Atos 13.44-48 – As notícias do novo ensino espalharam-se por toda a cidade, graças, sem dúvida, aos gentios que haviam ouvido Paulo na sinagoga, e no sábado seguinte reuniu-se quase toda a cidade para ouvir a palavra de Deus (v. 44). Esse fluxo de multidões encheu os judeus de inveja (v. 45). Isto poderia significar que ressentiam-se do sucesso dos missionários. Um significado mais provável, no entanto, seria que sentiram ciúme de sua posição privilegiada (cp. v. 17). Subiram à tona todas as animosidades entranhadas. Os judeus simplesmente não podiam aceitar um ensino religioso que conduzia a tão grande abertura. Podiam aceitar uma mensagem como vinda de Deus para eles mesmos e seus prosélitos, e tolerar uma pequena mudança em seus ensinos e práticas, mas de modo algum poderiam suportar que os gentios passassem a ocupar a mesma posição do antigo povo de Deus. Assim, “blasfemando, contradiziam o que Paulo falava” (v. 45: “falavam contra o que Paulo estava dizendo e insultavam”, diz o grego; cp. 18:6). Não ficou declarado a quem insultavam, ou contra quem blasfemavam. Talvez fosse Paulo o alvo, ou seus ensinos; quem sabe negavam que Jesus fosse o Cristo (veja a disc. sobre os vv. 38s.).
Por outro lado, os gentios estavam entusiasmados sobre o que haviam ouvido (v. 48), o que pareceu tirar toda dúvida da mente dos dois missionários de que os gentios estavam nos planos de Deus para que “resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo” (2 Coríntios 4:4). Israel havia sido chamado para levar tal luz aos povos, mas Israel, representado por aquela sinagoga na Antioquia da Pisídia, havia rejeitado esse papel (o mesmo verbo, “rejeitar”, encontra-se aqui e em Romanos 11:1, 2), pelo que essa tarefa havia passado à igreja. Tal percepção se expressa em termos de Isaías 49:6 (ligeiramente abreviado), tirado do segundo cântico do Servo. O significado original de Servo é incerto, mas a mais antiga interpretação é que representa Israel, havendo evidências literárias disso (veja a disc. sobre 8:32-35, e também a nota sobre 3:13). Esta é a interpretação adotada por Paulo, com a diferença que ele a aplica à igreja. A igreja deve ser luz dos gentios (v. 47). Que aquele cântico do Servo deva ser interpretado assim, e o outro, o último, como referindo-se ao Messias (veja a disc. sobre 8:32-35 e as notas), pode parecer esquisito, mas o intérprete judeu (e o cristão) não sentiu nenhuma necessidade de ser coerente na interpretação das Escrituras.
Foi necessário, Paulo e Barnabé declararam, que a palavra de Deus fosse pregada primeiro aos judeus (v. 46), porque a promessa havia sido feita primeiramente a eles; de qualquer modo, esse havia sido o padrão estabelecido por Jesus (Mateus 10:5; Atos 1:8; cp. Romanos 1:16; 2:9s.; 11:11). Entretanto, os judeus haviam perdido sua posição privilegiada (cp. Mateus 22:8). De fato, haviam passado julgamento sobre si próprios, ao desviar-se do caminho da vida eterna (a vida da era vindoura, isto é, o reino de Deus; veja as notas sobre 1:3 e 2:17). A partir de agora a palavra de Deus seria pregada aos gentios. Este ponto é repetido com grande ênfase no final do livro, em 28:25-28 (cp. Efésios 2:11-22). Barnabé concordou com Paulo e ambos falaram desse assunto usando de ousadia (v. 46), frente à evidente hostilidade do auditório (veja a disc. sobre 4:13).
Este era um passo decisivo na nova direção em que Deus conduzia sua igreja; para Paulo representava talvez seu amadurecimento como apóstolo aos gentios. Fora-lhe dito logo de início que ele tornaria Deus conhecido dos gentios (9:15), e esses acontecimentos em Antioquia marcam-no de modo definitivo para esse papel. Entretanto, a comissão de Paulo havia incluído também a pregação ao povo de Israel, e em seu coração firmou-se o desejo ardente de que todo o Israel se salvasse (Romanos 9:1-3; 10:1). Jamais Paulo deixou de identificar-se com os judeus. Sempre, em todos os lugares aonde fosse, primeiro ele se dirigia aos judeus; quando uma sinagoga o expulsava ele se dirigia a outra (cp. 18:6; 19:9). Todavia, nenhuma dúvida restara de que Paulo devia pregar aos gentios também. Nessa ocasião houve uma excelente reação da parte dos gentios (talvez fossem “devotos tementes a Deus” em sua maior parte), e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna (v. 48). A idéia de destinação não traz um sentido restritivo. O pensamento não é que Deus havia limitado a salvação a uns poucos, mas que ele a estendera a muitos, contrastando com o exclusivismo judaico. É claro que esta escolha divina não descarta a necessidade da fé pessoal. Na verdade, alguns entendem que o verbo está na voz média, e não na passiva, e traduzem o texto assim: “e tantos quantos destinaram-se a si mesmos [mediante sua reação positiva aos apelos do Espírito] para a vida eterna, creram”.
David J. Williams
Fonte: Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: Atos, pp. 265-267