Nota: A matéria é um pouco antiga, mas a problemática islâmica é bastante recente, vale a pena ler.
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Para o historiador inglês, não basta dar caça aos terroristas internacionais.
É preciso levar a democracia aos países muçulmanos
Carlos Graieb
O inglês Paul Johnson é um homem sem meias palavras. Enquanto boa parte dos intelectuais do Ocidente lança mão de eufemismos e procura relativizar a responsabilidade das nações islâmicas nos atentados terroristas aos Estados Unidos, Johnson ataca de frente. Nesta entrevista a VEJA, ele defende de maneira incondicional a posição americana e israelense nos conflitos do Oriente Médio e afirma que o fundamentalismo não é um traço acidental do Islã, mas algo inerente a ele. São opiniões que esse ex-aluno da Universidade de Oxford, hoje com 73 anos, forjou em várias décadas de trabalho como jornalista e historiador. Católico, monarquista, conservador, ele é um dos principais colunistas da revista The Spectator, uma das mais tradicionais da Inglaterra. No campo da pesquisa histórica, Johnson especializou-se em elaborar grandes sínteses – tijolões com várias centenas de páginas, no estilo “tudo que você queria saber sobre…”. Uma de suas obras mais recentes, A History of the American People (Uma História do Povo Americano), de 1999, é uma homenagem do autor inglês ao país que ele considera “uma realização humana sem paralelos”. Ao longo dos anos, o estudo da religião também ocupou lugar de destaque nas preocupações de Johnson. Sua bibliografia de dezessete títulos abriga dois volumes irmãos, História dos Judeus e História do Cristianismo, esse último recém-traduzido no Brasil. Johnson não descarta a idéia de um dia debruçar-se sobre a terceira das grandes religiões monoteístas – o islamismo, que ele considera “ainda mergulhado na Idade Média”.
Veja – Há duas explicações, não necessariamente excludentes, para o antiamericanismo dos muçulmanos. A primeira é que esse sentimento decorre de um ódio religioso à modernidade, simbolizada pelos Estados Unidos. A outra, que ele é resultado de ações políticas concretas dos americanos no Oriente Médio. Qual delas o senhor acha a mais determinante?
Johnson – Não é a segunda, definitivamente. As fontes do antiamericanismo exibido no ataque ao World Trade Center e ao Pentágono estão sem dúvida ligadas à natureza da religião islâmica. Tanto o judaísmo quanto o cristianismo, ao qual pertenço, são religiões antigas que passaram por grandes movimentos de modernização nos últimos séculos. O catolicismo viveu a Reforma e a Contra-Reforma, e com isso adaptou-se a situações cambiantes. O judaísmo atravessou aquilo que se convencionou chamar de Iluminismo Judaico, no século XVIII. Já o islamismo não passou por um correspondente período de modernização. Permaneceu uma religião de feições medievais e gerou Estados de feições medievais, nos quais religião e política não se separaram uma da outra. Quando falamos de fundamentalismo islâmico, na verdade estamos usando uma expressão enganosa. Todo o Islã é fundamentalista na essência. É uma característica congênita. Baseia-se na crença de que toda palavra do Corão é verdadeira e imutável – algo que só o mais extremista dos extremistas sustentaria hoje num ambiente cristão, em relação à Bíblia.Em termos de religião comparada, não há nada de moderado no islamismo.
Veja – Ainda que se concorde com essa idéia, daí não decorre necessariamente que o islamismo incite à violência. É o que muitos estudiosos têm lembrado nos últimos dias: que a religião muçulmana prega a paz e a convivência entre os povos.
Johnson – Sim, há ensinamentos de paz no islamismo, mas eles não compõem o coração da doutrina. A palavra “Islã” não significa paz, mas “submissão”. Basta ler o Corão. A sura 9, versículo 5, decreta: “Matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os, e cercai-os e usai de emboscadas contra eles”. E mais adiante o livro insiste que nações, não importa quão poderosas, deverão ser combatidas “até que abracem o Islã”. Essa é a vertente central, ortodoxa do islamismo. Paz não é uma palavra que se possa encaixar facilmente nessa forma de pensamento. Estamos falando de uma religião imperialista, que parte da premissa de que deve espalhar-se pela força, se necessário. Na Indonésia, por exemplo, muitos não-muçulmanos são confrontados hoje com uma escolha absurda: converter-se ou morrer. Como contraste, gostaria de citar o exemplo dos Estados Unidos. Eles são de longe o país mais religioso do Ocidente – e não uma sociedade puramente materialista, como costumam dizer seus críticos. A diferença é que lá a religião é uma escolha voluntária.
