- O Ocidente que eles ora aterrorizam deixou-se enfraquecer. Uma combinação de correção política, medo de ofender, medo de lutar e a relutância em perturbar a estabilidade ilusória têm levado a uma incrível série de oportunidades para os jihadistas.
- Baixamos a nossa guarda e nos afastamos. Não porque não dispomos de forças de segurança. Dispomos sim. É porque muitas vezes não dirigimos nossos olhos para as coisas certas: os textos e sermões que promovem a radicalização.
- O Nobre Alcorão nomeia os muçulmanos como guardiões da humanidade, que ainda não atingiu sua maioridade, e lhes concede os direitos de suserania e domínio sobre o mundo a fim de realizar esta sublime tarefa. … Chegamos à conclusão de que é nosso dever estabelecer a soberania sobre o mundo e guiar toda a humanidade aos legítimos preceitos do Islã e seus ensinamentos…” — Hassan al-Banna, fundador da Irmandade Muçulmana.
Na manhã de 26 de julho, o Padre Jacques Hamel de 85 anos de idade foi assassinado no altar a facadas, enquanto celebrava a missa, por um dos dois devotos do Estado Islâmico que haviam invadido a igreja. O assassino cortou sua garganta e poderia muito bem tê-lo decapitado, como é o costume de muitos carrascos jihadistas. Os seguidores de uma fé que glorifica os assassinos como mártires (shuhada’) criaram um mártir de fé completamente diferente.
Tanto em grego quanto em árabe, os termos “mártir” e shahid significam exatamente a mesma coisa: “testemunha”. O Padre Hamel foi o mártir mais recente em uma longa lista de mártires cristãos que foram mortos por homens da violência, teoricamente para dar provas da verdade absoluta de sua fé. Muitos mártires muçulmanos morreram dessa mesma forma, e muitos mais ainda deram suas vidas travando a guerra da (jihad) com o objetivo de conquistar territórios para o Islã. [1]
Na bandeira do estado islâmico está escrito o seguinte: “la ilaha illa’llah, Muhammadun rasulu’llah“. Estas palavras querem dizer: “não há outro Deus a não ser Alá; Maomé é o Profeta de Alá”. Estas duas frases são conhecidas como a shahada, prestar testemunha. Hoje em dia é possível ouvi-la em todos os lugares, na Síria, de novo na França ou no Reino Unido. Shahada também significa martírio. E martírio durante um ato de violência é que os assassinos de um homem de Deus, inocente, alcançaram naquele dia quando policiais armados os encontraram e os mataram fora da igreja que eles haviam profanado.
No dia seguinte, o Líder da Igreja Católica Papa Francisco, emitiu um comunicado sobre o acontecido e por um momento parecia que ele finalmente tinha feito a coisa certa. Ele disse que o mundo estava em guerra. Décadas depois da guerra ter começado, estávamos diante de um líder religioso e político que parecia ter despertado para o fato de que os países ocidentais foram involuntária e ineficazmente deixando de travar a guerra contra o radicalismo islâmico. Ou talvez seja mais correto dizer que o radicalismo islâmico está travando uma guerra contra nós.
Aí ele estragou tudo. O que ele disse foi o seguinte:
“é guerra, não temos que ter medo de dizer que é guerra… uma guerra de interesses, por dinheiro, por recursos naturais. Eu não estou falando de uma guerra de religiões. As religiões não querem guerra. Os outros querem a guerra.”
O que? Matar um padre em seu altar está ligado a “interesses, dinheiro e recursos naturais”?. Os assassinos foram movidos por um anseio de justiça social, por mais dinheiro, por acesso a mais recursos naturais? Eles acreditavam que a morte violenta de um padre inofensivo lhes traria alguma dessas coisas? Eles não foram lá roubar objetos valiosos da mesa do altar, os incensários, os castiçais, o crucifixo, o ostensório. Os assassinos gritavam “Allahu akbar”, literalmente “Deus é Grande” (em relação e, acima de tudo, especialmente para os muçulmanos, significa a Trindade Cristã, supostamente não monoteísta e a Igreja). Como já estamos cansados de saber, “Allahu akbar” é uma frase religiosa que os muçulmanos usam com frequência. É o início da chamada para a oração, adhan, repetida seis vezes, cinco vezes por dia, precedida e seguida pela shahada. A frase ressoa nos ouvidos ocidentais toda vez que muçulmanos na Europa e na América do Norte cometem ataques ou como prenúncio de um ataque suicida. É exatamente porque os muçulmanos acreditam que seu Deus (chamado em árabe de Alá) é superior a todos os outros deuses, porque para eles o Islã é a maior de todas as religiões e, por último, porque o Islã está destinado a conquistar o mundo, seja pela conversão seja por meio da violência.
