O Profetismo Bíblico: A Voz de Deus na Terra

Deus revelou-se a si mesmo nas Escrituras Sagradas como Ser pessoal e imanente, dentre os vários atributos comunicáveis e incomunicáveis. Nelas Ele age, galardoa e castiga; sente, ama e odeia; pensa e raciocina; adverte, julga e se comunica com suas criaturas inteligentes. Ele não deixou o ser humano à deriva no mar da vida, e sua voz soa na Terra desde a cria­ção de Adão até os dias atuais.

Ninguém no universo tem mais interesse no bem-estar dos seres hu­manos do que o próprio Criador. O deísmo defende a ideia de que Deus existe, mas está muito longe de nós e não se envolve com os assuntos hu­manos. É a doutrina disseminada pe­los filósofos epicureus, em que Deus é como um relojoeiro que dá corda a um relógio e esquece-se dele, mas o apóstolo Paulo pregou no areópago uma mensagem teísta: Deus “não está longe de cada um de nós” (At 17.27) e está interessado no ser humano (Hb 11.6).

O pecado afastou toda a raça hu­mana do seu Criador, mas Ele nunca a abandonou e propiciou meios para continuar a comunicação interrom­pida com a Queda no Éden. Quando Adão e Eva pecaram, procuraram se esconder de sua presença: “E ouviram a voz do SENHOR Deus, que pas­seava no jardim pela viração do dia; e escondeu-se Adão e sua mulher da presença do SENHOR Deus, entre as árvores do jardim” (Gn 3.8). Partiu do próprio Deus a iniciativa de se co­municar com Adão e Eva, mesmo de­pois de terem pecado, e nunca deixou de manter contato com seus descen­dentes, os seres humanos: “… muitas vezes e de muitas maneiras” (Hb 1.1).

A forma da comunicação divina va­ria de acordo com cada dispensação, mas Ele nunca deixou de se manifestar a seus servos ao longo da história do seu povo. O salmo 19 afirma que Ele fala de manei­ra silenciosa, pelas coisas que são criadas, pela Palavra e pelo testemunho pessoal dos crentes. Deus ordenou a Moisés que construísse o tabernáculo no deserto do Sinai porque queria habitar no meio dos filhos de Israel: “… e me farão um santuá­rio, e habitarei no meio deles” (Êx 25.8). Ele nunca esteve só; desde a eternidade passada as três pessoas da Santíssima Trindade se relacionavam e se comuni­cavam entre si.

Os agentes usados pelo Criador, no Antigo Testamento, na comunica­ção de sua Palavra ao povo, em Israel, são geralmente chamados na antropo­logia moderna de “mediadores”. São eles os sacerdotes e os profetas: de Deus para o ser humano e do ser humano para Deus; esse contato é feito, às vezes, numa direção de mão única pelo próprio Deus intermediado pelo “anjo do Senhor”, que é o próprio Deus de Israel. Ele mesmo tornou-se homem, sendo em si mesmo a pleni­tude da revelação divina. Os apósto­los concluíram os oráculos proféticos de modo que o cânon bíblico se en­cerrou e nada mais nos falta; a Bíblia é completa.

O ministério profético no Anti­go Testamento é de origem divina (Os 12.10) e foi fundado por Moisés e Arão em Israel quando a congregação de setenta anciãos recebeu o Espírito Santo e profeti­zou no deserto do Sinai (Nm 11.24-29). Por meio dele Deus se comunicava com o povo revelando a sua vontade. Nem todos os profetas escreveram tudo o que transmitiram ao povo de Israel, mas a mensagem que foi escrita por eles serviu não somente para o seu povo em sua ge­ração, mas a todos os povos e em todas as épocas. Nem todos os expositores acre­ditam que houve uma corporação profé­tica organizada no Antigo Testamento, mas isso é forçar demais o texto bíblico. Basta uma leitura, ainda que superficial, no relato do ministério de Samuel para revelar a existência de uma instituição profética em seus dias.

O capítulo 9 de 1 Samuel revela o ministério profético em sua forma ainda rudimentar. O texto sagrado mostra que a função do vidente era intermediar en­tre Deus e o povo, sendo que os oráculos podiam vir sem que alguém solicitasse ou por meio de consulta pessoal. Samuel exercia as funções de sacerdote, juiz e profeta numa época em que Israel mais precisava dos seus préstimos e cuja pala­vra era sempre um oráculo. Essa narrati­va mostra o sistema profético em desen­volvimento, revelando ainda sua função: consultar a Deus pelo povo ou quando era solicitado por alguém, abençoar o povo e interceder por ele (1 Sm 9.13; 12.23), receber revelação divina.

Depois de Samuel, Deus levantou muitos videntes e profetas. Esses ho­mens desenvolveram diversas ativida­des e funções: alguns eram de origem sacerdotal, como Jeremias e Ezequiel (Jr 1.1.1; Ez 1.3), outros atuaram na políti­ca e na administração pública, como o próprio Samuel e Daniel (At 13.20; Dn 6.2-3), e havia também um camponês (Am 7.14). A ocupação principal de muitos deles, como Elias, Eliseu, Je­remias, Ezequiel, entre outros, era o ministério profético.

