Podemos colher um exemplo desse tipo de argumentação em escritos que fazem apologia ao sábado. A título de ilustração temos os escritos de Arnaldo B. Christianini; tentando refutar o argumento de que a lei e os sábados de Colossenses 2.14-16 eram meros sábados cerimoniais. Christianini construiu sua argumentação da seguinte maneira:
“Nem a palavra ‘lei’ também sequer é mencionada nos textos, mas apenas uma cédula de ordenanças. Sabemos que o preceituário cerimonial consistia de extensas instruções ritualísticas.a que os judeus ficavam obrigados. Um autêntico ‘escrito de divida”.
Veja que ele tenta resolver o problema por explorar a tese da chamada lei cerimonial. O escrito de dívida, segundo ele, referia-se apenas a essa lei. Seguindo esta premissa ele passa então a demonstrar o significado da palavra “ordenanças” e sua natureza, vejamos:
“- como reza outra tradução. “Ordenanças são meras prescrições litúrgicas, e isto não se aplica à lei moral. Compare-se com Hebreus 9:1.Ordenança ‘é um rito religioso ou cerimônia ordenada por autoridade divina ou eclesiástica” define, com propriedade, o autorizado Standard Dictionary.” (Subtilezas do Erro, pág. 120)
E prossegue dizendo:
“O contexto esclarece alguma coisa do conteúdo desta “cédula de ordenanças”. Alguns dos seus itens se acham exarados no versículo 16, ligado aos versículos anteriores pela conjunção “portanto”. Lemos que aí consta comer, beber, festividades. Lua nova e sábados prefigurativos. tudo averbado de “sombras de coisas futuras”. Ora, resta verem qual código constavam tais exigências ritualistas e festivais. Consultemos o decálogo. Examinemos-lhe os preceitos. Há nele algum mandamento sobre o comer e o beber? E sobre os dias de festa e a Lua nova? Não! Nele só há preceitos morais e éticos.” (ibdem)
E conclui triunfalísticamente: “Nenhuma ‘ordenança’, portanto.” (Subtilezas do Erro, pág. 120)
Perceba que sua conclusão o leva a admitir que o sábado do decálogo não pode ser uma ordenança.
O GRANDE CONFLITO
O caso é que toda essa exegese entusiasta cai por terra diante das explicações da profetisa de seu próprio movimento. Ellen G.White numa interpretação toda capciosa de Isaías 56, tenta armar uma profecia para encaixar a Igreja Adventista como sendo os verdadeiros restauradores do sábado. Vejamos o que ela diz:
“De nôvo é dada a ordem: “Clama em alta voz, não te detenhas, levanta a tua voz como a trombeta e anuncia a Meu povo a sua transgressão, e à casa de Jacó os seus pecados.” Não é o mundo Ímpio, mas são aquêles a quem o Senhor designa como “Meu povo,” os que devem ser reprovados por suas transgressões. Declara Ele ainda: “Todavia, Me procuram cada dia, tomam prazer em saber os Meus caminhos, como um povo que pratica a justiça, e não deixa a ordenança do seu Deus.” Isaías 58:1 e 2. Aqui se faz referência a uma classe que se julga justa, que parece manifestar grande interesse no serviço de Deus; mas a repreensão severa e solene dAquele que examina os corações, prova que se acham a calcar a pés os preceitos divinos.” (O Grande Conflito, pág. 452)
E ainda: “Desta maneira indica o profeta a ordenança que tem estado esquecida: ‘Levantarás os fundamentos de geração em geração: e chamar-te-ão reparador das roturas, e restaurador de veredas para morar. Se desviares o teu pé do sábado, de fazer a tua vontade no Meu santo dia, e se chamares ao sábado deleitoso, e santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares, não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade, nem falar as tuas próprias palavras, então te deleitarás no Senhor.” Isaías 58:12-14. Esta profecia também se aplica a nosso tempo. A rotura foi feita na lei de Deus, quando o sábado foi mudado pelo poder romano.” (Ibdem)
Veja que ela chama desembaraçadamente o sábado de “ordenança” e diz que essa “ordenança” tem estado esquecida. Não há como negar… Está explícito: a tal ordenança é o sábado do sétimo dia que constava no decálogo!
