Ano de 1994, Londres. A freira e médica Maria O’Donohoue, da Missão Médica Santa Maria, concluiu um trabalho de seis anos sobre a Aids no mundo que iria reacender o fogo de uma das questões mais polêmicas para os católicos: o sexo na igreja. “Infelizmente, freiras afirmam que padres as estão explorando sexualmente porque eles temem ser contaminados pelo vírus Hiv em contato sexual com prostitutas e outras mulheres de risco”, escreveu em um dos parágrafos do estudo. O’Donohoue coordenava na época o Fundo Católico Romano para o Desenvolvimento no Exterior (Cafod) e, em fevereiro de 1995, apresentou seu trabalho ao cardeal Eduardo Martínez, diretor da Congregação do Vaticano para as Santas Ordens. A denúncia arrepiou o cardeal, que decidiu investigar mais detalhadamente.
Cinco anos depois, pela primeira vez em sua história, o Vaticano admitiu na terça-feira 20 que os padres estupram freiras, além de cometer outros tipos de abusos sexuais contra mulheres. A mais alta instância da Igreja Católica confirmou a violência sexual por parte do clero, depois de serem divulgados os estudos da freira no jornal italiano La Repubblica e no americano National Catholic Reporter. Segundo o relatório, que começou com uma pesquisa sobre a contaminação da Aids nos países africanos, em 23 países religiosos buscam mulheres, entre elas as irmãs, para realizar os prazeres da carne. A maior parte dos casos aconteceu na África, mas a lista também inclui o Brasil, a Itália, a Finlândia, a Índia e a Irlanda.
Segundo O’Donohoue, o conceito de celibato é bastante “aberto” na África, onde vivem cerca de 12% do um bilhão de católicos do mundo. Durante séculos houve a poligamia nas sociedades africanas e os padres, ao que parece, não conseguem se desfazer desse legado cultural, acreditando que a igreja proíbe o casamento, mas não os impede de ter filhos. A freira-médica diz que resolveu escrever sobre o assunto porque as freiras “fizeram apelos passionais para membros de congregações internacionais mas não foram atendidas”. Um dos maiores escândalos no clero africano aconteceu no Malawi, onde 29 freiras da mesma congregação engravidaram de padres. Em uma outra diocese, 20 freiras que engravidaram foram expulsas, mas os padres continuaram exercendo o sacerdócio.
Contracepção – O Vaticano proíbe a camisinha e condena o aborto e o uso de métodos artificiais de contracepção, mas há padres que encorajam as freiras a interromper a gravidez. “Alguns chegam a recomendar que as freiras usem contraceptivos, iludindo-as ao dizer que as pílulas protegem da transmissão do vírus Hiv”, diz o relato. Em vários hospitais visitados pela freira, foram recolhidos relatos de irmãs constrangidas por terem sido violentadas. Uma jovem islâmica convertida ao cristianismo foi estuprada por um padre antes mesmo de ser ordenada. Depois de entrar para a congregação, ela descobriu que estava grávida. Pediu socorro ao bispo de sua cidade, que resolveu o caso dando um descanso de duas semanas ao padre estuprador. E a jovem não pôde sequer retornar à sua família muçulmana.
Outro estudo feito pela madre superiora da Congregação Africana das Missionárias de Nossa Senhora, Marie McDonald, mostra que freiras são obrigadas a servir sexualmente seus superiores em troca de benefícios. “Em algumas situações, candidatas a seguir a vida religiosa fazem favores sexuais a padres para garantir seus certificados ou recomendações para serem aceitas nas dioceses”, relata o documento.
Katia Mello
Colaborou Valéria Propato
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