Disse Jan Karel van Baalen: “O cultor médio de uma seita deixou uma fé tradicional, em que foi criado, e adotou ‘cousa melhor’… não somente repudiou a religião ortodoxa que nós representamos, mas é mesmo hostil a ela… Inseparável, embora distinto dessa hostilidade, é, portanto, o ressentimento contra nós como intrusos que nos atrevemos a ir ensinar a ele que achou cousa muitíssimo superior… Esse ressentimento contra nós poderá tomar várias formas, de acordo com o temperamento do sectário e a natureza do ismo que ele representa”
Van Baalen era um alto funcionário do Governo americano. Sua obra O Caos das Seitas foi publicado em 1938, nos Estados Unidos, e no Brasil, em 1970, pela Imprensa Batista Regular. O Caos das Seitas é ainda hoje considerada obra clássica na área da apologética cristã. Mais de 60 anos depois da primeira edição desse livro, o ICP tem observado no dia-a-dia que ainda hoje esse é o comportamento da maioria dos sectários. Por essa razão a equipe do ICP lida com esse assunto com muito cuidado.
A palavra “seita” é usada para designar as religiões heterodoxas ou espúrias. Hoje é uma palavra desgastada trazendo em si um tom pejorativo e por isso estamos estudando outra nomenclatura para designar esses grupos religiosos não ortodoxos. São grupos que surgiram de uma religião principal e seguem as normas de seus líderes ou fundadores.
Inri Cristo
Van Baalen tinha razão quando falava dos ressentimentos dos sectários. Além de repudiarem a religião de onde vieram, seus líderes não resistem aos seus teólogos. No dia 16 de março de 1999 foi entrevistado no Programa do Ratinho um cidadão que se diz ser Jesus Cristo, o Filho de Deus, conhecido como Inri Cristo, respondendo às perguntas do auditório sobre a sua própria identidade. Um assunto que desperta curiosidade, pois Jesus disse que nos últimos dias apareceriam muitos falsos profetas e muitos cristos: “Porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo; e enganarão a muitos” (Mt 24.5). A Bíblia diz que o Senhor Jesus Cristo não virá mais como da primeira vez, para viver entre nós, como aconteceu no seu primeiro advento “Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerá segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para a salvação” (Hb 9.28). Jesus virá para buscar seu povo, a igreja, e não para viver entre nós.
Mas, Inri Cristo afirma ser esse Jesus Cristo, e já havia aparecido em programas anteriores, para dar entrevista sobre a sua identidade, respondendo às perguntas de qualquer um dos presentes no auditório, sem nenhum problema. Mas, nesse último programa, o apresentador Ratinho (Carlos Massa) disse que tinha um pastor evangélico querendo fazer-lhe algumas perguntas. O entrevistado ficou preocupado, alegando que concordava desde que as perguntas fossem primeiramente dirigidas ao apresentador, para depois ser dirigidas a ele. Interessante que essa exigência não foi feita quanto às perguntas do auditório. Isso porque o povo geralmente não está bem familiarizado com a Bíblia e assim as perguntas não são bem formuladas, e assim esses líderes ou fundadores desses movimentos religiosos costumam se sair bem.
O pastor perguntou se Inri acreditava ser Deus um Ser onipotente, onisciente e onipresente. Ele respondeu afirmativamente. Depois perguntou se Inri acreditava na Santíssima Trindade. O entrevistado respondeu da mesma forma. Em seguida concluiu o pastor que, se Inri Cristo é realmente Jesus Cristo, visto que Jesus é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, logo, Inri é também onipotente, onisciente e onipresente. Quando o pastor fez essa última pergunta, a resposta de Inri foi: “Você é um cão vira lata! Um lobo em pele de ovelha!”
Essa reação é muito comum nos líderes sectários e de fundadores de seitas. O ICP tem vivido também essa experiência. Os teólogos sabem formular as perguntas corretas e previnem o rebanho dos ensinos estranhos. Por isso esses teólogos são um problema para os promotores de ensinos exóticos. É muito comum essa gente procurar desmoralizar os teólogos, para desacreditá-los diante do povo. Entre os sectários a palavra “teólogo” é um termo pejorativo.
Jeová Falso Deus?
A revista Defesa da Fé publicou na edição n° 8, setembro/outubro de 1998, pp. 6, 7, 8 e 9, primeira parte de uma resenha sobre o livro Jeová Falso Deus? O autor do livro e a editora entraram com uma ação penal na Justiça, requerendo direito de resposta e sentença condenatória, alegando crime de calúnia e difamação.
O citado livro prega o politeísmo, afirmando existir vários deuses no céu e na terra. Além disso, chama explicitamente Jeová de falso deus, que constitui um vilipêndio para todos os ramos do cristianismo e judaísmo. O livro usa, muitas vezes, “deus”, com letras minúsculas, para se referir ao Deus que nós servimos, colocando-o na categoria de divindades falsas, apresentando argumentos que não convencem aos cristãos, procurando provar que somos adoradores de um deus falso.
