O deus da teologia mórmon não é o Deus da Bíblia. Podemos ainda afirmar que o deus da teologia mórmon de hoje não é mesmo deus do Livro de Mórmon. Os mórmons estrebucham quando lhes dizemos isso, e procuram escapulir-se quando são desafiados a justificar o conceito da divindade conforme apresentado nos escritos de seus teólogos mais recentes.
Quando Joseph Smith escrevia o Livro de Mórmon com a ajuda de Oliver Cowdry e Martin Harris (e ainda, segundo desconfiamos, de Sidney Rigdon), Smith e seus companheiros não tinham maior conhecimento dos nomes e atributos de Deus do que o “circunstante médio” de seu tempo.
Havia disponível para eles, no interior da parte alta do Estado de Nova Iorque, pouca exposição bíblica. Os pregadores da região eram os exortadores das reuniões de acampamento, que, eles mesmos, conheciam muito pouco do plano ou da estrutura da Bíblia.
O calvinismo e o arminianismo, a predestinação e o livre arbítrio eram discutidos mais ou menos tão inteligentemente pelos donos de boteco como o eram pelos que tinham pendores religiosos. Mas o ensino da graça de Deus na salvação não era apresentado pelos calvinistas, nem tampouco era praticada, a não ser esporadicamente, a vida santa pelos arminianos.
Experiências emocionais de qualquer espécie eram por muitos consideradas “conversão”. Sonhos e visões eram comuns. Muitos, que desdenhavam dos emocionalistas, aceitavam o batismo com água para remissão dos pecados como o meio de salvação, totalmente inconscientes de que “a remissão de pecados” e a salvação não são idênticas.
Não havia conhecimento do ensino dispensacional: instruções dadas pelos profetas a Israel no Antigo Testamento não se distinguiam dos ensinos de Paulo às igrejas novas na Ásia Menor e na Europa. Uma citação da Bíblia era igualmente válida, fosse da boca de Satanás ou de Isaías. Os bons iam para o céu e os maus para o inferno, de acordo com seu estado na hora da morte.
A nova igreja de Alexander Campbell, os grupos adventistas de William Miller e o espiritismo das Irmãs Fox, todos brotaram desse mesmo solo. Da mesma sementeira saiu também o Livro de Mórmon, com a pretensão de ser uma revelação divina, mas ostentando todos os sinais de falsificação de um jovem ignorante, porém precoce e de imaginação muito viva, Joseph Smith; de seu escriba, Oliver Cowdry, que exercia as duas profissões de professor e ferreiro, e de um agricultor local, Martin Harris, que era de modo geral bem sucedido nos negócios, mas um visionário crédulo em matéria religiosa.
A pessoa da divindade conforme é apresentada no Livro de Mórmon era a do religionário inculto que reconhecia o fato de Deus, conforme apresentado pelos “exortadores”, simplesmente porque não queria aparecer como ateu. Deus era tomado por pressuposto.
No Livro de Mórmon, não se exerceu discernimento algum no emprego dos vários nomes bíblicos de Deus. Usava-se Deus Eterno quando se queria dizer Todo-Poderoso. O Cordeiro era empregado no mesmo sentido que o Messias. O Altíssimo era usado com referência a judeus, e Jeová com respeito a gentios.
Podemos citar os seguintes exemplos dessa falta de coerência. Em Mosias 3:18 (124 A.C.) encontramos: “O sangue expiador de Cristo, o Senhor Onipotente”. Ora, a expressão: “sangue expiador de Cristo” está fora de sequência cronológica em 124 antes de Cristo. O termo grego “onipotente” dificilmente seria usado pelos indígenas americanos em 124 A.C.
Em Nephi, livro primeiro, capítulos 11-14, encontramos o emprego do termo “o Cordeiro de Deus”, com oito variações, por quarenta e seis vezes. Nas Escrituras o termo é usado exclusivamente pelo apóstolo João e estaria completamente fora de sequência cronológica em 600 A.C. É provável que, quando escrevia o Livro de Mórmon, Joseph Smith não possuía a consciência de ter ou deixar de ter, um conceito passível de definição de Deus. Mas, assim que sua novel igreja começou a tomar forma, era necessário que ele desenvolvesse um teísmo apropriado.
