Leitura: Mateus 25.14-30; II Timóteo 4.2; II Pedro 1.5-15; João 5.17 e 4.35.
A vida diária do obreiro cristão está relacionada intimamente com o seu trabalho. E, por essa razão, ao considerarmos as qualificações necessárias para o serviço cristão, precisamos levar em conta questões como disposição e conduta. A fim de estar preparado para o serviço espiritual, o homem deve ser dono não apenas de determinado lastro de experiência espiritual, mas igualmente de certo tipo de caráter. O caráter do obreiro deve condizer com o caráter da obra, e o desenvolvimento do caráter de uma pessoa não ocorre em um dia. Se um obreiro tiver de possuir aquelas qualidades necessárias para que seja útil ao Senhor, então é mister serem consideradas muitas questões práticas atinentes à sua vida diária. Terá ele de desfazer-se de hábitos antigos e de formar novos costumes, mediante a disciplina, e sua vida terá de ajustar-se fundamentalmente à obra, para que se harmonize com ela.
Há certos jovens que desde o início de sua vida cristã manifestam qualidades que nos levam a esperar que se tornem úteis servos de Cristo; por outro lado, existem aqueles que, embora não lhes faltem dons, cedo tropeçam pelo caminho e atraem opróbrio para o nome de Cristo. Pergunta-se, pois, como se explica o desenvolvimento tão variado das vidas dos obreiros cristãos? Seja-me permitido responder francamente que há certas características básicas na constituição de cada um que determinam se terão ou não valia para o Senhor. Um jovem pode exibir certas inclinações que parecem promissoras para o futuro; todavia, se determinadas qualidades fundamentais não estiverem presentes, certamente ele será um desapontamento para outros. Pode ter ele autêntico desejo de servir ao Senhor, mas falta-lhe a disposição de ser um verdadeiro servo. Jamais pudemos encontrar um obreiro cristão que fosse um bom obreiro, se porventura lhe faltasse o domínio-próprio necessário; e jamais conhecemos uma pessoa desobediente que se mostrasse um servo útil para o Senhor.
Há certas características sem as quais ninguém pode ser um obreiro cristão satisfatório, tornando-se necessário, desse modo, um processo de destruição e reedificação, a fim de que o Senhor possa obter obreiros que satisfaçam às Suas exigências. A dificuldade de muitos candidatos à obra do Senhor não consiste de ignorância ou falta de habilidades, mas reside no fato que o errado é o próprio indivíduo; há algo de fundamental que está ausente em sua constituição. Por conseguinte, é necessário que nos humilhemos perante Deus, submetendo-nos à disciplina própria, se aquilo que porventura estiver faltando em nosso caráter tiver de ser corrigido. Demoremo-nos um pouco em Sua presença, buscando descobrir algumas daquelas qualidades requeridas de todos quantos tiverem de servi-Lo de modo aceitável.
Uma dessas qualidades é a diligência. Parece supérfluo dizê-lo, mas realmente é essencial afirmar de maneira enfática que o obreiro cristão deve ser pessoa dotada da vontade de trabalhar. No evangelho de Mateus lemos acerca da história dos servos aos quais foram entregues cinco talentos, dois talentos e um talento, respectivamente. Quando, após longa ausência, o senhor daqueles servos regressou e exigiu que prestassem contas de sua custódia, o servo que recebera um único talento, disse: “Senhor, sabendo que és homem severo, que ceifas onde não semeaste, e ajuntas onde não espalhaste, receoso, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei? Cumpria, portanto, que entregasses o meu dinheiro aos banqueiros, e eu, ao voltar, receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez. . E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes” (25.24-30).
Esse trecho das Escrituras demonstra que o Senhor requer que cada servo Seu seja diligente no serviço que Lhe presta. Ele indicou claramente a falha fundamental na vida do servo que nos foi retratado acima. Tal falha era dupla: ele era “mau” e “negligente”. A sua maldade ficou manifesta no fato que ousou chamar seu senhor de “homem severo”. Não frisaremos aqui este aspecto do seu caráter, mas falaremos a respeito de outro aspecto, isto é, de sua negligência.