À luz do cristianismo histórico-ortodoxo, esse conceito sobre o Deus Jeová de Israel, revelado na Bíblia, é faltar com o devido respeito aos cristãos e seu Deus. Chama Jeová de deus mentiroso, usurpador, indigno de confiança, igual ao deus falso Moloque, não cumpre sua palavra, chegando associar o Deus Jeová de Israel com o próprio diabo. O nome JEOVÁ é apresentado na capa do livro vertendo sangue em cada letra, idêntico aos cartazes de filmes macabros de terror, vampiros, monstros etc. Isso nos parece associar o Deus dos cristãos e judeus ao príncipe das trevas, dando a ideia de uma divindade sanguinária.
O assunto é teológico, entretanto, foi levado para o lado pessoal. Alegam que as expressões usadas na resenha em questão é um atentado à honra, visto que a expressão diz respeito a hermenêutica. A resenha é sobre um livro e não sobre uma pessoa; trata de interpretação e não de caráter pessoal.
O nome Jeová e o papa Leão X
Os judeus deixaram de pronunciar o nome de Deus no período entre o Velho e o Novo Testamento. Isso o fizeram e o fazem na atualidade por respeito ao nome sagrado, levando ao pé da letra o terceiro mandamento do Decálogo: “Não tomarás o nome do SENHOR, teu Deus, em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão” (Êx 20.7). Temendo usar o nome de Deus (o Tetragrama, as 4 consoantes hebraicas , “Yahveh, Jeová, SENHOR”) numa situação inadequada e para não correr o risco de tomar esse nome em vão, evitaram pronunciar o Tetragrama. Mas entendemos que o livro em discussão coloca as coisas de maneira abominável, dizendo “o deus cujo nome morreu”, e prossegue nas páginas 22 e 23 dizendo o seguinte:
“O Dicionário da Bíblia, de John D. Davis, revela uma estória interessante, pois até o século XV o nome do Deus de Israel jamais era pronunciado, sendo apenas escrito o tetragrama.
Assim que o Papa Júlio II faleceu, reuniram-se em conclave os cardeais para a eleição do novo Papa. A disputa era grande, e João de Médicis participava, apesar de gravemente enfermo. Mesmo doente, conduziu a cadeira pontifícia por oito anos (De 1513 a 1521 D.C.) e tomou o nome de Papa Leão X. Este Papa usou energicamente o poder da inquisição para queimar os heréticos e para cobrar taxas e vender indulgências. Não havia crime que não fosse perdoado a preço de ouro. Eram tantos os abusos que Martinho Lutero levantou-se contra a corrupção. O Papa Leão X desencadeou uma guerra de morte contra Lutero, usando o poder religioso, financeiro e político.
Tudo foi inútil pois Deus, o Pai de Jesus, abençoava Lutero. O Papa lançou grandes maldições contra Martinho Lutero e para que essas maldições fossem autênticas, resolveu ressuscitar o nome do Deus de Israel, o Deus das maldições, pois como as maldições se cumpriram sobre Israel, haveriam de se cumprir na vida de Martinho Lutero. Transcrevemos um trecho da página 303 do Dicionário da Bíblia de John D. Davis: ‘Desde o tempo em que os sinais massoréticos vieram ajuntar-se às consoantes do texto hebraico, as vogais das palavras Adonay e Elohim foram ajuntados ao tetragrama YHVH. A pontuação das vogais deu lugar à pronúncia JEOVÁ, que se tornou corrente desde os dias de Petrus Galaltinus, confessor de Leão X, no ano 1518”’.
Nesse mesmo capítulo, o referido livro cita mais dois dicionários, o Dicionário Bíblico, de John Mackenzie, da Editora Paulus, S. Paulo; e o Vocabulário de Teologia Bíblica, Editora Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro. O dicionário de John D. Davis é obra protestante, as duas últimas são católicas. A citação da p. 303 da obra de John D. Davis, bem como as duas outras falam do processo de vocalização do Tetragrama, meramente, algo que não é explicado no referido livro.
Além disso, as três obras citadas são contra o pensamento do livro em questão.
