O obreiro é disposto a sofrer

obreiro normal

Leitura: / Pedro 4.1; II Samuel 23.14-17; Apo­calipse 2.10.

Todo obreiro cristão deveria estar mentalmente preparado para o sofrimento. Em I Pedro 4.1, lemos as seguintes palavras: “Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento”. Uma atitude mental correta, em relação aos sofrimentos, faz parte do equipamento essencial de todo obreiro cristão.

Há certa escola de pensamento, mui generalizada, que mantém que toda forma de prazer milita contra o desenvolvimento espiritual. Rejeitamos enfaticamente essa filosofia, porquanto a própria Palavra de Deus declara que a porção do povo de Deus é uma porção abençoada. No Salmo oitenta e quatro, podemos ler: “O Senhor dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente”. E o conhecidíssimo Salmo vinte e três, diz: “O Senhor é o meu pastor: nada me faltará”. Por todas as páginas da Bíblia o amoroso cuidado do Senhor, que nos trata qual pastor, é clara­mente retratado, e por todas as Escrituras vemo-Loa cuidar fielmente dos que Lhe pertencem, livrando-os das suas aflições e sempre estabelecendo distinção entre o Seu povo e as nações pagãs. Mesmo durante o tempo em que Seu povo escolhido peregrinava no Egito, Ele destacou aquela região da terra onde eles habitavam, para derramar bênçãos peculiares sobre a mesma.

De outra parte, Deus não isenta os Seus filhos das provações ou castigos; em realidade, as provações e os castigos são necessários para garantir-lhes o cresci­mento até à maturidade. Mas aquilo para o que dese­jamos chamar a atenção, nesta altura, é um determinado aspecto do sofrimento, com freqüência ventilado na Palavra de Deus, e que consiste da escolha deliberada de Seus filhos, cujo consumidor desejo é o de prestar-Lhe serviço. Não se trata de algo que lhes haja sido imposto, de algo que tenham aceitado com relutância, e, sim, de algo que eles preferem voluntariamente. Os três heróis de Davi não tinham necessidade de arriscar a própria vida, a fim de trazer-lhe um pouco de água para beber; todavia, quando o ouviram expressar o seu anelo por um gole de água, tirada do poço de Belém, puseram em risco a própria vida e irromperam pelas fileiras do exército filisteu, a fim de satisfazerem ao seu desejo. (Ver II Samuel 23.14-17).

Muito sofrimento existe que poderíamos evitar, se assim o desejássemos; contudo, se tivermos que ser úteis para o Senhor, será fundamentalmente necessário que tomemos a deliberada decisão de palmilhar pela senda do sofrimento por amor a Ele. A menos que assumamos a disposição de sofrer por Ele, o trabalho que realizaremos será de qualidade extremamente su­perficial.

Que queremos dar a entender quando falamos em estar-se mentalmente preparado para o sofrimento? Em primeiro lugar, estabeleçamos claramente a diferença que há entre sofrer e estar mentalmente preparado para sofrer. Estar mentalmente preparado para sofrer implica em termos escolhido espontaneamente a vereda do sofrimento por amor a Cristo; significa que o nosso coração se dispõe a suportar as aflições por causa Dele. A questão não consiste da intensidade do sofrimento a que porventura sejamos chamados a experimentar, mas consiste de nossa atitude para com o sofrimento que nos cerca. Por exemplo, o Senhor talvez tenha posto vocês em circunstâncias onde contam com boa alimen­tação e boas vestes, e com uma casa bem mobiliada. Disso não se segue que se vocês tiverem escolhido sofrer por Sua causa, que não poderão continuar desfrutando de todas as dádivas que Ele lhes tiver conferido. A questão não é: Sua situação externa é boa ou má? e, sim: A atitude de seu coração se dispõe a suportar privações por amor a Ele? Talvez que os sofrimentos não sejam a porção diária de nossa vida, mas que este­jamos preparados para sofrer a cada dia.

