1ª objeção: Os propósitos de Deus não podem ser frustrados. Se Deus pretendeu, com a morte de Cristo, salvar a todos e nem todos se salvam, segue-se que Seu propósito foi frustrado.
Sproul, em Eleitos de Deus, argumenta: “Os arminianos não têm razão verdadeira para crer que Jesus não morreu em vão. São deixados com um Cristo que tentou salvar a todos, mas na realidade não salvou ninguém.”[1]
Resposta
Se Deus pretendeu com a morte de Cristo realmente salvar, indiscriminada e incondicionalmente, a todos os seres humanos, certamente poderíamos dizer que os propósitos de Deus seriam frustrados, caso todos não se salvassem. Mas Deus enviou Jesus para proporcionar salvação a todos, salvação esta que só é efetiva naqueles que crêem. Jesus veio remover os obstáculos que separavam o homem de Deus, tornando possível a sua salvação. Os arminianos não ensinam tal como expõem os fatalistas.
2ª objeção: A Expiação Ilimitada leva ao Universalismo. Todos aqueles por quem Cristo morreu devem ser salvos.
Resposta
Será que defender que um grupo de pessoas sofrerão tormento eterno tendo Cristo morrido por seus pecados realmente não degrada a morte de Cristo? Não seria melhor adotarmos uma posição contrária para desvencilharmos desses problemas? Antes que defender o que seria melhor ou negar o que soa aviltante, precisamos sustentar o que é bíblico, quer as pessoas gostem ou não.
Devemos, antes de mais nada, analisar se a conclusão apresentada verdadeiramente pode ser aceita: pessoas por quem Cristo morreu realmente devem ser salvas? A resposta a esta pergunta irá depender de como entendemos a natureza da expiação de Cristo. Se a vemos como uma dívida pecuniária, não há dúvida de que todos aqueles por quem Cristo morreu devem ser salvos. Isso, não por uma questão de graça, mas de justiça. Não há, não pode possivelmente haver, graça na liberação de uma dívida pecuniária liquidada. O credor deve, por uma questão de justiça, liberar todos aqueles cuja dívida foi, por ele ou por um representante, paga. Agora, se vemos a expiação de Cristo como o pagamento de uma dívida judicial, como realmente ela é, então esta conclusão não somente pode como deve ser descartada. Deus não está obrigado a aceitar o pagamento de uma dívida judicial. Se Ele aceita, é uma questão de graça, não de justiça. Essa é a grande doutrina da graça de Deus, tão linda e fartamente exarada nas Sagradas Escrituras.
Portanto, os arminianos (e wesleyanos) não precisam ter receio de responder que pessoas por quem Cristo morreu podem perder-se eternamente. Quem deveriam ter vergonha são os fatalistas que, com esta conclusão, eles não apenas infamam a graça de Deus, eles a eliminam por completo. Não há nenhuma graça se todos aqueles por quem Cristo morreu devem ser salvos.
Esta objeção ainda despreza que os benefícios concedidos por meio de uma satisfação penal podem depender de certas condições a serem cumpridas pelo ofensor. O simples fato de Jesus morrer por uma pessoa não a libera automaticamente da condenação. Nascemos, como todo mundo, “filhos da ira” (Ef 2.3). Enquanto não formos justificados, a ira de Deus permanece sobre nós mesmo tendo Jesus morrido em nosso lugar. Que Hodge, ele mesmo um calvinista, invalide esta objeção:
Não existe graça alguma em aceitar uma satisfação pecuniária. Ela não pode ser confundida. Ela libera ipso facto. No momento em que a dívida é paga, o devedor fica livre; e isso sem nenhuma condição. Nada disso procede no caso da satisfação judicial. Se um substituto é providenciado e aceito, é uma questão de graça. Sua satisfação não libera ipso facto. Ela pode resultar em benefício daqueles por quem é feita imediatamente ou em um período remoto; completa ou gradualmente; sob condições ou incondicionalmente; ou jamais poderá beneficiá-los, a menos que atenda à condição sob a qual sua aplicação é suspensa.[2]
Logo após ele ainda acrescenta que todos os homens estão na obrigação de crer em Cristo e, se não o fizerem,“inevitavelmente perecerão a despeito da satisfação feita por todos os seus pecados” (ênfase acrescentada).
3ª objeção: Se Cristo morreu por todos e nem todos se salvam, o sangue de Cristo foi derramado em vão.
Resposta
Em primeiro lugar, o sofrimento de Cristo não foi proporcional ao número de pessoas por quem Ele morreu. Para uma única pessoa ou para toda a humanidade, o sofrimento seria o mesmo. Não haverá o caso de uma parte do sofrimento de Cristo não ser aproveitada, como alguns, esticando esta objeção ao ridículo, sugerem.
Em segundo lugar, mesmo para aqueles que não serão salvos, Cristo não morreu inutilmente. Eles poderiam ter sido salvos, caso não rejeitassem essa oferta graciosa. A Bíblia em nenhum lugar afirma que as pessoas se perdem porque Cristo não morreu por elas, mas elas se perdem por causa da incredulidade, por rejeitarem o que Cristo fez na cruz em seu favor.
Em terceiro lugar, a morte de Cristo por toda a humanidade foi um ato de generosidade da parte de Deus. Muitas pessoas certamente não irão se beneficiar da morte de Cristo, mas a sua recusa não diminui a glória de Deus por ter sido generoso e proporcionado salvação para elas também.
Em quarto lugar, “é inconcebível que a humanidade tivesse a faculdade de multiplicar-se no seu pecado e depravação sem que fossem tomados os passos necessários para a sua salvação.”[3]O fato da humanidade se multiplicar no pecado e depravação é uma prova de que Cristo fez algo a favor do homem, e, mesmo que nem todos se salvam, como se pode dizer que sua morte foi em vão?
