O obreiro de Deus é um bom ouvinte

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Outra daquelas qualidades que esperamos en­contrar na vida de todo obreiro cristão é que ele seja capaz de ouvir. Muitas pessoas, sem dúvida, consideram isso como uma questão de somenos importância, comparativamente falando; mas a experiência e a observação nos têm demonstrado que isso de modo algum é assim.

Qualquer indivíduo que queira servir ao Senhor deve adquirir o hábito de ouvir o que os outros dizem, e não ouvir de maneira casual, e, sim, ouvir com atenção, com o objetivo de prestar atenção e de compreender o que lhe é dito. Se um crente, em necessidade cons­ciente, volta-se para um servo do Senhor pedindo-lhe ajuda, este, enquanto escuta a história de seu irmão, deve ser capaz de discernir três tipos diferentes de linguagem – as palavras que ele está proferindo; as pa­lavras que ele está reservando para si; e as palavras que ele não pode proferir e que jazem no profundo do seu espírito.

Em primeiro lugar, deve-se ter como alvo dar ou­vidos ao que nosso interlocutor está realmente dizendo, ouvindo-o até que possamos compreender o que ele busca, o que significa que nós precisamos manter tranquilamente defronte de Deus, para que a nossa mente esteja desanuviada e nosso espírito esteja calmo, visto que dar atenção não é uma questão muito fácil. Deixem-me perguntar-lhes: Vocês podem seguir inteli­gentemente o que alguém diz, enquanto esse alguém procura explicar laboriosamente a sua dificuldade? Temo que se vinte de vocês começassem a ouvir todos à mesma pessoa e ao mesmo tempo, haveria tantas impressões diferentes acerca do problema daquela pessoa quantos fossem os ouvintes.

Ah, temos que aprender a nos controlarmos com mão firme, se quisermos adquirir ouvidos aptos a escutar. Nossos ouvidos devem ser treinados para ouvir. A menos que estejamos bem disciplinados, ficamos enfadados com os relatos que as pessoas necessitadas derramam em nossos ouvidos, e muito antes que elas parem de falar já as deixamos de ouvir, e então tiramos as nossas conclusões prematuras a respeito de seus problemas. Ou então, desde o início lhes damos escassa atenção, visto estarmos tão impressionados com a im­portância do que temos para lhes transmitir que só esperamos pela oportunidade de interrompê-las e as­sumir novamente o papel de quem fala, naturalmente esperando que elas se mostrem boas ouvintes.

Sucede com freqüência que um obreiro, depois de meditar por algum tempo sobre um determinado tema espiritual, fica tão impregnado de seus pensa­mentos que quando um irmão aflito busca a sua ajuda, ele, imediatamente, expõe a questão sobre a qual vinha meditando. Depois, quando um irmão dominado de alegria e regozijo se apresenta, recebe o mesmo trata­mento; e a mesma coisa é impingida a todos quantos procuram aquele obreiro, sem importar o estado dos mesmos. Na obra cristã a questão de prestar ajuda aos outros é mais difícil do que a tarefa do médico que busca aliviar os sofrimentos dos pacientes que vêm à sua clínica, pois conta com um laboratório onde podem ser efetuados testes que possam auxiliá-lo no diagnóstico dos diversos casos, enquanto que o obrei­ro cristão tem que chegar ao seu diagnóstico sem qualquer ajuda semelhante. Se alguém vier a vocês e se puser assentado durante meia hora a fim de lhes suprir de informes sobre a sua condição, mas vocês não lhe puderem dar atenção cuidadosa, como serão capazes de localizar a sua dificuldade? É imperativo que todos quantos servem ao Senhor cultivem a arte de dar ouvidos ao que os outros dizem, a fim de que se tornem ouvintes sagazes e desenvolvam a capaci­dade de compreender o problema específico de ca­da indivíduo.

Em segundo lugar, quando algum necessitado nos dirige a palavra, enquanto ele fala devemos discernir o que tal pessoa está evitando dizer. Naturalmente, é mais difícil obter um registro claro das palavras não proferidas do que daquelas que são ditas, mas temos que aprender a ouvir com tanta atenção que possamos discernir tão bem o que é audível como aquilo que é inaudível. Quando as pessoas nos consultam sobre as suas questões, não é incomum que nos relatem apenas metade da história e se refreiem de divulgar a outra metade. É nesse ponto que a competência do obreiro é posta à prova. Se vocês são obreiros incompetentes, discernirão somente aquilo que for audivelmente ex­presso; ou talvez vocês procurem compreender a his­tória interpretando-a, inserindo os seus próprios pensa­mentos, pensamentos que jamais subiram ao coração do interlocutor. O resultado será que vocês compre­enderão mal aquele que veio atrás de auxílio. Se vocês tiverem de interpretar corretamente, então será neces­sário que mantenham estreitas relações com o Senhor. Quando uma pessoa necessitada fala somente da sua dificuldade superficial, mas faz silêncio quanto à questão mais importante, como poderão vocês reconhecer a sua condição? Poderão, de fato, reconhecê-la, contanto que suas próprias relações com o Senhor não estejam confusas.