A preguiça não é um defeito raro. Os preguiçosos nunca buscam trabalho, e, ainda que cheguem a empregar-se, buscam evitar todo esforço. Infelizmente, muitos crentes, como também descrentes, sofrem dessa fraqueza, e servem de empecilho para com os seus companheiros. Já tiveram a oportunidade de conhecer algum obreiro cristão eficaz que também fosse indolente? Não, mas todos os tais são diligentes e estão sempre alertas, não desejando desperdiçar tempo ou esforços. Não vivem à cata de oportunidade para descansar, mas, pelo contrário, buscam aproveitar cada ocasião oportuna para servirem ao Senhor.
Contemplem os apóstolos. Quão diligentes foram eles! Pensem no colossal trabalho realizado por Paulo no decurso de sua vida. Vejam-no a viajar de lugar para lugar, pregando o evangelho onde quer que se encontrasse, arrazoando intensamente com indivíduos; até mesmo quando foi lançado numa prisão, não deixou de aproveitar tal oportunidade — pregava para todos com quem entrava em contacto e escrevia para aqueles de quem fora separado. Leiam o que ele escreveu para Timóteo, quando estava encarcerado: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não” (II Timóteo 4.2). A prisão podia restringir os movimentos externos de Paulo, mas não era capaz de cercear a eficácia do seu ministério. Quantas riquezas espirituais ele ministrou por intermédio de suas epístolas escritas na prisão! Não havia o menor resquício de preguiça em Paulo; ele estava sempre aproveitando o tempo.
Infelizmente, muitos obreiros cristãos declarados não fazem o esforço de buscar oportunidade para servir ao Senhor; e se alguém se aproxima deles sem ter sido convidado, consideram isso uma interrupção, e não uma oportunidade, e tão-somente almejam que tal pessoa logo se vá embora e deixe de aborrecê-los. Que nome vocês emprestariam a isso? Essa atitude se denomina preguiça.
Vocês já tiveram de tratar com trabalhadores que “amarram” o trabalho? Essas pessoas aceitam realizar alguma tarefa, mas elas se demoram e arrastam sobremaneira o serviço, ao mesmo tempo que, se podem fingem estar trabalhando, pois não levam a sério o seu serviço, já que sua única preocupação é matar o tempo. Qual é a dificuldade que os aflige? É a mais franca preguiça.
Em sua epístola aos filipenses, escreveu Paulo: “A mim não me desgosta, e é segurança para vós outros, que eu vos escreva as mesmas cousas” (3.1). Embora Paulo estivesse encarcerado, não considerava um enfado ter de reiterar as mesmas coisas ao dirigir-se por escrito aos crentes de Filipos, visto que isso tinha em mira o bem deles. Como isso difere de muitos crentes! Se lhes solicitarmos que façam alguma coisa, reagem como se uma carga tremenda lhes houvesse sido imposta. A pessoa que reputa tudo como um fardo não pode ser um fiel servo do Senhor; nem ao menos pode ser um servo fiel dos homens. Alguns dos chamados “obreiros cristãos de tempo integral” são tão profundamente espirituais que não vêem necessidade de trabalhar arduamente ou de prestar contas de seu serviço a quem quer que seja. Se estivessem empregados em algum trabalho secular, nenhum patrão terreno os toleraria, face à indolência que caracteriza o seu serviço; e, no entanto, iludem-se, pensando que podem servir a Deus dessa maneira. Oh! nosso caráter precisa ser disciplinado até não mais considerarmos o trabalho como algo maçante, deleitando-nos em despender tempo, energias e recursos materiais, sem nenhuma restrição, a fim de servir aos outros! Paulo não só se derramava em seu ministério espiritual, mas também experimentava quão árduo pode ser o trabalho manual. Ouçamos a sua própria declaração:— “Vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo” (Atos 20.34). Ali estava um verdadeiro servo do Senhor.