Alguns profetas foram conselhei­ros de reis, vivendo na corte, como Daniel e Isaías, e cooperando com eles nos assuntos espirituais e políti­cos, enquanto outros, como Jeremias, tiveram de enfrentar as autoridades incrédulas buscando o bem-estar do povo. Sua mensagem, que não provi­nha do seu intelecto, mas o Espírito Santo lhes dava discernimento para interpretar os acontecimentos passa­dos e os contemporâneos, incomoda­va o povo e as autoridades, pois fala­vam em nome de Javé.

Depois de cerca de 400 anos de silêncio profético aparece João Ba­tista, o último profeta do Antigo Testamento, que encerra a sucessão profética iniciada por Moisés e Arão e recebe a nobre incumbência de pre­parar o povo para receber o Messias e também apresentá-lo à nação de Israel (Lc 16.16; Mc 1.2; Jo 1.31). Era o fim de uma era e o início de outra para Is­rael e para todas as nações.

E com o fim do ministério terreno de Jesus se inicia, no dia de Pentecostes, com a descida do Espírito Santo e o batismo de quase três mil pessoas (At 2.41), a longa jornada da Igreja. No livro de Atos temos o registro das primeiras décadas de sua história e os indícios que assinalam o novo es­tágio do evangelho em cada cultura. Primeiro, os judeus: “… de sorte que foram batizados os que de bom gra­do receberam a sua palavra…” (2.41); segundo, os samaritanos: “… ouvin­do que Samaria recebera a palavra de Deus… (8.14); terceiro, os gentios, os confins da Terra: “… os gentios tinham recebido a palavra de Deus” (11.1).

A igreja de Jerusalém é a mãe que deu origem às demais espalhadas por todo o mundo. As igrejas do primei­ro século eram pentecostais e seus membros cheios do Espírito Santo, por isso atuavam com dinamismo e prega­vam o evangelho de Jesus com ousadia por toda parte.

A figura do profeta permanece no Novo Testamento, mas sua natureza é diferente da corporação profética de Israel, com exceção de João Batista. Alguns ainda são chamados assim no Novo Testamento, como Judas e Silas (At 15.32), sobre quem nada ou qua­se nada sabemos, apenas o fato de ter Silas acompanhado o apóstolo Paulo a partir da sua segunda viagem missio­nária. O texto sagrado declara que ha­via entre os líderes da igreja de Antioquia “profetas e doutores” (At 13.1), porém isso não se refere a alguém com o dom de profecia nos termos de 1 Coríntios 14.29, 32, pois o assunto é sobre os dons ministeriais (1 Co 12.28), concedido a alguns crentes chama­dos para ensinar e explicar à Igreja as profecias do Antigo Testamento.

Os apóstolos, incluin­do Paulo, representam para a Igreja, tanto naquela geração como nas vindouras, o mesmo que os profetas hebreus para Israel e para as nações (Ef 2.20), e com eles o cânon se encerra. O fato de a Bíblia ser a revelação com­pleta de Deus não significa que Ele si­lenciou, mas sim o fim da inspiração sui generis das Escrituras Sagradas e da autoridade exclusiva conferida aos profetas e apóstolos (Hb 1.1). Deus ainda fala por meio de sua própria Pa­lavra e pelo seu Espírito Santo, usando até os mesmos recursos dos profetas do Antigo Testamento: sonhos e vi­sões (Nm 12.6; At 2.17). No entan­to, a profecia é conferida à Igreja para a sua edificação e não para que ela se torne o fundamento de uma doutrina. Nesse contexto, desde o Antigo Testa­mento Ele prometeu continuar se co­municando com seus filhos e suas filhas (J1 2.28-32). Sua promessa começou a se cumprir no dia de Pentecostes (At 2.16-21), permanece até os dias atuais e terminará quando “chegar o grande e glorioso Dia do Senhor” (At 2.20).

Tanto em Israel, nos tempos do Antigo Testamento, como na Igreja sempre existiram os maus intérpretes dos oráculos divinos: os falsos profe­tas e os falsos apóstolos. As incertezas da vida e a insegurança sobre o fu­turo, tanto os grandes projetos como as pequenas coisas do dia a dia e os demais problemas humanos acom­panham os seres humanos desde o limiar da História. Como encontrar solução para tudo isso? Outro ponto importante é saber a verdade abso­luta, como saber a vontade de Deus e qual deve ser a atitude das pessoas no lar, no trabalho e na sociedade? Somado a tudo isso há ainda o apaixonante interesse pelo sobrenatural e pelas coisas futuras. São temas que nem a filosofia no passado deu con­ta e nem mesmo a ciência moder­na possui a resposta para tudo isso. O evangelho é a solução, todavia muitos procuram res­postas nas práticas ocultistas, que hoje são um atrativo para pessoas dos mais diversos seguimen­tos sociais.

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ESEQUIAS SOARES, REVISTA APOLOGÉTICA CRISTÃ – ANO 3

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