Cabe aqui uma pergunta: quem está com a razão, Ellen G. White, que diz ser o sábado “uma ordenança” ou Arnaldo Christianini que jurava de pés juntos que a palavra “ordenança” não pode se referir ao sábado semanal? Convém lembrar o que este mesmo escritor disse a respeito dos escritos de Ellen G. White:
“Tudo quanto disse e escreve foi puro, elevado, cientificamente correto e profeticamente exato.” (Subtileza do Erro, pág. 35)
Vejamos o que ela mesma pensava sobre seus escritos:
“Disse o meu anjo assistente. ‘ Ai de quem mover um bloco ou mexer num alfinete dessas mensagens. A verdadeira compreensão dessas mensagens é de vital importância. O destino das almas depende da maneira em que forem elas recebidas.'” (Primeiros Escritos, p. 258)
Diante de uma contradição gritante como essa qual vai ser o posicionamento dos adventistas? De que lado eles irão ficar? Em qual interpretação irão se estribar?
Por exemplo: se optarem pela interpretação de Christianini deixarão o “espírito de profecia” -a Senhora White – em situação embaraçosa, pois se persistirem em aplicar a regra de que “Ordenanças são meras prescrições litúrgicas, e isto não se aplica à lei moral” então o sábado que Ellen White apontou como ordenança não pode ser da lei moral. Os adventistas estariam restaurando no máximo, no máximo um sábado cerimonial e só.
Agora, se Ellen White estiver com a razão, o escritor acima mencionado está completamente errado, pois aqueles sábados de Colossenses 2.16 que ele chama de cerimonial, afirmando que fazia parte das ordenanças, deve ser o sábado do sétimo dia e por isso abolido. O que entende a teologia adventista pela palavra ordenança afinal? Veja que é uma verdadeira babel exegética!
ENTENDENDO A QUESTÃO
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derribando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças…” Efésios 2:14,15 –
É preciso ter presente que o texto em apreço fala de “A Lei dos Mandamentos”, que consistia em ordenanças. Ordenanças são leis e estatutos ou como diz o texto “Lei dos Mandamentos” especialmente no que concerne aos dias de festa, luas novas e sábados (semanal), com suas solenidades específicas de comemoração. Além disso, devemos considerar que o texto de Colossenses 2.14 fala que a cédula que era contra nós, nas suas ordenanças, não podia ser ligada somente a cerimônias e rituais, pois estas foram estabelecidas a favor dos homens, vejamos:
“Porque todo sumo sacerdote tomado dentre os homens é constituído a favor dos homens nas coisas concernentes a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados, podendo ele compadecer-se devidamente dos ignorantes e errados, porquanto também ele mesmo está rodeado de fraqueza.E por esta razão deve ele, tanto pelo povo como também por si mesmo, oferecer sacrifício pelos pecados.” (Hebreus 5.1-3).
“Guardareis, pois, os meus estatutos e as minhas ordenanças, pelas quais o homem, observando-as, viverá. Eu sou o Senhor.” (Levítico 18.5)
“Que minha alma viva, para que te louve; ajudem-me as tuas ordenanças.” (Salmo 119.175)
“andando nos meus estatutos, e guardando as minhas ordenanças, para proceder segundo a verdade; esse é justo, certamente viverá, diz o Senhor Deus” (Ezequiel 18.9)
“E dei-lhes os meus estatutos, e lhes mostrei as minhas ordenanças, pelas quais o homem viverá, se as cumprir.” (Ezequiel 20.11)
O que era contra nós? Paulo diz que era a cédula de dívida. Onde estava esta cédula de dívida? No decálogo. Ele nos fazia devedores.
Diz certa obra teológica: “Do modo como essa parede no templo era uma barreira física entre judeus e gentios, assim a lei mosaica dos mandamentos na forma de ordenanças (15) constituía o elemento significativo em sua separação moral (e também na separação entre os homens e Deus). Mas, quando Cristo foi crucificado, o véu do templo se rasgou em dois, o que representa o fim das ordenanças legais como sistema de vida do crente, e possibilitou acesso direto a Deus, tanto para os judeus como para os gentios (cfr. vers. 18 com Hb 10.19). Note a passagem paralela em Cl 2.14, onde a mesma idéia se expressa em termos diferentes.” (Novo Comentário da Bíblia – ed. Vida Nova)
“tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças , o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Revista e Atualizada)
“Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz.” (Revista e Corrigida)
“e anulou a conta da nossa dívida, com os seus regulamentos que nós éramos obrigados a obedecer. Ele acabou com essa conta, pregando-a na cruz.” (Nova Tradução na Linguagem de Hoje)
“havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz.” (Revista e Corrigida – 1995)
“tendo cancelado o escrito de dívida que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o inteiramente, cravando-o na cruz” (Tradução brasileira)
“Cancelando o documento escrito contra nós, cujas prescrições nos condenavam. Aboliu-o definitivamente, ao encravá-lo na cruz” (Versão católica – Monges Maredsous)
O que diz alguns comentaristas sobre o assunto?