Deve ser lembrado que, nessa ocasião, Sidney Rigdon, que fora desligado sucessivamente pelos batistas e pelas novas igrejas de Alexander Campbell, já tinha tomado o partido de Smith. Não existe nenhuma indicação de que Rigdon fosse mais do que um simples teólogo profissional. O que é certo é que seu conhecimento do texto bíblico não se aliava a nenhuma indicação de discernimento espiritual. Não passava de um experimentador religioso que via na nova religião de Smith uma oportunidade para tomar um lugar para si. Sem dúvida alguma, grande parte da nova teologia de Smith, e praticamente toda a fraseologia religiosa dos vários livros, revelam a influência de Rigdon.
Após a publicação do Livro de Mórmon, as ideias de Smith se desenvolveram rapidamente. Um deus completamente antropomórfico apareceu à medida que as Doutrina e Convênios começaram a acumular-se e a Versão Inspirada da Bíblia era preparada. Até completar a Pérola de Grande Valor, o conceito de Smith era de uma pluralidade de deuses. Até o fim de sua breve existência, quando ele proferiu o Discurso King Follett, Deus era um entre muitos deuses, e Adão era o deus deste mundo. Os deuses tinham-se tornado em super-homens, e os homens eram deuses em embrião. Nessa altura, o teísmo de Smith era uma espécie de politeísmo.
Tendo à sua disposição a matéria-prima dos escritos de Smith, foi fácil para os seguidores do profeta — Brigham Young, Orson e Parley Pratt, Orson Hyde, J. F. Smith e outros — desenvolverem as modernas doutrinas não bíblicas dos mórmons sobre a divindade. Os mórmons podem ser inteiramente sinceros na sua crença em seu deus, porém não é o Deus da Bíblia.
Umas poucas amostras do desenvolvimento do teísmo de Smith serão bastante esclarecedoras. Três exemplos do Livro de Mórmon serão suficientes para demonstrar que seu primitivo conceito de Deus não fugia muito da ortodoxia:
“Pois eu sei que Deus não é um Deus parcial, nem um Ser mutável: Mas é imutável de eternidade em eternidade” (Livro de Mórmon, Morôni, 8.18).)
“E Zeezrom disse-lhe: “Tu dizes que há um Deus verdadeiro e vivo?” E Amulek disse: “Sim, há um Deus verdadeiro e vivo.” Agora Zeezrom disse: “Há mais de um Deus?” E ele respondeu: “Não!” (Livro de Mórmon, Alma 11.26-29).
“Pois não lemos que Deus é o mesmo ontem, hoje e eternamente, e nele não há variação nem sombra de mudança? E agora se tiverdes imaginado para vós um deus que varia — então imaginastes para vós um deus que não é um Deus de milagres — Eu vos digo que ele não muda: se não fosse assim, ele deixaria de ser Deus” (Livro de Mórmon, Mórmon 9.8-19).
Temos uma ligeira desconfiança que Mórmon estava “colando” quando, no quarto século A.D., ele pôde citar, palavra por palavra, Hebreus 13.8 e Tiago 1.17 pela tradução inglesa do século 17!
Nas primeiras “revelações” registradas em Doutrina e Convênios, que eram da mesma época da publicação do Livro de Mórmon, o conceito de Deus não tinha sofrido sensível mudança. Lemos:
“Por essas coisas sabemos que há um Deus no céu que é infinito e eterno, desde a eternidade o mesmo Deus imutável” (Doutrina e Convênios, 20.17-18).
“O mesmo imutável Deus, arquiteto do céu e da terra… deu-lhes mandamentos para que o amassem e servissem a ele, o único Deus vivo e verdadeiro” (Doutrina e Convênios, 20.19).
Agora note-se, por contraste, o conceito de Deus conforme declarado nas secções finais de Doutrina e Convênios. As edições de Utah de Doutrina e Convênios contêm apenas uns poucos itens posteriores à morte de Smith. A edição Reorganizada é que continuou apresentando acréscimos. Lemos:
“O Pai tem corpo de carne e ossos, tão tangível quanto o do homem, e o Filho também” (Doutrina e Convênios, 130.22, edições de Utah).
“Então eles serão deuses, porque eles têm todo o poder, e os anjos lhes são sujeitos” (Doutrina e Convênios, 132.20, edições de Utah).
Quando Joseph Smith preparou Pérola de Grande Valor, tinha começado o estudo do hebraico. Não chegou a dominá-lo, porém adquiriu o suficiente para temperar seus escritos e discursos com alusões.