Alguns supostos obreiros cristãos têm, realmente, aversão ao trabalho, e sempre podem apresentar alguma desculpa para evitá-lo; a outros falta o impulso de buscar trabalho e simplesmente se deixam ficar no ócio, esperando que aconteça alguma coisa. Todo servo fiel a Cristo aproveita os momentos; mesmo quando não esteja externamente atarefado está internamente ativo, esperando no Senhor em autêntico exercício do coração. De certa feita, disse nosso Senhor: “Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (João 5.17); noutra ocasião, fez aos discípulos esta pertinente pergunta: “Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa? ” E respondendo Ele mesmo à indagação, adicionou: “Eu, porém, vos digo: Erguei os vossos olhos e vede os campos, pois já branquejam para a ceifa” (João 4.35). Os discípulos estavam dispostos a esperar durante quatro meses até lançarem mãos à obra, mas nosso Senhor, na realidade, disse que já era chegado o tempo de se lançarem ao trabalho, e não somente em alguma data futura. “Erguei os vossos olhos e vede”, disse Ele, indicando o tipo de trabalhador de que Ele precisava — alguém que não espera até que o trabalho chegue à sua presença, mas que tem olhos para ver o trabalho a ser feito. Nosso Senhor mantinha-se sempre alerta para cooperar com o Pai em tudo quanto estivesse fazendo; e, visto que o Pai estava sempre ativo, o Filho igualmente se conservava ativo. Não é a fervente atividade de pessoas cujas inclinações para o desassossego as conservam sempre agitadas que pode satisfazer à necessidade, mas esta necessidade pode ser satisfeita pelo espírito de alerta do servo diligente, o qual vem cultivando o hábito de olhar para cima e sempre pode ver a obra do Pai, que aguarda sua cooperação. Infelizmente, pouquíssimos são os crentes que podem ver o que Deus está fazendo atualmente. É trágico, mas é possível que atravessemos os campos maduros para a colheita sem ao menos percebermos os grãos já maduros. É possível que o trabalho esteja bem defronte de nós sem ao menos nos darmos conta disso. Os crentes a quem falta esse senso de urgência na obra, que podem esperar confortavelmente pelo espaço de “quatro meses”, antes de se lançarem à tarefa, são “servos inúteis”. Cristo precisa de obreiros que aproveitem zelosamente os momentos que passam, que nunca adiam o trabalho para o dia de amanhã, se puder ser feito hoje. Em alguns lugares não há ceifa pela simples razão que é muito grande o número de crentes que não gostam de trabalhar.
A diligência é essencial se tivermos de servir ao Senhor, mas ela consiste primariamente de uma questão do íntimo que não pode ser medida pelo volume externo de atividades. Não ousamos ceder perante a indolência da nossa própria constituição, razão pela qual também nos devemos esforçar por cultivar uma disposição diligente. Entretanto, de nada adiantará que nos obriguemos a trabalhar um pouco mais se formos preguiçosos por natureza, porquanto, após um período de trabalho duro certamente reverteremos aos antigos hábitos de indolência. O de que precisamos é de uma transformação radical em nossa constituição. Estamos familiarizados com as palavras que ensinam que o Senhor veio “buscar e salvar o perdido” — Ele veio não somente para entrar em contacto com os homens; mas veio procurá-los e salvá-los. Com que diligência Ele os buscava e salvava! É dessa disposição que precisamos.
No primeiro capítulo de sua segunda epístola escreve Pedro: “…reunindo toda vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor” (versículos 5-7). Essa adição sobre adição caracteriza cada pessoa diligente. Cumpre-nos cultivar a disposição que nunca cessa de adquirir novos territórios no reino espiritual, pois, desse modo, seremos servos úteis para o Senhor. Oh, precisamos ser intensamente positivos em Seu serviço! Alguns obreiros cristãos parecem completamente despidos de qualquer senso de responsabilidade; não percebem a vastidão do campo; não sentem quão urgente é que atinjam as extremidades da terra com o evangelho; tão-somente se ocupam de sua pequena área e esperam que coisas melhores sucedam. Se não viram uma única alma ser salva no dia de hoje, aceitam isso como questão consumada, e esperam vagamente que os resultados do dia de amanhã serão melhores; entretanto, se nenhuma delas for salva amanhã”, simplesmente resignam-se novamente ante o inevitável. Como pode ser atingido o propósito do Senhor com obreiros de tal qualidade?