Em quinto lugar, alguns benefícios da expiação são condicionais e é de se esperar que nem todos irão cumprir as condições. Mas isto não quer dizer que Cristo morreu em vão, mas que cada um que finalmente perece falhou em cumpri-las.
Em sexto lugar, os fatalistas reconhecem que o objetivo primeiro com a morte de Cristo é manifestar sua glória, e como pode ser dito que a morte de Cristo foi em vão, sendo que a glória de Deus foi manifestada?
4a objeção: Se Cristo morreu por aqueles que vão para o inferno, qual benefício eles têm de Sua morte?
Resposta
Muitos. O próprio fato de estarem vivos é uma prova de que todos os homens foram beneficiados pela morte de Cristo. Tomar conhecimento de que lhes foi proporcionado um Salvador e que a salvação está à sua disposição são outros grandes benefícios. O mesmo se pode dizer daquele que vive sob o Evangelho: muitos benefícios recebe, sendo ou não finalmente salvo. Mas a objeção parece implicar que aqueles que vão para o inferno não recebem benefício salvífico. Sendo este o caso, vamos a outras considerações.
Na época de Moisés, em uma certa ocasião, o povo de Israel murmurou contra Deus. Como castigo, Deus enviou várias serpentes entre o povo e muita gente morreu. No entanto, em Sua misericórdia, Deus também proveu uma serpente de bronze, para que todo aquele que olhasse para a serpente de bronze não morresse.
Então disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente de bronze, e põe-na sobre uma haste; e será que todo mordido que olhar para ela viverá. Fez, pois, Moisés uma serpente de bronze, e pô-la sobre uma haste; e sucedia que, tendo uma serpente mordido a alguém, quando esse olhava para a serpente de bronze, vivia (Nm 21.8-9).
Pergunto: quais benefícios tiveram os israelitas picados pelas serpentes que se recusaram a olhar para a serpente de bronze que Deus lhes proporcionou? Nenhum, obviamente, mas Deus obteve a glória por ser generoso o suficiente para proporcionar livramento para eles também.
Da mesma forma acontece, como já foi dito na objeção anterior, com a morte de Cristo. Um ato de generosidade não é realizado somente quando se tem assegurado um resultado positivo. Os habitantes de Jerusalém não foram ajuntados, como Jesus queria (Mt 23.37); no entanto, mesmo sabendo que não conseguiria (por causa da obstinação do povo), Ele tentou.
A maioria dos fatalistas acredita que o Evangelho deve ser pregado a todas as pessoas, porque, primeiramente, é uma ordenança divina. Sabemos que nem todos que ouvem o Evangelho serão salvos. Quais benefícios esses que perecem terão das boas-novas de Cristo? Nenhum benefício salvífico, certamente, mas o importante é que a glória de Deus foi declarada.
Ainda: os fatalistas alegam que Deus concedeu uma graça comum a todos os homens e que estes, se não resistirem, podem fazer que a graça comum se transforme em graça salvífica. Mas nenhum não-eleito jamais foi beneficiado com a graça salvífica pelo bom uso da graça comum. Independente disso, esta graça é comum a todos os homens.
5a objeção: Quando Jesus morreu, várias pessoas se encontravam há muito tempo no inferno. Não seria ilógico Jesus morrer por elas, sendo que elas já foram condenadas?
Resposta
Da mesma forma poderia ser perguntado: quando Jesus morreu, várias pessoas se encontravam há muito tempo com a vida eterna assegurada. Não seria ilógico Jesus morrer por elas, sendo que elas já foram justificadas? A falha desta objeção é que ela torna o decreto da expiação num decreto temporal, e não eterno. Talvez nem fosse necessário lembrar que Jesus é considerado “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.” (Ap 13.8)
6a objeção: Por que Deus enviaria Jesus para morrer por aqueles que, em Sua onisciência, sabia que não receberiam essa provisão?
Resposta
Por que Deus mandou Noé pregar para pessoas que, em Sua onisciência, sabia que não aceitariam Sua mensagem? Por que Deus graciosamente favoreceu Adão sendo que, em Sua onisciência, sabia que ele não usaria esses dons para o seu próprio bem? Por um simples motivo: Deus é benevolente.
Além disso, esta objeção comete o erro grosseiro de supor que a onisciência de Deus é a regra de suas ações, como se Ele devesse conceder dons aos homens e aos anjos em vista do bom ou mau uso que eles fariam.
7a objeção: Haveria sinceridade da parte de Deus enviar Jesus para morrer por aqueles que Ele nunca pretendeu salvá-los?
Resposta
Haveria sinceridade da parte de Deus ordenar que o Evangelho fosse pregado a toda a humanidade, se Ele nunca pretendeu salvar toda a humanidade? O problema diante de nós é o mesmo e a solução é simplesmente esta: Deus pretende salvar a todos, mas não sem seu arrependimento e fé. Ninguém é dito estar fora da vontade salvífica universal de Deus.
8a objeção: Por que Deus enviaria Seu Filho para morrer por aqueles que Ele criou para condená-los?
Resposta
E quem disse que Deus criou alguém para condená-lo? Deus não criou o homem para salvá-lo ou condená-lo, mas para a Sua glória.
9a objeção: As Escrituras apontam uma limitação muito definida quando falam daqueles por quem Cristo entregou Sua vida. Esses são freqüentemente chamados de “Suas ovelhas,” “Sua Igreja,” “Seu povo,” conforme Mt 1.21; Mt 20.28; Mt 26.28; Jo 10.15; Jo 15.13; Ef 5.23-26.