Em terceiro lugar, devemos ser capazes de des­cobrir o que os seus espíritos estão dizendo. Por detrás de todas as palavras que uma pessoa possa proferir, e das palavras que ela esteja deliberadamente ocultando, existe aquilo que já denominamos de palavras proferidas pelo espírito. Quando qualquer crente em necessidade começa a abrir a boca e a falar, então o seu espírito também fala. O fato que ele se dispõe a falar sobre si mesmo lhes dará a oportunidade de tocarem em seu espírito. Se os seus lábios se mantiverem fechados, porém, será difícil saber o que se passa em seu espírito, mas, paralelamente com as palavras que lhe saem dos lábios, o seu espírito encontrará algum meio de ex­pressão, por mais que ele se esforce por controlar-se. A habilidade de vocês discernirem o que o espírito de tal pessoa quer dizer dependerá da medida da própria experiência espiritual que vocês já tiveram. Se tiverem adquirido compreensão mediante o exercício do coração na presença de Deus, então serão capazes de discernir as palavras proferidas por aquele irmão; as palavras que ele evitou exprimir; e as palavras que ele está dizendo no mais íntimo do seu ser. Vocês serão capazes de discernir a dificuldade intelectual que ele definiu, e também a dificuldade espiritual que não foi definida; e então estarão em posição de oferecer o remédio específico para o caso.

É uma tragédia que tão poucos crentes sejam bons ouvintes. Pode-se passar uma hora inteira a lhes explicar uma dificuldade, mas, no fim, continuam totalmente atordoados a respeito. É que a atenção não foi sufici­entemente aguda. Se não formos capazes de ouvir o que os outros têm para nos dizer, como podemos dar ouvidos ao que Deus nos diz? Oh! não tomemos o caso como uma questão insignificante. Se não aprendermos a ouvir, e ouvir com entendimento, ainda que nos tornemos grandes leitores da Bíblia ou grandes mestres das Escrituras, e nos tornemos eficientes em vários tipos de trabalho, continuaremos incapazes de tratar do caso de um irmão necessitado. Devemos ter a habi­lidade não somente de falar com as pessoas, mas também de cuidar das suas dificuldades. Porém, como isso poderá vir a ser uma realidade se tivermos aprendido a usar a boca, mas não os ouvidos? Sim, cumpre-nos entender a seriedade dessa falha.

Conta-se a história de um antigo médico cujo estoque de medicamentos consistia exclusivamente de duas variedades — óleo de rícino e quinino. Não impor­tava do que os seus pacientes se queixassem, invariavel­mente ele prescrevia um ou outro desses medicamentos. Muitos obreiros cristãos tratam exatamente desse modo daqueles que buscam a sua ajuda. Contam com apenas um ou dois recursos favoritos, e por mais variados que sejam os males daqueles que os procuram, aconselham-nos segundo esses parcos recursos. Tais obreiros não podem ser de grande auxílio para os outros, visto que só podem falar; não sabem ouvir. Como, pois, podemos adquirir a capacidade de ouvir às pessoas e de entender o que dizem?

(1) Devemos evitar a subjetividade. Porque é uma das principais razões por que tantas pessoas são más ouvintes. Se tivermos os nossos próprios conceitos acerca das pessoas, descobriremos ser difícil aceitar o que elas dizem, porquanto nossa mente já estará repleta das nossas próprias conclusões. Ficamos tão fixos em nossas noções que as opiniões alheias não pe­netram em nossas mentes. Estamos tão firmemente persuadidos que já descobrimos a panacéia para todos os males que, sem importar quão variegadas sejam as necessidades daqueles que nos buscam, oferecemos sempre o mesmo remédio para todos. Como é possível que um obreiro dê atenção ao que os outros lhe dizem acerca de suas necessidades se, antes de ao menos abrirem a boca, ele está convencido de que já conhece a dificuldade e já tem o remédio à mão? Precisamos rogar ao Senhor que nos liberte dessa subjetividade. Acheguemo-nos a Ele e oremos para que Ele nos capa­cite a pôr de lado todos os nossos preconceitos e con­clusões próprios, em todos os nossos contactos com os nossos semelhantes, e para que Ele mesmo nos instrua para que possamos chegar ao diagnóstico certo em cada caso.

