O que significa “eleição”? Significa predestinação radical? Fatalismo? Significa que alguns já estão eleitos e predestinados para o céu, enquanto que outros já nasceram sem nenhuma chance de salvação, ou seja, predestinados a condenação do inferno? Qual é a base da eleição? O apóstolo Pedro responde estas questões quando diz: “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai…” (1Pe 1.2). Deus elege alguém baseado em sua presciência, no seu conhecimento antecipado dos fatos que estão por vir. Não podemos confundir predestinação com presciência. O conhecimento prévio que Deus tem das coisas não é o que as tornam assim existentes, antes, porque elas serão desta ou daquela maneira, Deus as conhece antecipadamente. Deus conhece as pessoas mesmo antes delas nascerem. Ele sabe como elas reagiriam diante das variadas circunstâncias da vida. Deus as escolhe baseado em sua presciência. Isto não nega o livre arbítrio do homem, pelo contrário, o reafirma ainda mais. Pois uma eleição baseada na presciência divina leva em consideração a autonomia dos seres humanos. Deus é soberano, e em sua soberania, determinou que o homem fosse um ser dotado da capacidade de escolher, sendo, portanto, responsável por seus atos, de modo a estar sujeito ao dia do acerto de contas no Juízo Final. Seria completamente sem cabimento existir um dia de juízo final se as pessoas não tivessem tido a mínima possibilidade escolha, se cada um tivesse apenas cumprido o papel teatral que lhe foi prescrito, como um fantoche nas mãos do inevitável destino.
Para aceitar o calvinismo é preciso endossar uma série de noções teológicas incompatíveis com o caráter generoso e relacional de Deus, que desembocam em um abismo em que Deus passaria a ser o responsável pelo mal que há no mundo. Teríamos que concluir também que Deus está mentindo quando dá entender que o homem é responsável por suas ações e que a oração de súplica é uma farsa perversa, visto que o futuro é imutável e Deus não pode ser persuadido a mudar de ideia. Além de tudo isto, perceberíamos que de nada adianta pregar o Evangelho, visto que os eleitos acabarão encontrando a salvação de um modo ou de outro.
Como John Wesley bem explicou, enquanto os calvinistas acreditam em predestinação absoluta, os arminianos defendem que a predestinação é condicional. Enquanto os calvinistas professam que Deus absolutamente decretou, desde toda a eternidade, salvar tais e tais pessoas, e não outras, e que Cristo morreu apenas em favor de tais escolhidos, os arminianos defendem que Deus amou ao Mundo de tal maneira que deu o seu Filho Unigênito para que todo aquele que nele não pereça, mas tenha a vida eterna (Jo 3.16). De modo que Deus não tem prazer na morte do homem, antes deseja que todos venha a ser salvos (1Tm 2.4 e 2Pe 3.9). A morte de Cristo foi em favor de todos os homens. Sua obra de expiação é suficiente para salvar a todos, mas eficiente apenas para aqueles que depositarem sua confiança no Salvador. “Aquele que crer será salvo: aquele que não crer será condenado” (Jo 3.18) E para isso, Cristo morreu por todos os ímpios (Rm 5.6), todos os que estavam mortos em delitos e pecados (Ef 2.1).
Os calvinistas defendem que a graça salvadora de Deus é absolutamente irresistível e que ninguém é capaz de resisti-la assim como a um golpe de um relâmpago. Já os arminianos defendem que, embora possa haver alguns momentos em que a graça de Deus aja irresistivelmente, todavia, em geral, qualquer homem pode resistir a graça salvífica, e isso para sua eterna ruína. “Ele veio para os que eram seus, mas os seus não o receberam, mas a tantos quanto o receberem, Deus deu-lhes o poder de serem chamados filhos de Deus” (Jo 1.11). Jesus chorou sobre Jerusalém por que eles não reconheceram aquele que lhes trazia a paz (Lc 19.41).
Os calvinistas também advogam que um verdadeiro crente em Cristo não pode perder a salvação. Os arminianos defendem que um verdadeiro crente pode “apostatar-se da fé”, que ele pode cair, não apenas de modo vil, mas finalmente, de modo a perecer para sempre (Hb 6.4-1; 10.25-30).
Estes dois conceitos calvinistas, a graça irresistível e a perseverança infalível, são uma consequência natural da crença no decreto incondicional. Pois se Deus eterna e absolutamente decretou salvar tais e tais pessoas, segue-se, tanto que elas não podem resistir a sua graça salvadora e nem tão pouco vir a perder a salvação. De modo que as estas questões se resumem em se a predestinação é absoluta ou condicional. Os arminianos acreditam que ela seja condicional, enquanto os calvinistas afirmam que é absoluta.
