A expressão ‘filho da perdição’ proferida por Jesus na oração sacerdotal, se referia a Judas exclusivamente? Está implícita alguma ideia de predestinação nessa passagem?
Na oração sacerdotal, proferida pelo Senhor Jesus no capítulo 17 do Evangelho de João, encontramos a expressão “filho da perdição” (verso 12). Trata-se de um hebraísmo, um modo de expressão da língua hebraica, encontrado especialmente na Bíblia.
No hebraico, era comum designar os moradores de um local ou de um país como filhos. Exemplos: “filhos de Sião” (Lamentações 4.2) e “filhos de Belém” (Esdras 2.21). O termo era usado também como forma de referir-se aos membros de uma classe de profissionais. Exemplos: “filho de um perfumista” (Neemias 3.8) e “filho dos cantores e dos que adoram o mesmo Deus” (Números 21.29). Também é uma maneira de expor qualidades morais, como nas expressões “filho de Belial” (1Samuel 25.17), “filho da Paz” (Lucas 10.6) e “filho da perdição” (João 17.12), que se enquadra perfeitamente na forma hebraica de falar.
“filho da perdição” não diz respeito à eleição de uma pessoa à perda da Salvação, pois se Judas Iscariotes o quisesse, poderia ter escolhido outro caminho. Ele “deu lugar ao Diabo”, como lemos em João 13.21-30. O versículo 27, especialmente, diz que, depois de ter recebido o pedaço de pão umedecido no vinagre “entrou nele Satanás”.
Judas Iscariotes teve chance de escolher e escolheu errado. Ele se perdeu. Não foi preferido para ser o traidor. Se ele tivesse resistido ao Diabo, este teria fugido dele (Tiago 4.7). Isso funciona para todos.
A Salvação é anunciada para todo mundo e é para todos (João 3.16). O problema é que um número considerável de pessoas rejeita a Salvação, tornando-se, por escolha própria, “filho da perdição”.
Em 2Tessalonicenses, encontramos o apóstolo Paulo novamente usando a expressão “filho da perdição” (2Tessalonicenses 2.3). Este filho perdido tem um sentido escatológico, referindo-se a um homem que será cheio do poder do Diabo (2Tessalonicenses 2.9). Em Apocalipse 13.4, lemos que “o dragão deu à besta o seu poder”. Em Apocalipse 12.9, vemos o dragão identificado como sendo a “antiga serpente”, o “Diabo” e “Satanás”, que engana todo o mundo.
Ninguém se perde por um engano de Deus. Deus nunca salva nenhuma pessoa por engano. Todos têm a mesma chance. Deus deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (lTm 2.4), porque a sua graça salvadora se manifestou a todos os homens (Tt 2.11). Mas a este desejo de Deus exi-ge-se uma resposta positiva dos homens. O Iscariotes respondeu negativamente, tornando-se um “filho da perdição”.
Jesus não estava dizendo que essa perda não era uma descaracterização do seu poder de guardar, na qualidade de pastor do rebanho. Antes, o que realmente ocorreu é que Judas nunca lhe pertencera realmente. O pensamento de perdição é o contrário do de preservação, e o termo “perdição” é da mesma raiz do termo “perdido”. Judas não fora preservado porque nunca o quisera. Por isso ele era o “filho da perdição”.
Pr. Gilberto Gil Rebelo