Resposta
Ela dará à luz um filho, a quem chamarás JESUS; porque ele salvará o seu povo dos seus pecados (Mt 1.21).
Os fatalistas acreditam que o verso faz referência aos eleitos, tratados aqui como “seu povo,” mas Mateus provavelmente está falando da nação de Israel. A nação de Israel é tratada por Deus como “meu povo,” algo que uma concordância bíblica pode confirmar. Mas qual defensor da Expiação Limitada acredita que a nação de Israel é o único objeto da expiação de Cristo?
Assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos (Mt 20.28).
Pois isto é o meu sangue, o sangue do pacto, o qual é derramado por muitos para remissão dos pecados (Mt 26.28).
Jesus não está constrastando “muitos” com “todos,” mas “muitos” com “poucos.” Ele deu sua vida em resgate de muitos, não poucos. O mesmo contraste é visto em Rm 5.15, onde Paulo diz que, pela desobediência de Adão, morreram muitos. O apóstolo claramente não quis dizer que morreram muitos e não todos, mas muitos e não poucos. Afinal, as conseqüências do pecado de Adão sobreveio sobre todos, sem exceção.
Calvino foi perspicaz o suficiente para perceber isso. Ele comenta sobre Mt 20.28:
A palavra muitos não é colocada definidamente para um número fixo, mas para um número amplo; pois ele contrasta a si mesmo com todos os outros. E neste sentido é usado em Rm 5.15, onde Paulo não fala de qualquer parte dos homens, mas abrange toda a raça humana.[4]
Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos (Jo 15.13).
Vós, maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela(Ef 5.25).
Quanto a Jo 15.13, há várias razões pelas quais essa passagem não favorece a doutrina da Expiação Limitada:
1) Jesus não está falando da extensão da expiação, mas da medida do amor de Cristo, como pode ser notado dos versos 9 ao 13. O amor é o tema central aqui. Se algo pode ser provado por este verso, não é que a expiação é limitada, mas que Jesus ama imensamente Seus apóstolos.
2) Jesus está utilizando uma ilustração para falar do Seu imenso amor pelos apóstolos e é consenso que uma doutrina que se apóia apenas em ilustrações tem uma base muito frágil.
3) A referência não é diretamente a Jesus mas a “alguém” (“Ninguém tem maior amor do que este, de daralguém a sua vida pelos seus amigos” v. 13). Jesus diz que uma pessoa que morre pelos seus amigos demonstra um enorme amor por eles, o maior exemplo de amor concebível entre os seres humanos. Ele contrasta, implicitamente, esta maior demonstração de amor entre os homens com a Sua iminente demonstração de amor, ainda maior, quando haveria de entregar a Sua própria vida pelos apóstolos, uma vez que, obviamente, o amor que Jesus estava para demonstrar na cruz era infinitamente maior ao que alguém poderia demonstrar morrendo pelos seus amigos, pois não foi quando éramos Seus amigos mas quando éramos Seus inimigos que Jesus morreu por nós (Rm 5.10). Em Jo 15.13 não caberia dizer “inimigos,” pois, como a referência não é a Ele próprio, mas a alguém, dificilmente Jesus diria que alguém doaria sua vida pelos seus inimigos, visto que jamais um ser humano morreria pelos seus inimigos. Entretanto, como diz o apóstolo Paulo, “poderá ser que pelo homem bondoso alguém ouse morrer” (Rm 5.7).
4) Jesus está personalizando Seu amor pelos apóstolos. Mesmo se o verso estivesse falando da expiação, ele não traria nenhum problema para quem sustenta que Jesus morreu por todos, pois é natural, quando nos dirigimos a um grupo de pessoas, personalizarmos algo que também é comum a outros. Mesmo amando toda a nossa família, é comum, em certas ocasiões, particularizarmos esse amor por um membro específico, sem, contudo, implicar que não amamos os demais.
5) Os “amigos” de Jesus são seus apóstolos, não os “eleitos,” como os versos subseqüentes evidenciam. Se este verso serve de base para a doutrina da Expiação Limitada, ele é mais limitado do que gostariam seus defensores.
Em Ef 5.25, os maridos são orientados a amar as suas mulheres na mesma medida que Cristo amou a Sua igreja, a ponto de morrer por ela. Paulo não está ensinando que a expiação é limitada – a extensão da expiação sequer está em vista aqui! – mas que os maridos devem amar suas mulheres sacrificialmente. Este verso não mais ensina que Cristo morreu apenas pela igreja do que ensina que os maridos devem amar apenas suas mulheres.
Jesus (Jo 15.13) e Paulo (Ef 5.25) não estão querendo impor limites à expiação, mas estão declarando que o amor de Cristo pelos Seus é imenso. Nos dois versos, o que está em vista é o amor de Cristo, não a expiação.
Assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; e dou a minha vida pelas ovelhas (Jo 10.15).
Aqui também Cristo não está falando da extensão da expiação. Ele está contrastando a atitude do mercenário, que é abandonar as ovelhas tão logo vir o lobo, com a atitude dele, de dar a sua vida por elas. O que Jesus está querendo provar aqui é que Ele tem cuidado pelas Suas ovelhas, não que a expiação é limitada.
Portanto, nenhum desses versos apresentados pelos fatalistas impõe qualquer limitação à extensão da expiação.
10a objeção: Jesus, em Jo 17, rogou unicamente pelos crentes, e seria impensável que Ele tivesse morrido por aqueles pelo quais Ele não intercedeu.
Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus (Jo 17.9).