Pedro era feito de material diferente. Na passagem que acabamos de citar, o apóstolo procura ansiosamente despertar os seus leitores de tudo quanto, porventura, tenha sabor de passividade. Releiam esse trecho e observem a energia divina que pulsa em todo o ser de Pedro, a qual ele busca comunicar a outros por meio de sua epistola. O que ele pretendia dizer é que logo que tenhamos adquirido uma virtude cristã, devemos, imediatamente, procurar suplementá-la com outra; e, tendo obtido essa outra, devemos buscar ainda outra qualidade complementar. E assim compete-nos prosseguir, nunca satisfeitos com aquilo que já pudemos conseguir, mas sempre acrescentando e jamais cessando de acrescentar, até que o alvo seja atingido. E qual é o propósito desse esforço incansável? “Porque estas cousas”, explica Pedro, “existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo” (versículo 8).
Note-se que a diligência elimina a ociosidade. O estado negativo da ociosidade é combatido pelo estado positivo da diligência. A ociosidade não pode ser tratada de modo negativo; tem suas raízes na preguiça, e a cura para a preguiça é a diligência. Se sempre nos encontrarmos desempregados ou inativos, será necessário que nos controlemos firmemente; teremos que suprir aquilo que falta em nossa constituição. Tendo corrigido a primeira deficiência, teremos de corrigir a segunda, e a terceira, e uma por uma de todas as demais deficiências, até que não sejamos mais “nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo”. Se, mediante o poder divino, assim fizermos, terá lugar uma grande transformação em nosso caráter. Não mais nos mostraremos vadios, mas antes, nos disporemos para o trabalho árduo e seremos jubilosos servos do Senhor.
Pedro se mostrou incansavelmente diligente ao buscar levar os seus leitores a essa qualidade. Notemos o que ele afirma no versículo quinze: “De minha parte, esforçar-me-ei diligentemente por fazer que, a todo tempo, mesmo depois da minha partida, conserveis lembrança de tudo”. O que mais nos impressiona aqui não é uma atividade óbvia, externa. Mas é o senso íntimo de urgência, de urgência de espírito, que gerava aqueles incansáveis esforços da parte de Pedro.
Oxalá acordássemos para o peso de nossa grande responsabilidade, para a urgência da necessidade que nos circunda, e para a natureza transitória do tempo! Se ficássemos impressionados com a seriedade da situação, não teríamos opção senão lançarmo-nos ao trabalho, ainda que nos tivéssemos que privar do alimento e do sono, a fim de atingir o nosso alvo. Nosso tempo já se esgotou quase por inteiro; a necessidade continua desesperadora; nossa solene obrigação ainda não foi executada. Que, na qualidade de homens que morrem, nos entreguemos com todo o nosso poder ao serviço daqueles que morrem ao nosso derredor. Não permitamos que a preguiça natural nos enleie na procrastinação, mas hoje mesmo devemo-nos levantar e ordenar que nossos corpos nos sirvam. De que vale dizermos que ansiamos por servir ao Senhor, se não nos despertamos de nossa letargia? E de que nos servirá todo o nosso conhecimento, se isso não nos puder salvar de nossa indolência inata?
Examinemos, uma vez mais, a passagem do capítulo vinte e cinco do evangelho de Mateus, que já consideramos no início de nossa preleção. Naquela parábola vimos certo servo do Senhor enfrentar duas acusações perante o tribunal de Cristo – a acusação de “maldade” e a acusação de “negligência”. O próprio Senhor Jesus proferiu a sentença: “E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas” (versículo 30). A avaliação que o Senhor faz do servo preguiçoso se resume numa palavra, “inútil”. Só o servo diligente Lhe pode ser útil. Não consideremos superficialmente essa questão; mas aceitemos a advertência solene, e de hoje em diante dependamos do Senhor para que Ele nos capacite a mudar nossos lerdos hábitos. Posto que a indolência é um hábito repetido que se desenvolve com a passagem dos anos, não podemos embalar a esperança de corrigi-la em um dia ou dois, nem podemos esperar remediá-la por meio de tratamentos suaves. Mas compete-nos tratar de nosso caso sem usar de clemência, na presença do Senhor, se nos tivermos de tornar servos que não sejam “inúteis” para o Seu serviço.
Extraído do livro “O Obreiro Cristão Normal” da Ed. Vida