O determinismo de Jonathan Edwards

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Ainda que o determinismo de Jonathan Edwards seja substancialmente o mesmo de Calvino, será necessário dedicar alguns tópicos para tratar dele especificamente, uma vez que Edwards sistematizou de forma mais intelectualmente satisfatória o determinismo que foi afirmado de forma confusa por Calvino em alguns pontos. A principal diferença entre o determinismo de Edwards e o de Calvino é que, enquanto este negava o livre-arbítrio, aquele inventou um livre-arbítrio compatibilista, ou seja, uma teoria de livre-arbítrio que tenta ser compatível com um mundo determinista.

Para isso, é lógico, ele precisou mudar todo o conceito de livre-arbítrio que conhecemos. A descrição abaixo de “livre-arbítrio” feita por Flávyo Henrique, que eu creio ser a mais compatível com o pensamento da maioria dos cristãos sobre liberdade, era rejeitada por Edwards:

“Definimos como a capacidade de escolher em contrário, mesmo frente a agentes externos, meio, situação ou necessidade, a capacidade de resistir e decidir, restritamente, mediante condições, em que nada verga, de tal maneira, a vontade humana, que não se possa atribuir ao homem a responsabilidade de seus atos. Tal capacidade nada mais pode ser, que a semelhança em que fomos criados, advinda de Deus, da livre graça, da liberdade do criador que dotou a criatura, comer ou não comer do fruto, do bem e do mal, obedecer ou não, esta diante de cada um de nós, agora mesmo. A graça, indispensável à salvação do homem, nos orienta para aquilo que o homem natural não compreende, isto é, as coisas espirituais, nos abrindo os olhos, pela pregação da palavra, a fé vem aos nossos corações (Rm 10.17) e então somos feitos novas criaturas em Cristo Jesus. (II Co 5.17)”[1]

Em contraste a esta definição de livre-arbítrio (que é conhecido como “livre-arbítrio libertário”, que decorre do fato de que o agente é livre para agir da forma contrária à que ele agiu), o “livre-arbítrio” de Edwards não era algo em que a pessoa pudesse agir contrariamente à forma que agiu. Ele disse:

“Aquilo que parece mais convidativo, e tem o grau maior de tendência prévia para excitar e induzir a escolha, é o que chamo ‘motivo mais forte’. Nesse sentido, suponho que a vontade é sempre determinada pelo motivo mais forte”[2]

Essa definição ficou muito famosa nos séculos seguintes e hoje é seguida de perto pela maioria dos calvinistas. Basicamente, o ensino consiste em que o homem tem algo que eles chamam de “livre-arbítrio” ou “livre-agência”, mas não para poder agir em contrário. Ele somente pode agir da forma que age, porque suas ações são determinadas pelo motivo mais forte.

Então, é de questionarmos se esse “livre-arbítrio” de Edwards merece mesmo este nome. O “livre-arbítrio”, neste caso, é simplesmente a capacidade de agir somente e sempre em conformidade com o que deseja, e não de ter realmente opções de escolha. Isso conflita com o real sentido de ser “livre”, embora possa trazer certo conforto a calvinistas que ainda precisam crer em alguma forma de liberdade.

Sproul resumiu de forma simples o pensamento de Edwards:

“Tenho o desejo de ser magro e tenho o desejo de tomar um ‘Super Sundae’. Qualquer desses desejos que for maior na hora da decisão é o desejo que vou escolher. Simples assim”[3]

John Feinberg, da mesma forma, afirma:

“Deus pode decretar todas as coisas e, ao mesmo tempo, nós estaremos agindo livremente, de acordo com o sentido compatibilista de liberdade. Deus pode garantir que Seus objetivos serão atingidos livremente, mesmo quando alguém não deseja praticar um ato, visto que o decreto inclui não apenas os fins escolhidos por Deus, mas também os meios para a consecução desses fins. Tais meios incluem todas e quaisquer circunstâncias e fatores necessários para convencer a pessoa (sem constrangimento) de que a ação que Deus decretou é a ação que essa pessoa deseja praticar. E assim, propiciadas as condições suficientes, a pessoa praticará a ação”[4]

Em outras palavras, o determinismo que Feinberg chamou de “leve”, presente em Edwards e em autores calvinistas posteriores, se difere do determinismo “duro” de Calvino e de calvinistas rígidos apenas em um aspecto: enquanto para Calvino o homem é coagido, para Edwards o homem é persuadido. Mas essa diferença ainda é muito superficial, pois Edwards ainda cria em uma persuasão irresistível, que no fim das contas pouco difere da coação. É mais uma diferenciação técnica do que prática. É por isso que o “determinismo leve” cai nos mesmos erros do determinismo rígido, como veremos adiante.

[1] HENRIQUE, Flávyo. O que é livre-arbítrio? Disponível em: <http://www.palavradepaz.com.br/listartigo.aspx?id=1020>

[2] EDWARDS, Jonathan. Freedom of the Will, p. 142.

[3] SPROUL, Robert Charles. Eleitos de Deus. Editora Cultura Cristã: 1998, p. 41.

[4] FEINBERG, John Samuel. Predestinação e Livre-Arbítrio: Quatro perspectivas sobre a soberania de Deus e a liberdade humana. Editora Mundo Cristão: 1989, p. 41.

Extraído do livro “Calvinismo X Arminianismo”,  cedido pela comunidade de arminianos do Facebook

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