Berkhof pergunta: “Por que limitaria Ele a Sua oração intercessória, se de fato pagou o preço por todos?”[5]
Resposta
Não há por que negar que a intercessão de Cristo por nós está intimamente ligada à expiação. É porque Cristo morreu por nós que Ele pode interceder a nosso favor. Mas disso não segue que, visto que esta intercessão (em Jo 17) foi restrita, a extensão da expiação também o é. Quatro pontos negligenciados pelos fatalistas são suficientes para responder esta objeção:
1 – Distinção entre o que é potencial e o que é de fato.
Dizer que Deus proveu salvação em Cristo para toda a humanidade não é o mesmo que dizer que Deus salvará toda a humanidade. João diz que Jesus é o “Salvador do mundo”(1Jo 4.14), mas isso não quer dizer que Ele irá salvar todo o mundo, mas que, potencialmente, Ele é o Salvador de todo o mundo. Qualquer um que for a Cristo tem a promessa de ser bem recebido e obter a vida eterna. Qualquer fatalista acredita que a morte de Cristo lança as bases para a oferta genuína do Evangelho. Logicamente, esta oferta inclui a promessa de que, qualquer um que for a Cristo, será intercedido por Cristo em seu favor perante o Pai. Disto infere-se, também, que Cristo, potencialmente, é um sacerdote proporcionado para toda a humanidade. Novamente, não que Ele, de fato, intercede continuamente pelos pecados de toda a humanidade, mas que toda a humanidade tem a promessa de tê-lo como intercessor, bastando que se arrependa e creia. Até mesmo os escolhidos de Deus não têm Cristo como intercessor antes de terem-no recebido como Salvador.
2 – A intercessão em Jo 17 é para os crentes.
Jesus claramente está fazendo uma intercessão em favor dos crentes, não meramente em favor dos eleitos,como tais. A intercessão de Cristo é para que os seus discípulos e “aqueles que… hão de crer” (v. 20) nele, “sejam um,”(vv. 11, 21-22), para que Deus “os livres do mal,” (v. 15) santifique-os “na verdade” (v. 17), e para que “sejam perfeitos em unidade” (v. 23). Cristo não está intercedendo a Deus para que os “eleitos” possam crer, mas pela unidade, preservação e santificação dos crentes.
3 – A natureza da intercessão.
Como pôde ser visto, a intercessão de Cristo foi específica, para a unidade dos crentes. Certamente não poderia incluir toda a humanidade, pois como poderia Cristo rogar ao Pai para ser perfeito em unidade com aqueles que O rejeitam? Portanto, a limitação da intercessão se deve, não a alguma limitação na extensão da expiação, mas à natureza da intercessão.
4 – Não se diz que Cristo nunca tenha intercedido pelos réprobos.
Não é porque Cristo fez uma oração específica em favor dos crentes, que Ele nunca pode ter intercedido em favor de todo o mundo. Mesmo se não houvesse nenhum registro de alguma intercessão de Cristo em favor dos réprobos, não provaria que Ele nunca tenha intercedido por eles. Mas Jesus rogou até mesmo pelos Seus assassinos:“Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” (Lc 23.34) Não há nenhuma evidência de que todos que O assassinaram foram salvos. Jesus orou para que incrédulos pudessem crer: “Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste.” (Jo 11.42) Certamente no meio daquela multidão havia quem nunca iria crer nele. Jesus também lamentou pelo povo de Jerusalém: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” (Mt 23.37)
Portanto, não há nada que nos leve a crer que a extensão da expiação seja limitada com base em Jo 17.
11a objeção: Uma Expiação Universal, se não salva todos por quem ela foi pretendida, deixa para o homem acrescentar uma obra à obra completa de Cristo na cruz.
Resposta
Essa objeção é facilmente respondida, esclarecendo que a fé não é acrescentada à obra expiatória de Cristo, mas é o meio pelo qual os benefícios da cruz são aplicados à vida de uma pessoa. A fé é necessária para a salvação individual e não para aperfeiçoar a obra de Cristo. Pode-se argumentar que a fé é um dos benefícios comprados por Cristo na cruz, mas isso é debatível. As Escrituras não tratam a fé como um benefício comprado, mas como um dom divinamente conferido aos homens para, através dela, receberem os benefícios da cruz.
Os fatalistas são unânimes em afirmar que aos não-eleitos é dada oportunidade de salvação, e que os benefícios da cruz podem ser aplicados a eles, contanto que se arrependam e creiam no Evangelho. Se tomarmos a fé como uma obra acrescentada à cruz, como faz esta objeção, chegamos ao absurdo de dizer que Deus está oferecendo aos não-eleitos uma salvação pela graça (pelos méritos de Cristo) mediante uma obra de sua parte. Isso, logicamente, seria contraditório.
12a objeção: Se a aplicação dos benefícios da morte de Cristo está condicionada a um ato de fé do homem, a expiação poderia ter terminado num fracasso.
Ou, como Sproul diz:
“Se o homem está verdadeiramente morto no pecado e preso no pecado, uma mera expiação potencial ou condicional não somente pode ter acabado em fracasso, como muito certamente teria acabado em fracasso.”[6]
Resposta
Com esta objeção, Sproul subestima (ou desconsidera) tanto a atração do Espírito Santo quanto a onisciência divina. A atração do Espírito Santo, porque ele não acrescenta que “mortos em pecados” podem, pelo Espírito, ser levados a crer e ser salvos. E a onisciência divina, porque ele pressupõe que Deus arquiteta um plano sem previamente conhecer o seu resultado. Deus não planejaria algo sabendo que seria o maior fracasso da humanidade.
13ª objeção: A expiação não é ilimitada, considerando que Cristo não morreu pelo diabo e seus anjos.