Infelizmente, a massa comum dos crentes, junta­mente com muitos obreiros cristãos, parece poder pros­seguir esplendidamente enquanto as circunstâncias lhes são favoráveis; mas, no momento em que alguma aflição lhes sobrevêm, estacam de súbito. A dificuldade é que não estão intimamente preparados para sofrer. Se já nos tivermos decidido a aceitar voluntariamente o caminho do sofrimento por causa de nosso Senhor, então os testes nunca nos apanharão desprevenidos. Se Ele achar por bem dar-nos alívio do sofrimento, isso é questão que só a Ele diz respeito; de nossa parte, entretanto, devemos estar sempre prontos para experimentá-lo. Sempre que nos sobrevier o sofrimento nós o aceitaremos como fenômeno normal; e, visto que não o reputamos coisa estranha, não somos tentados a nos desviarmos do ca­minho, mas prosseguimos diretamente em direção ao alvo. Observem cuidadosamente as palavras de Pedro: “Ora, tendo Cristo sofrido na carne, armai-vos também vós do mesmo pensamento”. Puderam perceber como a disposição mental para sofrer faz parte de uma arma­dura? Trata-se de um item de nosso equipamento para a luta espiritual, e que reduz Satanás à impotência quando ele nos ataca em qualquer ponto vulnerável. Se nos faltar essa peça da armadura, não estaremos aptos para o conflito.

Existem crentes que suportam os sofrimentos, não tendo, porém, qualquer conceito da preciosidade dos sofrimentos que lhes cabe na vida. Gemem sob o sofrimento sem qualquer senso de gratidão para com o Senhor, e só esperam pelo dia quando puderem ver-se livres do mesmo. Não aceitam a aflição de todo o coração, mas reputam-na como algo deplorável, que tem de ser tolerado. A atitude dos tais demonstra o fato que lhes falta a disposição mental para sofrer.

Irmãos e irmãs, se em períodos de prosperidade vocês não se armarem com o pensamento que se dispõe a sofrer, então, quando forem apanhados pela adversi­dade, serão incapazes de continuar servindo ao Senhor; entretanto, se estiverem armados com a determinação de sofrer por causa Dele, prosseguirão constantemente, sem importar o que lhes sobrevenha. Não pensem que, quando estiverem passando por aflições, que de fato estão sofrendo por causa do Senhor. A indagação que é mister que seja feita, não é: Por quanto sofrimento eu já passei? Mas é antes: Até que ponto me tenho regozijado ante o sofrimento? É possível para o crente sofrer de intensa perturbação e dificuldades, sem ter a disposição para o sofrimento. A disposição para o so­frimento é algo profundamente íntimo. Queremos que fique perfeitamente claro, neste ponto, que é perfeita­mente possível para o crente estar mentalmente preparado para o sofrimento, ao mesmo tempo em que não experimenta nenhuma provação material; como também é perfeitamente possível atravessar muitas aflições ma­teriais sem estar armado da disposição de sofrer. Se aos crentes fosse oferecida a opção entre sofrer e não sofrer, muitos, por certo, prefeririam a isenção de todo sofrimento, e isso pelo motivo simples que lhes falta o desejo de sofrer pelo seu Senhor. Qualquer obreiro cristão em cuja vida se faça ausente essa disposição no íntimo, sempre estará orando para que lhe sejam propor­cionadas circunstâncias favoráveis, a fim de que haja progresso na obra.

No caso de alguns dentre os filhos de Deus, há poucos sinais de adversidade nas suas circunstâncias, ao passo que outros se acham claramente em grande aperto. Mui naturalmente, concluiríamos que estes últi­mos conhecem a graça do Senhor em maior medida do que os primeiros, e que desenvolveriam um mais rico ministério espiritual. Na realidade, porém, é justamente o contrário que se verifica; e quando nos pomos a exa­minar de perto a situação, descobrimos que embora alguns sofram tanto, falta-lhes a disposição mental para acolherem o sofrimento, e só desejam escapar de suas provações na primeira oportunidade que se lhes deparar. Os sofrimentos dos tais não têm proveito; eles nada ‘ aprendem disso.