O problema mais sério é que a “estória interessante” do papa Leão X e da sua maldição sobre Martinho Lutero em nome do Deus de Israel não consta no Dicionário de John D. Davis, e nem em nenhum dos outros dicionários. O autor da resenha em questão lecionou História da Igreja Cristã durante muitos anos e nunca ouviu falar dessa “estória interessante”. O que se sabe do papa Leão X é que era mecenas e por isso se dedicou mais às artes do que à religião. Patrocinou Michelangelo, Rafael Sanzio, Leonardo da Vinci e outros renascentistas. A própria Igreja Católica reconhece que Leão X se dedicou mais às artes do que à religião. A Enciclopédia Delta Universal diz que Leão X nunca levou a sério o movimento de Lutero. A Enciclopédia Mirador afirma que: “Leão X (1513-1521) foi grande mecenas, pouco se preocupando com a tempestade desenfreada ao norte dos Alpes”4; e a Enciclopédia Barsa relata: “Leão X (Giovanni De Mediei; Florença. Papa de 1513- 1521… Considerava, porém, os debates em torno da reforma como mera ‘disputa entre frades’”.
Césare Cantu, o mais prolixo dos historiadores, escreveu com detalhes a vida do papa Leão X e sua atitude com relação a Reforma Protestante e Martinho Lutero, mas nada falou sobre essa maldição citada no livro Jeová Ealso Deusl Um papa que morreu cerca de 4 anos depois de Lutero haver afixado as suas 95 teses catedral de Wittemberg, sem sequer ter noção das dimensões da Reforma Protestante, além disso, absorvido pelas artes renascentistas, ser apresentado como o papa “que desencadeou uma guerra de morte contra Lutero”, é no mínimo muito estranho. Isso por si só destrói completamente o argumento de que o papa Leão X ressuscitou o nome de Jeová para amaldiçoar Lutero, a fim de que essas maldições fossem válidas e se cumprissem no reformador alemão.
Não encontramos em nenhuma parte do livro em discussão a indicação das fontes dessa “estória interessante”, se é que realmente aconteceu. Independentemente de ser fato verídico ou não, o certo é que quem escreveu o tal livro não foi feliz, pois pode induzir o leitor que essas obras protestante e católicas apoiam as ideias expostas no livro. Como pastor e apologista cristão estaria pecando se não fizesse nada para orientar o rebanho nesse sentido, pois a Bíblia diz: “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz comete pecado” (Tg 4.17). O que aqui é apresentado são apenas uma amostra do tipo de argumentos usados no livro para dar sustentação a sua teoria.
As expressões utilizadas na resenha, as quais foram consideradas ofensivas à honra, foram, na verdade, vistas e interpretadas à luz do cristianismo bíblico-histórico. O objetivo não foi outro senão mostrar que os evangélicos tem versão diferente da que é exposta no livro.
Os movimentos religiosos heterodoxos sempre disparam contra as religiões estabelecidas e depois procuram inverter a posição. Seus ataques sãos extensivos aos líderes dessas religiões. Isso pode ser visto na obra em questão, quando diz: “Se Jesus foi crucificado porque revelou que Jeová não é o Pai, é possível que os fariseus do século XX, os príncipes, os doutores da lei, soberbos representantes de Jeová, queriam fazer o que fizeram com Jesus. Se não o fazem, ao menos ficam cheios de furor, porque estão cegos” (p. 212). Somos chamados, portanto, de “fariseus do século XX”, de “soberbos representantes de Jeová”, porque adoramos o Deus Jeová. Depois a questão é levada aos tribunais sob o fundamento de violação de direitos.
Artifícios dos grupos heterodoxos
Outro problema das seitas é querer calar a boca dos pastores. Querem impedir que os pastores falem ao rebanho sobre o perigo das doutrinas estranhas defendidas por inúmeros grupos heterodoxos. Será que não temos mais o direito de ensinar o nosso povo as nossas crenças? O ICP recebe com frequência pressões, intimidações e ameaças de representantes e adeptos de vários grupos heterodoxos. Mas estamos plenamente dentro dos direitos fundamentados nos princípios democráticos que vivemos, estamos no gozo do direito de ensinar.
A revista Defesa da Fé é evangélica e dirigida ao público evangélico, portanto temos o direito de ensinar ao nosso povo a nossa doutrina e alertá-lo sobre às doutrinas estranhas. O simples fato de apresentar o que certo grupo religioso ensina, isso com base nos escritos do tal grupo, mostrando à luz da Bíblia a refutação de tais doutrinas não se constitui crime. Uma ideia se combate com outra ideia e não nos tribunais.
Há nesse mundo religião para todos os gostos que alguém posa imaginar. Cada ser humano tem o direito de seguir a religião que quiser, desde que respeite o direito dos outros, todavia, todo o mundo tem o direito de saber a verdade dos fatos. O nosso dever é defender o rebanho das malhas sectárias. Vamos continuar alertando as igrejas sobre o perigo dos movimentos heterodoxos. Deus nos chamou para essa missão e não podemos fugir dela, ainda que pressões ou ameaças venham nos perturbar, como disse o apóstolo Paulo: “Por isso, ó rei Agripa, não fui desobediente à visão celestial” (At 26.19).
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ESEQUIAS SOARES, REVISTA DEFESA DA FÉ – ANO 2 – N° 13