O que o Papa Francisco quis dizer com: “as religiões não querem a guerra. Os outros querem a guerra”? O Papa é um homem que tem acesso interminável a faculdades de estudiosos, de acadêmicos de todo o mundo, especialistas em Islã e Oriente Médio. Simplesmente não é verdade. Para começar, quem são esses “outros”? Pessoas não religiosas? Ateus? Agnósticos? Protestantes?
Para vencer uma guerra é preciso ser capaz de identificar o inimigo, entender seus motivos, descobrir o que exatamente faz com que seus soldados arrisquem suas vidas em combate, saber por qual causa mães e esposas enviam seus maridos e filhos à luta, sabendo que podem nunca mais voltar. Ignore tudo isso, invente motivos falsos que conduzem o inimigo ou deixe de saber qual seu objetivo final e a guerra estará perdida. “Se você souber quem é seu inimigo e conhecer a si mesmo, não terá porque temer o resultado de cem batalhas”, disse o grande general chinês Sun Tzu, em A Arte da Guerra.
Um dia depois daquele comentário, o Papa lamentavelmente expôs ainda mais a sua ignorância. Um comunicado na revista católica Crux esclarecia:
O Papa disse que em todas as religiões há pessoas violentas, “um pequeno grupo de fundamentalistas,” inclusive no catolicismo.
“Quando o fundamentalismo chega ao extremo de assassinar… é possível matar com a língua e também com a faca,” disse ele.
“Eu acredito que não é justo igualar o Islã com a violência. Não é justo e não é verdade,” continuou ele, acrescentando que teve uma longa conversa com o Grande Imã de Al-Azhar, a Universidade islâmica do Cairo, frequentemente descrita como o Vaticano do mundo sunita.
“Eu sei o que eles pensam. Eles querem a paz, a convergência” ressaltou ele. (Itálico adicionado pelo autor)
Lamentavelmente é evidente que o Papa (assim como centenas de políticos e líderes religiosos no Ocidente, exceto em Israel) não sabe absolutamente nada sobre seu inimigo. Se o Papa acha que “as religiões não querem a guerra”, fica claro que ele nunca estudou o Islã nem recebeu nenhuma orientação confiável a seu respeito de ninguém. Eis porque.
Os últimos capítulos do Alcorão contêm dezenas de versos, que exortam os crentes a saírem para lutar na jihad ou usarem seus recursos para pagar outros a lutarem em seu lugar. O objetivo da jihad é “o fortalecimento do Islã, a proteção dos crentes e o fim da falta de fé na terra”. [2]
De acordo com um especialista em jihad, contemporâneo nosso, “o Alcorão… apresenta justificativas religiosas bem articuladas para empreender guerras contra os inimigos do Islã”. [3]
O Islã não é apenas uma religião, é um sistema de governança. Veja o que diz Hassan al-Banna, fundador da onipresente Irmandade Muçulmana:
O Islã é um sistema abrangente que lida com todas as esferas da vida. É um estado e uma pátria (um governo e uma nação). É moralidade e poder (misericórdia e justiça); é uma cultura e uma lei (conhecimento e jurisprudência). É substância e riqueza (ganho e prosperidade). É um empenho e um chamamento (um exército e uma causa). E por fim, é culto e adoração verdadeiros. [4]
O que isto significa para aqueles que não são muçulmanos? Banna novamente deixa isso bem claro:
isso significa que o Nobre Alcorão nomeia os muçulmanos como guardiões da humanidade, que ainda não atingiu sua maioridade, e lhes concede os direitos de suserania e domínio sobre o mundo a fim de realizar esta sublime tarefa. Portanto é nossa preocupação não a do Ocidente e isso diz respeito à civilização islâmica, não à civilização materialista. Chegamos à conclusão de que é nosso dever estabelecer a soberania sobre o mundo e guiar toda a humanidade aos legítimos preceitos do Islã e seus ensinamentos, sem os quais a humanidade não terá condições de alcançar a felicidade.[5]
Papa Francisco (direita), disse recentemente: “eu não estou falando de uma guerra de religiões. As religiões não querem guerra”, e “eu acredito que não é justo igualar o Islã com a violência. Não é justo e não é verdade”. Hassan al-Banna (esquerda), fundador da Irmandade Muçulmana, escreveu que “o Nobre Alcorão nomeou os muçulmanos como guardiões da humanidade, que ainda não atingiu sua maioridade, e lhes concede os direitos de suserania e domínio sobre o mundo a fim de realizar esta sublime tarefa.” |