Roger Nicole, em um artigo intitulado The Case for Definite Atonement, falando dos defensores da Expiação Ilimitada, argumenta:
“… mesmo em sua concepção, o amor de Cristo não é ilimitado, visto que ele não abrange os anjos caídos (Hb 2.16). Assim, em qualquer caso todas as criaturas que necessitam de redenção não são incluídas.”
Em outras palavras, ele está dizendo que, visto que não houve expiação para os anjos que pecaram, de qualquer forma a expiação feita por Cristo é limitada.
Resposta
Para responder essa objeção é preciso levar em consideração que:
1 – Cristo não poderia ter morrido pelos anjos que pecaram. Isto porque Ele precisaria ter a mesma natureza daqueles por quem Ele faria expiação, e os anjos não são humanos.
2 – O fato de Jesus ter proporcionado expiacão para os homens e não para os anjos não implica que Ele ama os primeiros mas não os últimos. Isso, aliás, nem seria possível: o amor de Deus não é caprichoso. Além disso, ninguém sabe quão graciosamente Deus dotou os anjos para que eles não pecassem, não tendo nenhuma obrigação de agir assim. Enfraquecer o amor divino por total desconhecimento do que Deus pode ter feito por eles é uma conclusão precipitada, além de injusta e desonrosa a Deus.
3 – Os anjos caídos pecaram na maior luz que Deus já proporcionou às Suas criaturas, e, ainda por cima, em estado de glória. Sua natureza não se compara com a nossa natureza caída, nem mesmo com a de Adão, antes da Queda. Eles estavam em contato com Deus, como nenhum ser humano jamais esteve. O pecado que eles cometeram muito provavelmente foram considerados por Deus como imperdoáveis.
Portanto, o fato de Jesus não ter morrido pelos anjos, concluo, não é porque Deus não amou os anjos que pecaram, nem foi porque Ele decidiu arbitrariamente limitar a expiação aos humanos. Deus não proporcionou expiação aos anjos porque simplesmente não há expiação para pecados imperdoáveis!
14a objeção: Se Cristo morreu por todos os pecados, incluindo o da incredulidade, não há nenhum pecado pelo qual aqueles por quem Ele morreu podem sofrer punição.
Owen argumenta:
“Deus impôs a sua devida ira, e Cristo suportou as dores do inferno por todos os pecados de todos os homens, ou por todos os pecados de alguns homens, ou por alguns pecados de todos os homens. Se este último for correto, alguns pecados de todos os homens, isso significa que todos os homens têm alguns pecados pelos quais têm de responder a Deus, e, portanto, nenhum homem será salvo. Se a segunda opção for correta (o que nós afirmamos), isso significa que Cristo sofreu por todos os pecados de todos os eleitos no mundo. Se a primeira é correta, por que, então, todos os homens não se encontram livres da punição de todos os seus pecados? Você dirá: Por causa de sua incredulidade, eles não crêem. Mas esta incredulidade é pecado ou não? Se não é, por que eles devem ser punidos por sua causa? Se esta incredulidade é pecado, Cristo sofreu a punição devida a ela, ou não? Se Ele sofreu, então, por que esse pecado os impede, mais do que quaisquer outros pecados pelos quais Cristo morreu, de participar dos benefícios da morte dEle? Se Cristo não sofreu por esse pecado, isto significa que Ele não morreu por todos os pecados deles.” (The Death of Death in the Death of Christ)
Resposta
Em outras palavras, Owen está dizendo que, se Cristo morreu por todos os pecados de todos os homens, incluindo o pecado da incredulidade, então todos serão salvos, visto que não há nenhum pecado pelos quais eles podem ser condenados; como todos não são salvos, então Cristo não morreu pelo pecado da incredulidade de todos, conclui. Sua lógica parece perfeita.
Owen não está falando do pecado da incredulidade diária, que até mesmo os crentes experimentam antes de ser levados à fé, mas do pecado da incredulidade final, daquela revolta contra Deus que os impenitentes obstinadamente nutrem até sua morte. Owen falha em sugerir que Cristo morreu pelo pecado da incredulidade final. É um erro pensar que Cristo perdoa pecados pelos quais não houve arrependimento. Qualquer um pode ser perdoado de sua incredulidade, contanto que se arrependa de seus pecados e creia em Cristo, mas ninguém que morre na incredulidade se arrepende de seus pecados, e não podem, portanto, ser perdoados.
Se Cristo tivesse morrido pelo pecado da incredulidade final, então certamente não haveria nenhum pecado pelo qual poderíamos ser condenados, e alguém poderia morrer na incredulidade e ser salvo, o que é absurdo.
Dizer que Cristo não morreu pelo pecado da incredulidade final não significa que Cristo não morreu por todos os nossos pecados mas que o pecado da incredulidade final é um pecado de natureza imperdoável. Cristo não poderia morrer por ele, mais do que poderia morrer pelo pecado da blasfêmia contra o Espírito Santo.
A lógica de Owen, na verdade, não passa de uma distorção do ensino das Escrituras, apesar de aparentemente lógica e de ter seduzido muitos fatalistas.
15a objeção: A Expiação Ilimitada limita a eficácia da morte de Cristo.
Os fatalistas acreditam que, se universalizarmos a extensão, limitamos a eficácia da expiação. Se alguns daqueles por quem Cristo morreu perecer, a morte de Cristo não foi eficaz.
Resposta
Primeiramente, esta objeção envolve o equívoco de pensar que todos por quem a expiação foi proporcionada devem ser salvos. Mas, como vimos, a liberação da condenação pode depender de certas condições que o pecador deve cumprir. A expiação feita por Cristo não é uma quitação de um débito pecuniário no qual, saldando-se o débito, o devedor está automaticamente liberado. Ninguém foi liberado da condenação no dia em que Cristo morreu pelos seus pecados.