Uma das dificuldades que com grande freqüência nos confronta no trabalho é a exigüidade dos recursos financeiros. Há ocasiões em que parece que o Senhor nos deixou provisões inadequadas, e decidimos que não podemos continuar. Como será que o Senhor se sente a respeito da nossa reação? Já ouviram-No perguntar: Por qual motivo me estás servindo? Oh, essa inda­gação nos acha com muita freqüência! Qual é o servo de Cristo que poderia estipular que irá ao trabalho se o sol brilhar, mas que permanecerá em casa se vier a chover? Se vocês forem dotados da atitude mental correta a respeito do sofrimento, nesse caso nada poderá intimidá-los. Serão capazes de desafiar as circunstâncias; desafiarão as enfermidades físicas; desafiarão a morte; desafiarão até as próprias hostes das trevas. Todavia, se vocês não houverem cultivado essa disposição, serão assaltados pelo temor, em face das dificuldades; e, se abrigarem o temor, cairão como presas fáceis perante o inimigo. Ele lançará contra vocês exatamente aquilo que mais temem, e assim vocês tornar-se-ão vulneráveis ante os seus assédios, visto que a mente de vocês não estará sendo salvaguardada pela determinação de sofrer na carne, tal como Cristo também sofreu. Estamos pre­parados para dizer-Lhe: “Compelido pelo Teu amor e pela Tua graça que me confere poder, entrego-me ao Teu serviço, quaisquer que forem as conseqüências?” O crente não deve convidar as tribulações, nem sair em busca delas; porém, se elas se atravessarem em seu caminho, ele deve enfrentá-las com a mente já resol­vida a suportá-las galhardamente, por amor ao Senhor. Por exemplo, se vocês forem pessoas fisicamente débeis, naturalmente necessitarão de um leito mais confortável do que o precisaria uma pessoa vigorosa; mas, se ao se lançarem na obra do Senhor, fixarem a mente no ponto que precisam de uma cama mais confortável, tornar-se-ão mais vulneráveis ao inimigo nesse particular. Por outro lado, se vocês estiverem mentalmente preparados para sofrer por causa de Cristo, e então o Senhor lhes prover um leito confortável, não haverá mérito algum em evitar o leito para tornarem mais áspera a sua exis­tência, dormindo no chão. Não imaginem que os crentes que vivem em circunstâncias mais desfavoráveis sejam, automaticamente, capazes de suportar com mais facilidade as dificuldades do que aqueles que vivem em condições mais favoráveis. Somente aqueles que, não importando as suas circunstâncias externas — favo­ráveis ou desfavoráveis — se têm entregue ao Senhor e se têm armado da disposição mental de sofrer, é que serão capazes de se manter firmes no dia da pro­vação. Um irmão acostumado ao conforto, mas que tenha tido uma transação definida com o Senhor e se tenha disposto ao sofrimento por causa Dele, terá muito maior poder para suportar o sofrimento do que qualquer outro irmão, acostumado às privações, mas que não se tenha armado de tal disposição.

Se essa questão não for deliberadamente resolvida, a fraqueza de vocês será fatalmente descoberta um dia, e nesse dia vocês sentirão pena de si mesmos. De certa feita, uma irmã, que vinha servindo ao Senhor durante anos, veio falar com uma outra irmã, a qual derramava copiosas lágrimas de auto-compaixão, e lhe perguntou: “Por qual razão você está derramando essas lágrimas? ” Muitos crentes que parecem dotados de certa medida de tolerância, fracassam quando se confrontam com um teste crucial, visto não terem usado da precaução de se armarem, conforme Deus recomenda em Sua Palavra, e assim, na hora em que são achados em falta, seu orgulho fica ferido e as lágrimas de auto-compaixão começam a correr.

