, prerrogativas como nomear ministros. E, na partilha de poder, os islamitas têm sempre perdido. Na última reforma ministerial, há um mês, o rei colocou pessoas de sua confiança para gerir a economia, a segurança e as relações exteriores.
Na prática, o premiê, Abdelilah Benkirane, tem raio de ação limitado. É o preço a pagar, na opinião de Avi Spiegel, da Universidade de San Diego (EUA): “O PJD apoia o rei há décadas e não estaria no poder hoje se não fosse por isso. São islamitas, mas também muito pragmáticos”.
Segundo o especialista, os marroquinos gostam de dizer: “Olhe o que aconteceu no Egito. Ainda bem que não somos como eles, temos que agradecer ao nosso rei”.
Nem por isso o sistema de islamismo light com um monarca no controle de quase tudo está imune a abalos. “Em algum momento, Marrocos terá de decidir se ser ‘melhor’ que os vizinhos é o bastante ou se realmente vai buscar uma reforma democrática genuína”, afirmou Spiegel.
O jornalista JULIANO MACHADO viajou a convite do seminário “Diálogos do Atlântico”.
Extraído da Folha em 11/11/2013