Em segundo lugar, a morte de Cristo tem eficácia extrínseca. Uma pessoa pode morrer recusando-se a tomar um remédio gratuitamente oferecido para curar sua doença, mas sua recusa não limita a eficácia do remédio. Obviamente que, se uma pessoa se recusa a tomar um remédio, esse remédio não terá qualquer efeito sobre ela, e isso não porque o remédio é ineficaz mas porque ela obstinadamente se recusa a tomá-lo. Se tomasse o remédio, ela certamente seria curada. Ao analisar a doutrina da Expiação Ilimitada, os fatalistas indevidamente colocam a culpa da perdição dos pecadores numa suposta ineficácia da morte de Cristo, quando deviam culpar a incredulidade deles.
16a objeção: Objeta-se que os defensores da Expiação Ilimitada provocam uma desordem na Trindade. O Pai elege alguns, o Filho morre por todos, e o Espírito Santo concede os dons da fé e do arrependimento somente a alguns.
Resposta
Desordem haveria se Deus elegesse todos para salvação, Jesus morresse apenas por alguns e, finalmente, todosfossem salvos, mas vamos analisar detidamente esta objeção.
Na verdade, a suposta desordem deriva do fato de que esta objeção isola aspectos de cada uma das três Pessoas da Trindade, provocando uma certa confusão, que não é reconhecida como tal pelos autores sagrados. É certo que Deus elegeu somente alguns para salvação, mas é também certo que o Seu amor envolve toda a humanidade (Jo 3.16), que Ele quer que todos sejam salvos (1Tm 2.4), que Ele comanda Seus discípulos a não deixar ninguém sem conhecimento do Evangelho, e que todos, sem exceção, tem a promessa de vida eterna com base na morte de Cristo, desde que creiam em Cristo para salvação (Mc 16.15; Jo 20.31). Jesus morreu por todos, ainda que Deus tenha elegido somente alguns. Isso porque a Bíblia coloca o amor de Deus pela humanidade como a razão pela qual Ele envia o Seu Filho (Jo 3.16; Rm 5.8; 1Jo 3.16; 1Jo 4.9, 10). Em lugar nenhum as Escrituras revelam que a expiação de alguma forma se subordina à eleição feita pelo Pai. E o amor misericordioso de Deus, por todos, não se confunde com Seu amor eletivo, por alguns. Além disso, Jesus não morreu para que todos, sem qualquer condição, fossem salvos, mas Ele concede oportunidade de salvação a todos, através de Sua morte, de forma que, somente participam de seus benefícios aquelesque O recebem (Jo 1.12). E, finalmente, apesar do Espírito Santo conceder dons específicos aos cristãos, listados em 1Co 12, Ele também veio para convencer “o mundo do pecado, e da justiça e do juízo” (Jo 16.8).
Certamente se embaralharmos as variadas atuações de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, especificamente, em relação à Igreja, ou universalmente, em relação a toda a humanidade, iremos criar uma desordem, mas isso em virtude de nossas próprias especulações, e não porque as Escrituras admitem, ensinam ou implicam.
17ª objeção: As Escrituras falam da expiação como efetuando a salvação e não meramente tornando-a possível.
Se, como dizem os arminianos, a expiação meramente tornou a salvação possível, então a salvação efetuada por Cristo não seria completa, e estaria dependendo de certas ações dos homens para completá-la. Mas as Escrituras dizem que a obra de Cristo está consumada (Jo 19.30).
Em resumo, o que os fatalistas estão dizendo é que Cristo realmente nos redimiu, nos resgatou, fez propiciação por nós, nos reconciliou. Ele não apenas proporcionou a possibilidade de sermos salvos. A cruz definitivamente salva.
Resposta
Primeiramente, é normal falar de uma ação realmente efetuando algo que, na verdade, somente foi pretendida efetuar, desde que satisfeitas certas condições. Há certamente uma falácia na crença de que, porque nenhuma condição é citada, nenhuma condição há. Além disso, algumas passagens citadas em apoio a esta idéia claramente colocam a fé como condição para a obtenção dos benefícios da expiação (como, por exemplo, Rm 3.24, 25).
Em segundo lugar, esta objeção parece confundir provisão com aplicação. Se, como dizem osfatalistas, Cristo realmente nos redimiu, nos resgatou, fez propiciação por nós, nos reconciliou, e que, como conseqüência indisputável, nossos pecados foram totalmente apagados na cruz de Cristo, então nunca os escolhidos de Deus poderiam ser ditos nascer “filhos da ira” (Ef 2.3), pois não haveria nenhum pecado pelo qual Deus poderia estar irado com eles. Como as Escrituras claramente nos revelam que todos igualmente nascemos filhos da ira, deve haver uma insuficiência, não na expiação feita por Cristo, mas nesta objeção.
Além disso, a conseqüência desagradável desta objeção aos fatalistas é que, se a expiação está completa antes de ser aplicada, e ela foi proporcionada apenas para os eleitos, então nunca poderia ser dito que a expiação é suficiente para todo o mundo, como tanto insistem. Uma suficiência na morte de Cristo só poderia ser defendida se a expiação for vista como uma provisão e não como uma realização consumada antes de ser aplicada.