Ficou sabendo que o termo Elohim, pelo qual Deus nos é apresentado em Gênesis 1, é a forma plural e que foi usado por escritores posteriores e por escritores não bíblicos para exprimir a ideia de muitos deuses. Lançou mão desse fato como documentação final que servisse de base para sua doutrina da “pluralidade de deuses.” No “Livro de Abraão” (Pérola de Grande Valor) emprega o termo ‘os Deuses’ para traduzir o hebraico Elohim em sua paráfrase de Gênesis 1.
O passo final para baixo no teísmo de Smith está bem expresso em seu Discurso no enterro do ancião King Follett, proferido em abril de 1844, dois meses antes de sua morte às mãos de uma turba em Carthage, Estado de Illinois.
A Igreja Reorganizada, em sua tentativa para desfazer-se da doutrina do Deus-Adão que afirma rejeitar, tem procurado desacreditar o referido Discurso. Asseveram que foi fabricado pelos seguidores de Brigham Young. Seu caso é um tanto fraco, pois o Discurso foi proferido perante um auditório de 20.000 e foi registrado por quatro escribas: Willard Richards, Wilford Woodruff, Thomas Bullock e William Clayton. O sermão foi proferido em abril de 1844. Smith foi assassinado em 27 de junho de 1844, e o Discurso King Follett foi publicado em 1 de agosto de 1844, na edição de Times and Seasons.
Levando-se em consideração o resultante caos após a morte de Smith, é incrível que o concílio dos doze tivesse tempo ou mesmo a inclinação para fabricar semelhante documento que nada tinha a ver com os estupendos problemas com que se defrontavam naqueles dias.
Os teólogos mórmons têm usado o Discurso King Follett como sendo a última palavra de Smith sobre as doutrinas de Deus e o homem. Os seguintes excertos do Discurso falam por si. O exemplar do Discurso que possuímos é reimpressão autêntica pela Magazine Printing Company, Salt Lake City, Estado de Utah, e foi adquirido por este escritor na Livraria Zion na referida cidade em outubro de 1955.
“Vou inquirir a respeito de DEUS: pois quero que todos vós o conheçais e com ele tenhais intimidade… Reportar-me-ei aos princípios antes de haver mundo, a fim de vos mostrar que espécie de ser é Deus.
Deus era, uma vez, o que somos agora: ele é um homem exaltado e senta-se entronizado lá nos céus… Afirmo, se vós o vísseis hoje, ve-lo-íeis em forma como homem – como vós mesmos em toda a pessoa, imagem e própria forma de homem.
Vou contar-vos como Deus chegou a ser Deus. Nós temos imaginado e suposto que Deus era Deus desde toda a eternidade. Eu refutarei essa ideia e removerei o véu, para que enxergueis.
É o primeiro princípio do evangelho saber-se com certeza o caráter de Deus e saber que podemos conversar com ele como um homem conversa com outro, e que ele era uma vez homem como nós; sim, que o próprio Deus, o pai de todos nós, habitou sobre uma terra, tal como Jesus Cristo o fez.
Que foi que Jesus disse? As Escrituras informam-nos que Jesus disse: “como o Pai tem poder para si, assim também o Filho tem poder” …para fazer o que? Ora, o que o Pai fazia. A resposta óbvia é: de algum modo depor seu corpo e de novo assumi-lo.
Aqui, pois, está a vida eterna: conhecer o único sábio e verdadeiro Deus; e vós precisais aprender como vos tornardes deuses, vós mesmos, e serdes rei e sacerdotes para Deus, tal como todos os deuses que vos precederam, a saber, prosseguindo de um pequeno grau a outro, e de uma pequena capacidade para uma grande; de graça em graça, de exaltação em exaltação, até alcançardes a ressurreição dos mortos e poderdes habitar nos ardores eternos (!), e sentardes em glória, como o fazem aqueles que se sentam entronizados em poder sempiterno”. (King Follett Discourse, p.8-10).
Muitos dos apóstolos de Joseph Smith, principalmente aqueles que seguiram a Brigham Young para o Estado de Utah, têm escrito e feito conferências sobre o conceito de Smith a respeito de Deus, e, embora esses não sejam considerados “inspirados” pela Igreja, são tidos por credenciados. Muito se tem escrito para confirmar as doutrinas de Smith pelos diversos presidentes da Igreja. A presidência da Igreja dos Mórmons traz consigo o poder de receber “revelações” com tanta autoridade quanto os romanistas alegam do papa quando ele fala ex cathedra, de modo que podemos tomar essas declarações como sendo os ensinos autorizados dos mórmons. Eis algumas amostras:
“Pergunta: Existe mais do que um Deus? Resposta: Sim, existem muitos” (Ancião John Jacques, Catechism, 14.13).