Se a depravação humana foi total ou parcial é algo difícil de definir biblicamente falando. Minha percepção é que ela não foi tão completa como muitos afirmam. Pois observo muitos sinais de bondade e justiça em muitas pessoas que ainda não experimentaram o novo nascimento. E, mesmo que a tal depravação fosse total, teríamos que considerar a graça preveniente conforme ensinada por John Wesley.
A este respeito, li um interessante texto do Dr. Adrian Rogers, em que ele começa observando que um cego precisa mais do que de luz para ser capaz de enxergar. E, que, quando jovem, costumava pensar que o seu papel como pregador era apenas o de ensinar o caminho da salvação para as pessoas. Mas logo percebeu que para uma pessoa cega a quantidade de luz é indiferente. Portanto, assim como é preciso mais do que luz para que um cego possa ver, assim também é necessário mais do que a pregação para que as pessoas possam ser salvas, pois somente o Espírito Santo pode convencer o homem do pecado, da justiça e do juízo. Por esta razão a igreja deve orar sem cessar em favor da conversão de almas, sabedora da dependência que temos da unção do Senhor para abrir os olhos dos cegos para a realidade do Evangelho de Cristo.
Ele arremata dizendo que o homem caído é cego espiritualmente e, portanto, carece de visão. Como ouvimos que não há quem busque a Deus, aprendemos das Escrituras que Deus toma a iniciativa de procurar o homem, que é exatamente o que os Evangelhos mostram Jesus fazendo quando o descreve buscando (Lucas 19:10), chamando (João 12:32) e batendo a porta do coração do perdido (Apocalipse 3:20). Sendo assim, é o Espírito Santo quem convence o homem (João 16:8), dando pontadas no coração (At 26:14), compungido o coração (Atos 2:37), e promovendo a abertura do coração para que este possa ser capaz de responder positivamente ao Evangelho (Atos 16:14).
Esta é a iluminação da Graça Preveniente, que não deve ser confundida com a regeneração. Porque a Iluminação lida com o velho coração, enquanto a regeneração tem a ver com o novo coração. Em João 1:9 lemos que Jesus é a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina a todo homem. Paulo afirma que o Evangelho é a Luz através da qual o Espírito Santo abre os olhos dos homens (Rm 10:17). Um homem é iluminado a fim de receber o Evangelho. Um homem é regenerado depois de ter sido selado em Cristo (Ef 1:13). A regeneração se dá através do lavar renovador do Espírito Santo (Tt 3:5), momento em que nos tornamos “novas criaturas” em Cristo (2 Co 5:17), nascidas de novo, com um “coração novo” e um “espírito novo” (Ez 36:26). O calvinismo, ao contrário, ignora o claro ensino de Efésios 1:13, para ensinar erroneamente que os homens são previamente escolhidos por Deus para a salvação, de modo que o chamado e a graça sejam irresistíveis para o grupo dos predestinados. Assim, fica manifesta a clara diferença entre a graça preveniente do arminianismo e graça irresistível do calvinismo.
O calvinismo ensina que antes de crer e ser salvo é preciso ser previamente escolhido e estar preliminarmente posicionado em Cristo. Seria, então, possível estar em Cristo antes de ser salvo? Bem, para o arminiano, a ordem dos eventos está claramente apresentada em Efésios 1:13, que ensina que primeiro é preciso ouvir o Evangelho, que é uma condição para se poder crer, que, por sua vez, é uma condição para receber o selo regenerador do Espírito. A fé vem através de ouvir a Palavra do Evangelho (Rm10:17). Assim, o arminiano quer saber como o calvinista pode ensinar ser possível alguém estar em Cristo antes mesmo de crer e ser selado pelo Espírito?
O Apóstolo Paulo, em Romanos 8.1, diz que não há nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus e sabemos também que os que não creem estão debaixo da condenação (Jo 3.18). Sendo assim, seria contraditório afirmar que um incrédulo estaria em Cristo antes mesmo de sua conversão.
Se a graça fosse irresistível, como Saulo de Tarso teria sido capaz de recalcitrar contra os aguilhões (At 26:14)? E se a graça fosse irresistível, como poderia ser possível a queda e a perdição de que cristãos verdadeiros que tiveram os seus olhos iluminados para verem e experimentarem o dom celestial de modo a terem se tornado participantes do Espírito Santo, e de terem também provado a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro (Hb 6.4-6)?
