“E, se algum dos infiéis vos convidar e quiserdes ir, comei de tudo o que se puser diante de vós, sem nada perguntar, por causa da consciência” (1 Co 10.27).
OS QUE DEFENDEM a abstinência de carne de porco apresentam dispositivos da Lei do Antigo Testamento, como a seguir:
“Também o porco, porque tem unhas fendidas… este vos será imundo; da sua carne não comereis…” (Lv 11.7-8).
“Nem porco, porque tem unhas fendidas… imundo vos será; não comereis…” (Dt 14.8)
“Os que se santificam e se purificam nos jardins uns após outros, os que comem carne de porco, e a abominação, e o rato juntamente serão consumidos, diz o Senhor” (Is 66.17; v. 65.4).
“Na revelação progressiva de Deus, mandamentos anteriores são substituídos por posteriores. Em questões que não envolvem alteração em nenhum padrão moral intrínseco (que é baseado na natureza de Deus), o Senhor tem a liberdade de alterar os mandamentos que ele deu às suas criaturas, de forma a servir a seus propósitos gerais, dentro do processo de redenção. Por exemplo, podemos comparar isso com os pais que, numa fase da vida de seus filhos, deixam-nos comer com a mão, para mais tarde ensiná-los a usar uma colher. Posteriormente, ainda, eles instruem seus filhos a não mais usarem uma colher, mas sim um garfo. Não há contradição alguma nesse processo” (Norman Geisler).
“A lebre e o coelho (Dt 14.7) – Na Palestina, esses animais alimentavam-se de ervas venenosas e morriam geralmente cobertos de vermes. Barbatanas e escamas (v.9) – Esta proibição abrangia, sobretudo, os mariscos, por se alimentarem de imundícies, tal como sucede com as aves mencionadas nos versos de 12 a 18, que se deleitam com carnes em putrefação. As leis de hoje não permitem a venda de animais, que não sejam abatidos em condições apropriadas e após exame médico” (Novo Comentário da Bíblia).
Os porcos estão incluídos no rol dos animais que se alimentavam e se alimentam de coisas impuras, exceto os que são criados em boas condições de higiene. “Na avaliação dos cientistas, pesquisadores e professores [que participaram do Zootec 2004, VI Congresso Internacional de Zootecnia e o XIV Congresso Nacional de Zootecnia, em Brasília], a alta tecnologia está transformando a suinocultura e trazendo resultados surpreendentes. Para se ter uma ideia das mudanças, eles agora elevam o suíno à categoria de indispensável na melhor qualidade de vida do homem. Hoje, a maioria dos rebanhos no Brasil se desenvolve em locais de total confinamento, longe das doenças e os animais são criados sobre o cimento limpo. A higiene é tamanha que o pelo cresce branco e a carne do porco adquiriu um tom róseo. Com isso o consumidor tem à sua disposição no supermercado carne de excelente qualidade e com elevada garantia sanitária”.
As proibições eram adequadas às condições daquela época. O nível de conhecimento dos israelitas era muito precário. Não faziam distinção entre animais puros e impuros. Não sabiam qual o tipo de alimento que poderia causar dano à saúde. Hoje, conhecemos muito bem as razões por que não consumimos carne de abutre (urubu), e sabemos que as carnes colocadas à venda precisam ser fiscalizadas pelos órgãos competentes. Não faço apologia da carne de porco. Analiso a questão de ser ou não ser pecado consumi-la.
Para que o mal fosse erradicado, muitos dos castigos aplicados pela lei mosaica eram severos: apedrejamento de filhos rebeldes (Dt 21.21); apedrejamento de moça por falta de virgindade, conforme alegação do marido (22.21); obrigação de um homem casar com a viúva do seu irmão (25.5); tratamento dispensado aos leprosos (Lv 13-14). Todavia, devemos buscar na própria Bíblia as razões pelas quais estamos desobrigados de prestar obediência a essas recomendações.
A Nova Aliança em Cristo está confirmada em melhores promessas. É muito superior à anterior. “Se aquela primeira fora irrepreensível, nunca se teria buscado lugar para a segunda; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração as escreverei; serei misericordioso para com suas iniquidades; dizendo Nova Aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar” (Hb 8.6,10, 13).
Em Roma, não havia entendimento entre os crentes. Alguns entendiam que deveriam comer só legumes; outros, além de legumes, comiam carne. O apóstolo não condenou nenhuma das partes. Disse: “O que come não despreze o que não come; e o que não come não julgue o que come; o que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come para o Senhor não come e dá graças a Deus” (Rm 14.3-6). “Paulo declara que o ato de comer, em si, não é problema moral, mas a nossa atitude pessoal sobre o que se come pode levar ao injusto julgamento de uns para com os outros” (Bíblia de Estudo Pentecostal – BEP). Mais adiante, o apóstolo esclarece que “nenhuma coisa é de si mesmo imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; mas aquele que tem dúvidas, se come, está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado” (Rm 14.14,23).