Veja – E quanto ao elemento político dos ataques?
Johnson – Possivelmente o desejo de desestabilizar os governos de países muçulmanos alinhados com o Ocidente é um dos elementos políticos dos ataques. Boa parte desses governos não tem o apoio de suas populações, como ilustra o Paquistão. Mas a principal questão política é a incapacidade dos países árabes de reconhecer os direitos e a existência do Estado de Israel. Embora nas Nações Unidas e nas mesas de negociação países como o Egito pareçam aceitar Israel e reconhecer o direito dos israelenses de viver onde vivem, em seus jornais nacionais, em suas mesquitas e em suas universidades a pregação é diferente: a opinião hegemônica é a de que o Estado judaico é ilegítimo e, portanto, deve ser eliminado.
Veja – O senhor não parece ver uma solução para o conflito no Oriente Médio.
Johnson – A dificuldade é que os árabes sempre quiseram resolver esse conflito pela força. Eles poderiam ter conseguido um acordo interessante na época da II Guerra, mas não quiseram. Em 1947, o plano das Nações Unidas para a divisão da Palestina teria significado um Estado de Israel substancialmente menor do que ele é hoje. Em vez de aceitarem esse plano, no entanto, os árabes foram à guerra e ela significou o nascimento de um Estado judaico muito mais forte. Algo semelhante ocorreu em 1956 e em 1967. Combates que deveriam culminar na aniquilação de Israel tiveram o efeito contrário: a cada vez, o país emergia mais poderoso. Não vejo como resolver o conflito árabe-israelense pela via da negociação, neste momento. Nos últimos anos, Israel fez diversas ofertas, mas elas sempre caíram em ouvidos moucos. As relações de Israel com seus vizinhos continuarão sendo as de uma paz armada. A paz real não virá até que o Islã passe por uma modernização revolucionária.
Veja – Na semana passada, o escritor americano Gore Vidal afirmou que os Estados Unidos se transformaram num “Estado policial” e que os atentados têm tudo para fortalecer os mecanismos de controle de uma elite troglodita sobre a população do país. Vidal tem alguma razão no que diz?
Johnson – Gore Vidal é um extremista que ninguém mais leva a sério. Ele sempre vem com essa história, e todo mundo de bom senso o ignora. Não há perigo de os Estados Unidos se transformarem num Estado policial. Suas instituições democráticas são fortes demais. E acho que as agências de investigação vão conquistar mais poderes não por causa de uma conspiração da elite, mas porque os americanos se deram conta de que suas amplas liberdades não devem servir para que terroristas, aproveitando-se delas, possam armar durante dezoito meses seguidos uma enorme operação assassina como aquela que acabamos de presenciar. As preocupações de Vidal passam ao largo do debate verdadeiramente importante que está se desenrolando agora: qual a retaliação adequada para o crime cometido pelos terroristas e como ela será feita. O país está de acordo em que o ataque foi um ato de guerra e deverá ser respondido como tal. Também há consenso sobre a idéia de que uma nação que abriga terroristas é, ela mesma, terrorista e deve sofrer as conseqüências. A questão é onde, como e quando as medidas de guerra terão lugar.
Veja – George W. Bush é um líder à altura do desafio que vai enfrentar?
Johnson – Ele é um presidente inexperiente, que teve o azar de enfrentar essa crise no começo de seu mandato. Mas é também um homem de bom senso, que está aprendendo rápido. Acima de tudo, Bush tem um vice e um gabinete excepcionalmente fortes. Também acredita que governar é um trabalho de equipe. A existência desse gabinete forte e a obediência de Bush à Constituição dos Estados Unidos são, a meu ver, dados tranqüilizantes para o resto do mundo.