Shedd aponta a falha desta objeção: “A suposição de que a satisfação objetiva da justiça por Cristo salva de e por si mesma, sem qualquer aplicação dela pelo Espírito Santo, e qualquer confiança nela pelo homem, negligencia o fato que, enquanto o pecado se assemelha a um débito pecuniário, como é ensinado na petição, ‘Perdoa as nossas dívidas,’ difere dele em duas particularidades importantes.”[7]Shedd prossegue dizendo que a satisfação feita por Cristo pelos nossos pecados ainda carece, primeiro, de ser aceita por Deus e, segundo, de o pecador se confessar e se arrepender do pecado pelo qual a expiação foi feita, e confiar na própria expiação.
Em terceiro lugar, algumas passagens que falam da expiação abrangem, não apenas os eleitos, mas todo o mundo.
E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo(1Jo 2.2).
E tudo isto provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação; isto é, Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação (2Co 5.18, 19).
Há uma distinção clara, no primeiro verso, entre nossos pecados e os pecados de todo o mundo e, no segundo, entre as frases nos reconciliou e reconciliou o mundo. Se estas passagens estiverem falando de toda a humanidade, como parece ser o caso, a afirmação de que a expiação não apenas torna a salvação possível mas de fato salva, seria insustentável sem que se estivesse incluída a idéia de uma salvação universal. Aliás, foi esta mesma alegação, de que a expiação está completa antes de ser aplicada, aliada ao fato de que há vários versos que claramente estendem a expiação a todo o mundo, que levou muitos a abraçar o Universalismo.
18ª objeção: Como Cristo poderia morrer por aqueles que Ele veio fazer cair?
Como diz Owen, “Cristo foi destinado para a queda de alguns (Lc 2.34).”[8]
Resposta
O verso apresentado por Owen diz que Cristo foi colocado para “queda e elevação de muitos em Israel” (Lc 2.34). Alguns comentaristas acreditam que o verso está falando da queda e elevação das mesmas pessoas. Se este for o caso, a objeção de Owen não teria sentido, pois a força dela está justamente em dizer que Cristo foi colocado para que muitos, os reprovados, caíssem. Mas penso que o verso diz respeito a dois grupos de pessoas: aqueles que irão ser elevados e aqueles que irão cair por causa da vinda de Cristo, ou seja, crentes e incrédulos. Sendo assim, precisamos perseguir esta objeção.
Por “queda” o evangelista Lucas parece querer dizer “miséria” ou “ruína.” É amplamente aceito que o verso faz referência a Is 8.14, 15 (“Então ele vos será por santuário; mas servirá de pedra de tropeço, e rocha de escândalo, às duas casas de Israel; por armadilha e laço aos moradores de Jerusalém. E muitos entre eles tropeçarão, e cairão, e serão quebrantados, e enlaçados, e presos”).
Há duas formas de entender a afirmação de Lucas. A primeira seria supor que a finalidade da vinda de Cristo era assegurar a queda de muitos. Este é o entendimento de Owen. Neste caso, surgem duas questões sérias: 1) precisaria Cristo ser colocado para a queda de muitos se estes já iriam naturalmente cair, mesmo se Cristo não viesse?, e, caso seja sugerido que Cristo veio para aumentar a condenação dos reprovados, 2) como isentar Cristo de uma intenção má? A segunda forma, que julgo ser correta, seria acreditar que Lucas está falando de um resultado da vinda de Cristo. Muitos cairão como conseqüência da vinda de Cristo. A afirmação de Lucas, neste caso, não passa de um hebraísmo, um modo de falar peculiar à língua hebraica.
Mas tal hebraísmo realmente existe? Sim, há vários casos nas Escrituras que apóiam esta conclusão. Mateus, por exemplo, nos diz que Cristo veio “pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra” (Mt 10.35). Sabemos que a finalidade da vinda de Cristo não era destruir nossas famílias; definitivamente não era esta sua intenção. O verso só pode ser entendido como significando que um dos efeitos da vinda de Cristo era que os membros incrédulos de nossas famílias fariam oposição aos membros crentes.
A chave para entendermos Lc 2.34, portanto, é esta. A queda de muitos é uma conseqüência negativa da vinda de Cristo. Cristo não foi destinado para a queda de muitos, mas veio para salvar o mundo (Jo 12.47).
19ª objeção: Se Cristo morreu por todos, então todos deveriam ouvir o Evangelho.
Owen conclui que, “se o objetivo da morte de Cristo era salvar todos os homens, sob a condição de que eles cressem, então o evangelho devia ter sido anunciado a todos os homens.”[9]
Resposta
Se esta objeção for realmente levada a sério, então não há como deixar de concluir que todos que viveram antes de Cristo se perderam, pois eles não tiveram conhecimento do Evangelho. Mesmo se for argumentado que todos os rituais e ordenanças da Antiga Aliança apontavam para Cristo, não se tem registro de ninguém que imaginava que Deus se faria homem e morreria substitutivamente pelos nossos pecados. É certo que os judeus esperavam o Messias, mas nunca pensaram que ele seria escarnecido e morto pelos homens. A idéia que eles tinham do Messias era totalmente diferente. E, considerando que muitos naquela época não faziam parte da comunidade de Israel, e que foram salvos mesmo sem ter conhecimento daquilo que prefigurava Cristo, fica ainda mais difícil acreditar que, para ser salvo, era necessário ter conhecimento da obra de Cristo na cruz. Não é porque Abraão exultou por ver o dia de Cristo (Jo 8.56), que todas as pessoas salvas que viveram antes de Cristo viram também. Raabe apenas ouviu falar que Deus secou as águas de Mar Vermelho e que tinha dado a terra de Jericó aos israelitas (Js 2.9, 10) e, apesar disso, foi salva.
20a objeção: Se Jesus pagou os pecados de toda a humanidade, e se as pessoas ainda vão para o inferno pagar por seus próprios pecados, Deus estaria exigindo o pagamento duas vezes, de Cristo, e do próprio pecador, o que é uma injustiça.