Levanta-se, mui naturalmente, a pergunta: Até que ponto deveríamos estar preparados para sofrer? “Sê fiel até à morte”, responde-nos a Palavra de Deus (ver Apocalipse 2.10). Alguns dizem que há o perigo de nos tornarmos extremistas. E assim é, realmente; mas, se vocês se têm armado da disposição mental para o sofri­mento, não estarão sempre tentando conservar o meio termo feliz. Poderão, com toda a segurança, deixar a questão de preservar o equilíbrio, se estiverem no perigo de perdê-lo, nas mãos do Senhor e de Sua Igreja.

O que lhes cabe é entregar a vida a Ele, chegando a pa­decer até à morte, se Ele assim o exigir; e Ele, por Sua vez, haverá de resguardá-los de caírem em extremismos. Se vocês vivem sempre pensando sobre até onde devem prosseguir nessa questão do sofrimento, nunca irão muito longe; serão apanhados no ardil de permitir que a obra sofra, a fim de preservarem a própria vida. A dis­posição mental para o sofrimento não é uma idéia diluída; mas é uma determinação viril que nos capacita a dizer ao Senhor: “Sim, Senhor, até à morte. Minha vida está à Tua disposição, para que faças dela o que melhor Te parecer”. Deus precisa de servos que queiram tratar a sério com Ele, que não hesitem em desistir de tudo, até da própria vida, por Sua causa. Abando­nemos todos os nossos cálculos cautelosos e aquele temor deformante de cair em extremismos, e transacionemos com o Senhor com a disposição de servi-Lo a qualquer preço, mesmo que isso signifique a própria morte.

Está registrado, em Apocalipse 12.11, a respeito dos vencedores: “Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do teste­munho que deram, e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida”. Se vocês cumprirem essas condições, os assaltos desfechados por Satanás contra vocês serão fúteis. Ele se tornará incapaz de vencer a qualquer crente que não busque preservar a própria vida. Satanás zombou da idéia que Jó poderia servir a Deus sem ser impulsionado por qualquer desejo de auto-preservação, e por essa razão, disse ao Senhor: “Tudo quanto o homem tem dará pela sua vida. Es­tende, porém, a tua mão, toca-lhe nos ossos e na carne, e verás se não blasfema contra ti na tua face!” (Jó 2.4,5). Satanás sabia que poderia vencer a Jó se este estivesse dominado pelo mais leve interesse próprio, e, por esse motivo, pleiteou pela permissão de sujeitá-lo a um teste. O registro do livro de Jó, seme­lhante àquele que se encontra no livro de Apocalipse, demonstra a impotência de Satanás para vencer àqueles que não dão a menor importância às suas próprias vidas. Há um limite para os nossos sofrimentos, mas não pode haver limite para a nossa disposição de sofrer. Se, nesse particular, impusermos qualquer limite, Satanás, mais cedo ou mais tarde, nos conseguirá derrotar.

Gostaria de perguntar: O que importa é a preser­vação das nossas vidas ou é a preservação da obra do Senhor? O que tem importância é a salvação de almas ou é a preservação das nossas vidas? O que é de maior importância, salvaguardar os nossos interesses pessoais, ou salvaguardar o testemunho do Senhor na terra?

Oxalá pudéssemos, todos juntos e cada qual em separado, sacudir de nós mesmos o amor próprio, cor­respondendo afirmativamente ao Senhor segundo Ele nos fosse desafiando, a fim de servi-Lo com exclusivi­dade, visando unicamente os Seus interesses! Se nosso abandono em Suas mãos for completo, então também poderemos experimentar as Suas bênçãos de modo com­pleto.

Extraído do livro “O Obreiro Cristão Normal” – Watchman Nee, Ed. Fiel

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