Santidade e perseverança são necessárias para evitar a remoção do candelabro (Ap 2.5), para garantir o acesso ao fruto da árvore da vida (Ap 2.7), para receber a coroa (Ap 2.10), para escapar da segunda morte (Ap 2.11) do juízo da espada (Ap 2.16), do risco de ser vomitado (Ap 3.16) e de ter seu nome riscado (Ap 3.5). E o que dizer também de textos como Hb 6.4-8; 10.26-31; 12.14-15; 1Co 9:27; 2Pe 1; 3.17-18 e Jo 15.6?
“Portanto, amados, sabendo disso, guardem-se para que não sejam levados pelo erro dos que não têm princípios morais, nem percam a sua firmeza e caiam. Cresçam, porém, na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! Amém” (2Pe 3.17 e 18).
Gosto muito de C.S. Lewis. Eu costumo usar argumentos semelhantes aos dele para defesa do livre-arbítrio:
Deus poderia ter criado todas as coisas programadas para darem certo. Poderia ter criado os anjos e os homens como robôs, programados para obedecerem, incapazes de se rebelarem. Mas as expressões de amor, louvor, devoção e serviço destes seres seriam artificiais e “sem graça” e sem significado real. Deus, em sua soberania, resolve criar seres angelicais e humanos com o atributo do livre-arbítrio, mesmo ciente das consequências: surgimento do pecado, crimes, doenças, guerras, fome, tristeza, etc.… Ninguém pode ser livre só para obedecer. Liberdade implica em opção e escolha. Neste mundo temos muitas opções, somos livres para escolher, portanto, quando amamos a Deus e respondemos positivamente ao seu chamado, isto é cheio de significado. Este relacionamento entre Deus e o homem é cheio de afeto. É algo tremendo! Deus criou tudo perfeito, o mal no universo existe como uma perversão dos seres angelicais e humanos, e que só pode ser entendido dentro do propósito último de Deus.
Na sua soberania, Deus decidiu nos conceder liberdade, para que nosso relacionamento com ele pudesse se revestir de especial significado porque construído na base da livre escolha e não na base de predeterminações arbitrárias e unilaterais. Não negamos nem a graça e nem a soberania. Sem Deus estaríamos mortos em nossos delitos e pecados. Por nós mesmos não podemos encontrar a salvação. A salvação é iniciativa da livre graça de Deus. O amor e a graça se manifestaram em Cristo. Deus nos amou primeiro, para que possamos responder livremente ao seu amor manifesto de modo especial na Cruz de Cristo. Arrependimento, fé e entrega são respostas adequadas ao chamado do amor divino. Alguns respondem com fé e amor enquanto outros com incredulidade, indiferença e até com ódio, por amarem mais as trevas do que a luz. A doutrina do juízo final contribui muito para fortalecer o ponto de vista de que o homem, como um ser livre, responderá pelos seus atos.
Se a salvação das pessoas fosse única e exclusivamente dependente da escolha de Deus, então, todos deveriam ser salvos, pois as Escrituras afirmam que Deus deseja que todos sejam salvos. Este é um dilema para o calvinista, mas não para um arminiano, pois, Deus não quer que o filho se perca, mas ao mesmo tempo, Deus quer que o filho seja livre para tomar suas próprias decisões. Isto explica tudo! Não é a vontade do pai manter o filho amarrado em casa, acorrentado a si. O pai concede liberdade para o filho pródigo sair de casa e está de braços abertos para acolhê-lo novamente quando este se arrepende e volta para o Pai (Lc 15).
Deus deseja que todos sejam salvos, mas nem todos cumprem as condições da graça que implicam em fé e arrependimento. Ou seja, a salvação não é algo que diz respeito a escolha unilateral de Deus, pois existe a necessidade de uma correspondência humana. Ele veio para os que eram seus, mas os seus não receberam, mas a tantos quantos o receberem, receberam o poder de serem chamados filhos de Deus (Jo 1.11-12)! Jesus disse que não veio julgar, mas, sim, salvar o mundo (Jo 3.18). Ele concluiu dizendo que o “julgamento é este, que os homens amaram mais as trevas do que a luz” (Jo 3.19). Deus ama o mundo inteiro e veio para salvar a todos (Jo 3.16), ainda que sua vontade seja a salvação de todos, esta vontade esbarra em uma outra vontade sua que é a de ter filhos livres que façam bom uso de sua liberdade para corresponderem ao seu amor. “Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me” (Mt 16:24). Vemos aí um sinergismo, onde a salvação é oferecida e o chamado é feito por Cristo, e o homem reponde de acordo com a sua livre vontade. A salvação não é compulsória e a graça não é irresistível. Ele não arromba a porta com uma batida irresistível, mas bate educadamente a porta dos corações humanos e aguarda por uma resposta positiva que possa propiciar um relacionamento de amizade e amor genuíno.
“Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo”(Ap 3.10).
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Bispo José Ildo Swartele de Mello
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