“No princípio, o chefe dos deuses convocou um concílio dos deuses; e eles se reuniram e engendraram um plano para criar o mundo e povoá-lo” (Joseph Smith, Journal of Discourses, vol. VI, p.5).
“Lembrai-vos de que Deus, nosso Pai celestial, foi talvez uma vez uma criança, e mortal como nós somos, e elevou-se passo a passo na escala do progresso, na escola da promoção; vem progredindo e vencendo até chegar ao ponto em que agora se acha” (Orson Hyde, Journal of Discourse, vol. I, p.123).
“Os profetas mórmons têm ensinado continuamente a sublime verdade que DEUS, o Eterno Pai, foi uma vez um homem mortal que passou por uma escola terrestre semelhante àquela pela qual nós estamos passando. Ele se tornou Deus: um ser exaltado” (Milton R. Hunter, Gospel Through the Ages, p.104).
“O mormonismo não tem a tendência de rebaixar Deus ao nível do homem, mas de exaltar o homem à perfeição de Deus” (Charles W. Penrose, Millennial Star, vol. 23, p.181).
Essa última declaração seria sem dúvida do inteiro agrado de Satanás, que primeiro criou essa ideia no Jardim do Éden, dizendo à mulher: “Vós sereis como deuses” (Gênesis 3.5).
A palavra mais blasfema de todas, provavelmente, e que alguns apologistas posteriores têm procurado abrandar, é esta expressão de Brigham Young:
“Ouvi-o agora, ó habitantes da terra, judeus e gentios, santos e pecadores. Quando nosso pai, Adão, chegou ao Jardim do Éden, veio com corpo celeste, trazendo consigo a Eva, uma de suas esposas. Ele ajudou a fazer e organizar este mundo. Ele é Miguel, o arcanjo, o Ancião de Dias, a cujo respeito homens santos têm escrito e falado. Ele é nosso Pai e nosso Deus, e o único Deus com quem temos de tratar” (Brigham Young, Journal of Discourses, vol. I, p. 50).
Nessa ocasião Young sem dúvida sentiu-se em terreno seguro, uma vez que essa declaração não passa de comentário das próprias palavras de Smith expressas na Secção 27 de Doutrina e Convênios: “E também Miguel, ou Adão, o Pai de todos, príncipe de todos, o Ancião de Dias”.
Está mais do que evidente que o conceito de Deus por parte de Joseph Smith e seus discípulos tem seguido os moldes da degeneração do conceito gentio de Deus, conforme esboçado por Paulo em Romanos 1.21-26. Essa deterioração na doutrina acompanha moldes correspondentes de degeneração moral. Pode-se notar que nenhum sistema religioso prevê um deus de estatura maior do que as práticas morais de seus adeptos. Não dizemos que o mormonismo tenha descido até o último grau da escala de Paulo, porém afirmamos que se discernem vários passos de declínio.
- — Note-se o que Paulo diz: “Tendo conhecimento de Deus” — que é a situação original da humanidade em sua apreciação correta da natureza de Deus — “não o glorificaram como Deus”.
- — “Tornaram-se nulos em seus próprios raciocínios”. Essa é a primeira sugestão de igualdade entre o pensamento do homem e o de Deus.
- — “Obscureceu-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos”.
- — “Mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível” — é o aparecimento do deus antropomórfico.
- — “Deus entregou tais homens à imundícia”.
Não estamos dizendo que as práticas polígamas dos mórmons estejam no mesmo nível de baixeza das perversões sexuais descritas por Paulo, e praticadas pelos idólatras do paganismo. O que afirmamos é que sua poligamia é ensinada como tendo sentido religioso. O culto ao sexo, tal como se encontrava no baalismo, é apenas mais um passo na escala da deterioração.
Na história das religiões dos homens, pode-se notar sempre que três feições se desenvolvem quase simultaneamente: 1) a noção de um deus antropomórfico; 2) a divinização do homem, e — 3) o desenvolvimento de irregularidades sexuais, geralmente a titulo de atos de culto. É o que Paulo diz na carta aos Romanos, e é a situação do teísmo mórmon.
Os mórmons têm todo o direito de cultuar semelhante deus se assim quiserem; porém, repetimos: Não é o Deus da Bíblia.
Continua…
Por Gordon H. Fraser
Tradução de W. J.Goldsmith