Arthur Custance diz que “é um princípio do direito no mundo civilizado que um homem não pode ser julgado responsável por uma dívida que já foi paga por outra pessoa.” “Uma pena não pode ser legalmente exigida duas vezes.”(The Sovereignty Of Grace). Charles Spurgeon nos assegura que “se Cristo morreu por você, você nunca poderá perecer. Deus não irá punir duas vezes uma mesma coisa. Se Deus puniu a Cristo pelos seus pecados, Ele não pode punir você. O pagamento da justiça de Deus não pode ser demandado duas vezes; primeiro, da mão sangrenta do Salvador, e então da minha. Como pode Deus ser justo se Ele puniu Cristo, o substituto, e então o próprio homem mais tarde?” E, ainda, Loraine Boettner: “Se o sofrimento e morte de Cristo foi um resgate para todos os homens antes que somente para os eleitos, então os méritos de Sua obra devem ser comunicados a todos igualmente e a penalidade do castigo eterno não pode ser justamente infligido em ninguém. Deus seria injusto se Ele exigisse essa penalidade duas vezes, primeiramente do substituto e então das próprias pessoas.” (A Doutrina Reformada da Predestinação).
Esta não é a objeção mais bem elaborada, mas é a que mais causa constrangimento entre os defensores da Expiação Ilimitada, pois afirmar que Cristo morreu por todos os nossos pecados e que muitos de nós sofrerão por seus próprios pecados parece violar um princípio do direito, de que uma pena não pode ser exigida duas vezes. E, além disso, ninguém quer ser acusado de estar atribuindo injustiça a Deus.
Resposta
O que, antes de mais nada, precisamos perguntar é: De que tipo de dívida estão falando? A morte de Cristo pelos nossos pecados não é como uma dívida pecuniária que, quando paga, automaticamente libera o devedor. Neste caso, o credor deve liberar o devedor, não por uma questão de graça, mas de justiça. Ele não pode impor quaisquer obrigações adicionais além daquilo que lhe é devido. Exigir algo além do que lhe é devido seria injusto. Exigir um novo pagamento por uma dívida paga seria igualmente injusto. Mas nossa dívida com Deus é judicial. O pagamento de uma dívida judicial não libera automaticamente o ofensor. Sua liberação depende da aceitação do pagamento pela parte ofendida que pode, inclusive, impor certas condições para aceitá-lo, e, nesse último caso, as pessoas por quem a satisfação foi feita podem nunca ser liberadas enquanto não forem satisfeitas as condições das quais sua liberação depende.[10]
Somos tão criminosos aos olhos de Deus, tão merecedores do mesmo castigo, depois que Jesus morreu por nossos pecados quanto o éramos antes. Nada mudou em nosso caráter ou em nossa natureza somente porque Cristo levou os nossos pecados, mas continuamos os mesmos criminosos de sempre, não menos merecedores do inferno do que quando nossos pecados não haviam sido expiados. A despeito de Cristo ter morrido por seus pecados, os crentes, antes de se tornarem crentes, eram igualmente merecedores de miséria, do inferno, da destruição, da ira e indignação de Deus quanto qualquer um que morre na incredulidade. O que Cristo fez foi colocar o homem num estado de salvabilidade. Antes de morrer por nós, era impossível que fôssemos perdoados; agora que Cristo morreu, o nosso perdão é possível. Mesmo julgando um preço justo por nossos pecados, como de fato foi, Deus tanto poderia recusá-lo quanto aceitá-lo, embora fosse certo que aceitaria. Aceitá-lo foi uma questão de graça, não de dívida.
Mas se isto é verdadeiro – e eu imagino que todos os fatalistas pensam que é – então não é nenhuma injustiça Deus exigir que os pecadores paguem pelos seus próprios pecados, independente de Cristo ter morrido por eles, pois se isto fosse injustiça, seria igualmente injusto que os crentes, antes de tornarem-se crentes, fossem merecedores do mesmo castigo que Jesus sofreu por eles.
O importante é saber que nossos pecados foram pagos provisionalmente, que a liberação da condenação não acontece automaticamente, e que nenhum justificado irá para o inferno.
[1] R. C. Sproul, Eleitos de Deus, p. 154.
[2] Charles Hodge, Teologia Sistemática, p. 899.
[3] H. Orton Wiley, Introdução à Teologia Cristã, p. 271.
[4] João Calvino, Calvin’s Commentaries, Comentários sobre Mt 20.28.
[5] Louis Berkhof, Teologia Sistemática, p. 396.
[6] R. C. Sproul, Eleitos de Deus, p. 154.
[7] William G. T. Shedd, Dogmatic Theology.
[8] John Owen, Por Quem Cristo Morreu?, p. 78.
[9] John Owen, Por Quem Cristo Morreu?, p. 43.
[10] O calvinista Charles Hodge concorda que esta objeção surge da confusão entre satisfação pecuniária e judicial, e até mesmo admite que Cristo poderia morrer por uma pessoa e esta jamais ser beneficiada por sua morte. Apesar de Hodge dizer que os agostinianos são bem criteriores em discriminar satisfação pecuniária de judicial, é incrível o número de calvinistas que fazem esta objeção, entre os quais Arthur Custance, Charles Spurgeon, Loraine Boettner, Roger Nicole, John Owen e tantos outros não menos reputados que estes. Finalmente, Hodge percebe que esta objeção pode igualmente ser lançada contra os calvinistas, algo que a maioria deles simplesmente desconhece. (Teologia Sistemática, pp. 899, 900).
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Extraído do site arminianismo.com em 21/02/2014