(2) Não devemos divagar. Muitos crentes nada conhecem do que se refere à disciplina mental. Dia enoite os seus pensamentos fluem sem interrupção. Nunca se concentram, mas permitem que a sua imagi­nação divague para lá e para cá, até que as suas mentes acumulem tantos subsídios que nada mais podem tolerar. E assim, quando alguém lhes dirige a palavra, não podem seguir o que lhes é dito, mas só podem seguir a linha dos seus próprios pensamentos ou falar das coisas que os preocupam. É essencial que apren­damos a tranqüilizar as nossas mentes, para que pos­samos ouvir e aceitar o que nos estiver sendo dito.

(3) Cumpre-nos aprender a penetrar nos senti­mentos alheios. Ainda que sejamos capazes de escutar o que alguém nos diz, seremos ainda incapazes de com­preender as suas necessidades, a menos que possamos entender, com atitude simpática, as suas circunstâncias. Se alguém vier a vocês profundamente aflito, mas vocês permanecerem em atitude despreocupada e leviana, não tendo sido tocados pela aflição dele, não serão capazes de chegar ao verdadeiro diagnóstico do caso. Se a nossa vida emocional não tiver sido moldada por Deus, quando outros expressarem a sua alegria seremos incapazes de irromper em jubilosa reação, e quando exprimirem as suas tristezas, nos mostraremos incapazes de comparti­lhar das mesmas; em conseqüência, quando os outros falarem, seremos capazes de ouvir as palavras que proferem, mas não poderemos interpretar corretamente o seu sentido.

Não nos devemos esquecer de que, por amor de Cristo, somos servos uns dos outros, e compéte-nos não só devotar-lhes nosso tempo e nossas forças, mas também importa que deixemos que nossas afeições se estendam para eles. Diz-se do Senhor Jesus que Ele pode “compadecer-se das nossas fraquezas”. As exigências impostas por Deus àqueles que pretendem servi-Lo são muito rigorosas. Elas não nos dão margem para nos entregarmos ao lazer e para nos ocuparmos conosco mesmos. Se tivermos de nos envolver com o nosso próprio riso e com as nossas próprias lágrimas, com as nossas próprias preferências e com os nossos próprios gostos, então estaremos por demais preocupados para nos entregarmos livremente ao serviço dos outros. Se nos aferrarmos aos nossos próprios prazeres e aflições, e hesitarmos em desviar a atenção dos nossos interesses, então nos pareceremos com salas tão repletas de móveis que nada mais elas podem acomodar. Ou, dizendo a mesma coisa noutras palavras, despenderemos todas as nossas emoções conosco mesmos, e nada mais teremos para despender com o próximo. É necessário que enten­damos que a força de nossas almas tem um limite, tal como é limitada a energia dos nossos corpos. Nossos poderes emocionais não são ilimitados. Se exaurirmos as nossas simpatias com alguma coisa, nada mais teremos para gastar com outra. Por esse motivo, quem quer que tenha um afeto desordenado por outrem, não pode ser servo do Senhor. Ele mesmo estipulou: “Se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14.26).

A necessidade básica de todos aqueles que se ocupam da obra do Senhor consiste em conhecer a cruz por experiência própria; doutro modo nos dobraremos sobre nós mesmos e seremos governados por nossos próprios pensamentos e sensações. Não existe maneira rápida e fácil para alguém se tornar útil para Deus e para os seus semelhantes. Relembremo-nos que os maus ouvintes jamais serão bons obreiros; e para que nos transformemos em bons ouvintes, a cruz terá que operar profundamente em nossas vidas, libertando-nos da ten­dência de ficarmos absorvidos somente conosco mesmos, o que nos torna surdos para com as preocupações alheias. A profunda ação da cruz em nossas vidas pro­duzirá a calma interior que nos fará ser ouvintes cheios de paciência. Isso não significa que deixaremos as pessoas falarem horas sem fim, enquanto ficamos assen­tados, a ouvi-las em silêncio, mas quer dizer que lhes daremos uma oportunidade razoável de explicar-nos o que se passa nos corações delas.

Há uma idéia errônea, mui generalizada entre os obreiros cristãos. Pensam eles que o essencial básico é que sejam capazes de falar. Nada mais afastado da rea­lidade! Para sermos obreiros eficazes precisamos de clareza espiritual; necessitamos de discernimento acerca das condições de todos quantos procurarem a nossa ajuda;necessitamos de tranqüilidade mental para que ouçamo-los a expor o seu caso; e precisamos de sossego de espírito para que possamos sentir a verda­deira condição deles, além daquilo que nos desvendarem. Nós mesmos teremos que permanecer em correta relação para com o Senhor, de tal modo que, donos de luz interna, possamos discernir claramente as necessidades alheias, e, à base de um diagnóstico exato, sejamos capazes de aplicar o remédio específico exigido em cada caso.

Extraído do livro O Obreiro Cristão Normal, Watchman Nee, Editora Fiel

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