1. James Burton Coffmans
escrito de ordenanças …
Isto é uma referência ao Decálogo e à Lei inteira de Moises…Para Paulo não há nenhum significado a distinção entre lei moral e lei cerimonial. A Lei é uma unidade…Para Paulo, o caráter hostil da Lei é peculiarmente associada com o lado moral dela. A Lei…é representado pelos 10 Mandamentos…”
Escrito de ordenanças …
como neste verso, expressa as tabuas de pedra escritas pelo dedo de Deus. Como Wallace apontou, isto é deplorável que “Por omissão de `manuscrito de ordinances’ o revisionists quebra esta conexão.” F39 As palavras certamente pertencem como um testemunho seguro que o Decalogue é aqui indicado.
removeu-o do meio de nós, cravando-o na cruz…
Esses termos indicam o cancelamento absoluto e ab-rogação da Lei de Moises. Também, não deveríamos perder de vista o fato de que a heresia de Colossenses estava fundamentada e envolvida com a Lei de Moises…”
A aplicação especial deste verso, inclusive da parte moral da Lei de Moises, foi discutido assim por Macknight:
Os preceitos morais da Lei de Moises são chamados o Chirograph, ou manuscrito de ordenanças, porque a maioria essencial destes preceitos foram escritos pela mão de Deus em duas tabelas de pedra; e Moises foi instruído a escrever isto em um livro.”
(James Burton Coffman’s, Comentário do Novo Testamento)
2. Robert Jamieson, A. R. Fausset e David Brown
A lei (incluindo especialmente a lei moral, em que põe a dificuldade de obedecer) é ab-rogada ao crente…
O manuscrito” (aludindo ao Decálogo, o representante da lei, escrita pela mão de Deus) é a lei inteira…,
Comentário Crítico e Explicativo da Bíblia – comentário preparado por Robert Jamieson, A. R. Fausset e David Brown
3. Vários autores evangélicos da obra NCB
“Paulo introduz no vers. 14 duas figuras para descrever o que Deus tem feito com o pecado e a culpa. Primeiro, Ele cancelou o escrito de dívidas (14). A lei é aqui contemplada como débito do homem pelo que ele é responsável. É contra nós porque permanece como testemunho da nossa falência, mas Deus, em Cristo, cancelou o título da dívida. Segundo, Ele fez ainda mais. Ele a tomou e a jogou fora (14). Lightfoot parafraseia “a lei de… ordenanças foi cravada na cruz, rasgada com o corpo de Cristo, e destruída com a sua morte”. A sugestão de que se refere ao cancelamento de uma dívida por ser cravada num lugar público não é convincente. Não há nenhuma evidência de tal costume.” (Novo Comentário da Bíblia – ed. Vida Nova)
Demais disso, a leitura atenta do texto também nos convence de referir-se a palavra “ordenanças” à lei inteira. Note-se, com efeito, o verso 13: “e a vós, quando estáveis mortos nos vossos delitos e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-nos todos os delitos” As ofensas procediam contra as disposições morais do decálogo. Se tratasse ai de ordenanças puramente cerimoniais, como de resto querem os adventistas, o texto teria se valido do termo “dikaioma” aplicado no plural “dikaiomata” com este sentido ao aludir a cerimônias judaicas em Heb. 9:1,10, e não a forma verbal “dogmatizomai”. Ou ter-se-ia valido do vocábulo “ethos” que significa rito e costumes, encontrado em Lc. 1:9; Jo.19:40; At. 6:14; 15:1;16:21; 21:21;25:16;26:3;28:17 e Heb. 10:25.
Sim, “cheirographon” é uma metáfora da lei mosaica inteira, mas sobretudo em seu aspecto moral, que nos fazia grandes e insolventes devedores, porquanto, ao proibir o pecado, fazia-o contudo, mais abundante, escravizando-nos e levando-nos à morte (cf. Rm. 5:20; 7:5-13,25; IICo. 3:6; Gl. 5:1).