O apóstolo esclarece que a lei de Moisés foi cravada na cruz, isto é, abolida (Cl 2.14), não havendo, pois, motivo para sermos julgados pelo que comemos ou bebemos, pelos dias de festa, de lua nova, ou dos sábados (v.16). Diz também que as antigas ordenanças eram sombras das coisas futuras; elas apontavam para o porvir.
“Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies?” (Cl 2.20). Nenhum homem jamais conseguiu cumprir todas as ordenanças. Por isso, estávamos todos mortos em nossos delitos (Rm 3.23). Deus estabeleceu o plano de redenção mediante o sacrifício de Cristo: “Na Sua carne, desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças…” (Ef 2.15). Porque não estamos mais debaixo da lei, e sim da graça, o pecado não tem domínio sobre nós (Rm 6.14).
Já não dependemos da Lei e dos sacrifícios do Antigo Testamento para sermos salvos e aceitos diante de Deus. Os que vivem ainda segundo a Lei, por ela serão julgados, e não terão a mínima chance de salvação. Somos salvos pela graça, mediante a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, não pelas obras, pelo cumprimento dessa ou daquela ordenança (Ef 2.8-9). Agora, estamos livres da lei, para a qual morremos (Rm 7.6).
“Portanto, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o espírito” (Rm 8.1).
A revelação de Deus é progressiva. Na aliança noética, logo após o dilúvio, Deus declara que “tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento; tudo vos tenho dado como a erva verde”. A exceção era quanto à carne com seu sangue (Gn 9.3-4). Na lei mosaica, o consumo de carne se torna mais seletivo. Não mais prevalece a abertura dada a Noé para consumir qualquer espécie (Levítico 11 e Deuteronômio 14). A Nova Aliança em Cristo Jesus nos exorta a uma vida plena na direção do Espírito. A lei era indicativa das coisas futuras e serviu como “aio” ou tutor do povo de Deus até que viesse a salvação pela fé em Cristo (Gl 3.23-25). “Nessa função, a lei revelou a vontade de Deus para o comportamento do seu povo (Ex 19.4-6; 20.1-17; 21.1 – 24.8, proveu sacrifícios de sangue para cobrir os pecados (ver Lv 1.5; 16.33) e apontou para a morte expiatória de Cristo (Hb 9.14; 10.12-14). A lei foi dada para nos conduzir a Cristo, a fim de sermos justificados pela fé (Gl 3.24). Mas agora que Cristo já veio, finda está a função da lei como supervisora (v.25). Por isso, já não se deve buscar a salvação através das provisões do antigo concerto, nem pela obediência às suas leis e ao seu sistema de sacrifícios. A salvação, agora, tem lugar de conformidade com as provisões no novo concerto, a saber, a morte expiatória de Cristo, a sua ressurreição gloriosa e o privilégio subsequente de pertencer a Cristo (vv 27-29)” (BEP).
Falando sobre a nova vida debaixo da graça e sobre a rejeição dos judeus à justiça de Deus, o apóstolo declara que “o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” (Rm 10.4). Então para que a lei? Ele mesmo responde: “Foi ordenada por causa das transgressões, ATÉ que viesse a posteridade a quem a promessa tinha sido feita” (Gl 3.19). E como opera a lei de Cristo? “Porque toda a lei se cumpre numa só palavra: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5.14).
Dito isto, lembremo-nos das palavras do apóstolo. Se a minha atitude servir de escândalo aos irmãos, deixarei de comer carne de porco, ou de fazer qualquer coisa que me pareça lícita e não pecaminosa. Que a nossa liberdade não seja de alguma maneira escândalo para os fracos (Gl 8.9). Aqueles que, pelo seu exemplo, levam outros ao pecado e à ruína espiritual pecam, não somente contra aquela pessoa, mas também contra o próprio Cristo: “Pecando assim contra os irmãos e ferindo a sua fraca consciência, pecais contra Cristo. Pelo que, se o manjar escandalizar a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize” (vv 12-13).
Finalmente, a questão da carne de porco e de outras ordenanças da antiga lei foi resolvida há dois mil anos, na primeira conferência deliberativa, em Jerusalém. Anciãos e apóstolos se reuniram para decidir se a circuncisão e a obediência à lei de Moisés eram necessárias à salvação em Cristo. Os conferencistas, guiados pelo Espírito Santo, concluíram que os gentios eram salvos pela graça do Senhor Jesus, concedida ao que se arrepende do pecado e crê em Cristo como Senhor e Salvador (v. Rm 10.9). A carta enviada aos irmãos em Antioquia, através de Judas e Silas, resumiu a decisão tomada:
“Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação; destas coisas fareis bem se vos guardardes” (At 15.28-29). A resolução estabeleceu limites e possibilitou a “convivência harmoniosa entre cristãos judaicos e seus irmãos gentios”.
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Pr. Airton Evangelista da Costa