A literatura da tradição islâmica encontrada em seis coleções canônicas apresenta descrições da jihad e instruções de como lutar em nome dela. Não se deixe enganar por repetidos ofuscamentos, “a maior jihad é a luta consigo mesmo, uma guerra espiritual”. Não há nenhuma menção a este conceito nos textos clássicos. [6] Durante séculos, a jihad significou guerra física. Até as místicas irmandades Sufi se envolveram nessa luta totalmente física. [7]
O profeta islâmico Maomé liderou seus homens em batalhas em inúmeras ocasiões e enviou tropas de assalto em cerca de 100 ataques e expedições. [8] Seus sucessores, os califas, fizeram o mesmo. Meio século depois da morte de Maomé em 632 d.C., forças muçulmanas já tinham conquistado metade do mundo conhecido. As guerras santas (Jihad) continuaram a ser travadas anualmente por todos os grandes impérios islâmicos, sem nenhuma exceção.
Os dois primeiros grandes impérios islâmicos, o dos Omíadas (de 661 a 750) e de seus sucessores, sob a nova dinastia de califas e os abássidas (de 750 a 1258) que empreenderam expedições anuais (geralmente duas ou mais por ano) contra o Império Bizantino (sediados em Constantinopla). Estes ataques constituíam uma tradição baseada nas primeiras jihads (guerras santas) tanto no Ocidente quanto no Oriente. Os ataques nunca eram improvisados e sim muito bem planejados. Normalmente havia duas campanhas de verão, muitas vezes seguidas por expedições de inverno.
As jihads de verão eram geralmente compostas de dois ataques separados. Uma investida era chamada de “expedição da esquerda”. Ela era lançada das fortalezas da fronteira da Sicília cujas tropas eram em sua maioria de origem síria. A “expedição da direita”, a maior, era lançada da província oriental anatoliana de Malatya, onde se posicionavam as tropas iraquianas. Estas expedições da jihad atingiram o seu auge no terceiro grande império, o dos otomanos, que conquistaram Constantinopla em 1453, pondo um fim ao Império Bizantino. Constantinopla recebeu o nome de Istambul e a sua principal Basílica, Hagia Sophia, foi transformada na mesquita imperial dos otomanos.
As organizações jihadistas de hoje, do Estado Islâmico, al-Qaeda, os talibãs, Jihad Islâmica, Jabhat al-Nusra, Boko Haram, Hamas à al-Shabaab e centenas de outras, estão simplesmente empreendendo, em um contexto maior, as guerras da jihad do século XIX. [9]
Ao que tudo indica os jihadistas preferem a guerra ao trabalho missionário (embora haja grupos como os Tablighi Jamaat, paquistaneses, que fazem esse tipo de trabalho), porque essas guerras os remetem aos dias de Maomé e seus companheiros, as três primeiras gerações belicistas. O termo salafista, hoje usado para designar a maioria dos grupos islâmicos mais radicais, vem de salaf que significa “ancestral”, mas com um significado próprio das primeiras três gerações do Islã. Maomé, seus primeiros seguidores, seus filhos e netos. Os jihadistas adotam essa postura porque, tendo perdido a força militar a partir do colapso do Império Otomano em 1918, parecem ainda se sentir compelidos a lutar contra o poder do Ocidente, o triunfo dos cristãos (ou em Israel, dos judeus). Alá, aos seus olhos, prometeu aos seus seguidores, os muçulmanos, que um dia eles governarão o mundo,[10] e por muitos séculos os muçulmanos podem ter até acreditado que isto estava realmente acontecendo. Então essas esperanças foram por água abaixo. Impérios ocidentais começaram a conquistar, colonizar e governar estados muçulmanos, como por exemplo o norte da Índia, Argélia, Egito, Sudão, Líbia e outras regiões — um retrocesso totalmente inimaginável.
Para contra-atacar, os jihadistas optaram por usar a melhor arma à sua disposição: o terrorismo. Pior do que isso, o Ocidente que eles ora aterrorizam deixou-se enfraquecer. Uma combinação de correção política, medo de ofender, medo de lutar e a relutância em perturbar a estabilidade ilusória têm levado a uma incrível série de oportunidades para os jihadistas.