Veja – Bush está demorando a reagir?
Johnson – De maneira nenhuma. Ainda existe uma investigação em andamento e ela é fundamental por duas razões. Primeiro, para estabelecer os culpados sem nenhuma possibilidade de erro, o que é importante para a legitimação de qualquer ação de guerra no futuro. Em segundo lugar, os Estados Unidos têm de organizar sua estratégia militar e uma ampla coalizão política, o que deve levar um bom tempo. Lembremos do Vietnã: o período de preparação para a guerra foi curto, as estratégias de ataque e sustentação política tiveram de ser remendadas depois e o resultado foi um desastre. Na Guerra do Golfo, ao contrário, os americanos demonstraram haver aprendido a lição. Montaram, sem pressa, uma coalizão internacional de forças e um plano militar. Assim, atingiram seus objetivos em pouco tempo, com poucas perdas humanas. Não prenderam Saddam Hussein, mas o alvo militar primário foi atingido de maneira exemplar. Esse é o tipo de procedimento que está sendo adotado agora. Teremos de esperar algum tempo pela resposta americana.
Veja – Era mesmo possível prever o ataque terrorista aos Estados Unidos?
Johnson – Sim, essa era uma tragédia anunciada. Espero não soar arrogante, mas desde o final dos anos 70 venho alertando para os perigos do terrorismo internacional. Naquela época, organizei, juntamente com o ex-primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, uma conferência pioneira sobre o assunto. Tivemos uma rodada de debates em Jerusalém e outra em Washington, para a qual conseguimos atrair o então secretário de Estado americano, George Shultz. Foi a primeira vez, creio, que os Estados Unidos se deram conta de que o terrorismo não era apenas um problema judeu, por causa dos palestinos, ou inglês, por causa do IRA, mas uma questão que deveria preocupar a todos. Infelizmente, não deram ao assunto a prioridade política que, estou certo, ele terá a partir de agora.
Veja – O Império Britânico, no século XIX, e a União Soviética, no século XX, foram derrotados em guerras no Afeganistão. O que esperar de um novo conflito naquela região?
Johnson – Ficarei muito surpreso se os Estados Unidos decidirem ir à guerra no Afeganistão. Seria uma escolha perigosa e desnecessária. Já existe um movimento de oposição ao Talibã no país, o que torna mais razoável a hipótese de armar e dar apoio a esse grupo. Acho que os efeitos positivos de uma ação militar voltada contra o Iraque seriam maiores. A substituição da ditadura de Saddam Hussein por um regime democrático seria uma conquista e tanto. A guerra deve ser travada não apenas para exterminar o terrorismo internacional, mas para dar a uma larga porção do mundo algo que ela nunca teve: liberdade. Se os países árabes pudessem ter regimes democráticos, nos quais a voz do povo contasse com canais para se fazer ouvir, o problema do terrorismo tenderia a desaparecer.
Veja – Com exceção da liderança britânica e da liderança espanhola, os governantes dos outros países europeus têm-se mostrado reticentes ao falar sobre o apoio aos Estados Unidos no caso de uma guerra. Quais são os obstáculos para que esse apoio seja conquistado?
Johnson – Como sempre, os franceses estão fazendo fricote, enquanto os alemães se mostram nervosos. A Europa continental é sempre recalcitrante. Basta ver a sujeira que eles fizeram no caso dos Bálcãs: no fim, americanos e ingleses acabaram tendo de resolver o problema sozinhos. Estamos acostumados a isso e essa situação não me preocupa, porque o apoio realmente importante, que é o da Otan, foi irrestrito. Isso significa que os Estados Unidos receberam carta branca da aliança militar para tomar as ações militares necessárias, quando necessário. Não acho que esse apoio vá ser retirado. Quanto às relações entre Estados Unidos e Inglaterra, não há nada a temer. Elas estão mais fortes que nunca e é como se a aliança da II Guerra houvesse renascido.
Veja – Quais as chances dos Estados Unidos nessa guerra contra o terrorismo?
Johnson – Eles vão ganhar essa guerra. Não tenho dúvida nenhuma sobre isso.
Extraído do Revista Veja em 08/01/2015