Por exemplo, o jovem islamista que assassinou o padre na França, foi preso duas vezes por tentar viajar para a Síria a fim de lutar ao lado do Estado Islâmico. Quando do assassinato, as gentis autoridades o haviam forçado a usar uma tornozeleira eletrônica para que ele fosse monitorado — mas ele deveria ficar em casa apenas durante a noite. Durante o dia ele tinha autorização de perambular livremente pelas ruas. Naquela manhã fatídica, ele resolveu entrar com o seu companheiro em uma igreja próxima e satisfazer sua ânsia pelo martírio e de matar um cristão.
Lamentavelmente, o Papa Francisco não poderia estar mais equivocado. Uma religião queria travar guerras desde a sua concepção. Tivemos que nos proteger delas por mais de 1400 anos até quando o Império Otomano foi barrado nas portas de Viena em 1683. Agora baixamos a nossa guarda e nos afastamos. Não porque não dispomos de forças de segurança. Dispomos sim. É porque muitas vezes não estamos atrás das coisas certas: os textos e sermões que promovem a radicalização.
Por qual motivo jovens muçulmanos normais se tornam recrutadores de extremistas? Cristãos, hindus, judeus, budistas e baha’is jovens não seguem o mesmo caminho. Será que isso acontece porque um número considerável de jovens muçulmanos, primeiro nos países islâmicos e agora no Ocidente, são doutrinados desde cedo que o Islã tem como meta a dominação, que a jihad não é um mal e sim uma expressão de sua fé, que eles sofrem por serem vítimas da “islamofobia”, que as mulheres ocidentais são imorais e que outras religiões são falsas?
É hora de acordar. Gostemos ou não, estamos realmente em guerra. Leon Trotsky disse o seguinte: “você pode não estar interessado na guerra, mas a guerra está interessada em você”.
Nosso inimigo é uma versão extremista do Islã que precisa passar por uma reforma, versão esta que remete os muçulmanos, não de volta ao século VII, mas os leva ao século XXI e provavelmente mais para a frente.
O Dr. Denis MacEoin, sediado na Inglaterra, é especialista em Islã.
[1] “O conceito de martírio no Islã foi elaborado de forma diferente do que no cristianismo ou no judaísmo. O martírio no Islã tem um sentido muito mais ativo: o mártir em potencial é induzido a procurar situações em que o martírio pode ser alcançado. ” David Cook em Understanding Jihad, University of California Press, 2015, p. 26.
[2] Rudolph Peters Islam and Colonialism: The Doctrine of Jihad in Modern History, Haia, 1979, pág. 10
[3] Cook, pág. 11.
[4] Hasan al-Banna, Message for Youth, trans. Muhammad H. Najm, Londres, 1993, pág. 6
[5] Wendell Charles (trans), The Five Tracts of Hasan Al-Banna (1906-1949), University of California Press, 1978, págs. 70 a 73.
[6] “Tradições que indicam que a jihad tinha o significado de guerra espiritual… estão totalmente ausentes de qualquer texto canônico oficial (exceto a al-Tirmidhi, que cita: ‘o combatente é aquele que combate suas paixões’; elas aparecem com mais frequência nas coleções de textos ascéticos ou nos provérbios.” Cook, pág. 35.
[7] “Este paradigma persistiu em tempos medievais, onde encontramos por diversas vezes grupos sufistas combatendo os inimigos do Islã. Por exemplo, depois de derrotarem os cruzados liderados por Guy de Lusignan na Batalha dos Chifres de Hattin (1187), o líder muçulmano Salah al-Din al-Ayyubi (Saladino) (1169-1191) entregou os cruzados capturados a vários de seus regimentos sufistas para serem massacrados. “Cook, pág. 45.
[8] Uma lista abrangente, detalhada com observações e comentários encontra-se disponível na Wikipedia.
[9] Para obter mais detalhes, consulte Rudolph Peters, trechos.
[10] “Ele (Alá) foi quem enviou seu Mensageiro (Maomé) trazendo a orientação e a Verdadeira Religião para fazer com que o Islã seja dominante sobre todas as outras religiões” (Alcorão 09:33). O quinto verso da mesma surata é conhecido como o “Verso de Espada”, porque é o primeiro a encorajar ataques físicos contra os não muçulmanos.