O Culto é Antropocêntrico?

Prestamos culto a quem? Esta pergun­ta pode parecer simplória e sem ra­zão, mas desejo convidá-lo a ler este texto até o fim. Talvez essa reflexão faça-nos observar algumas atitudes como adoradores de Deus e melhorar nosso culto. Ou alterar a real motivação de nossa adoração.

Durante a década de 80, um livro chamado Louvor que liberta fez muito sucesso entre os evangélicos. Estas ideias cresce­ram e vieram a desembocar no tipo de música que é hoje o mais cantado na maioria das igrejas evangélicas. São músicas que enfatizam quase sempre o louvor pelo lou­vor. São músicas produzidas, quase sempre, pelas chamadas comunidades evangélicas. Trocou-se o foco do poder. Parece que não c Deus que tem toda a força e a autoridade, mas o louvor, em si. Este alcançou status de entidade independente. Surgiram músicas e ministérios de louvor, na linha: revolução de louvor, geração de adoradores, plenitude de louvor e muitos outros similares.

Esse tipo de música parece ser mais prazeroso para quem canta, pelo ritmo, pela letra, pelo balanço do corpo, pelo êxtase coletivo. Essa realidade leva-nos a questi­onar se este tipo de louvor é realmente para Deus ou ele é para o homem, ou seja, antropocêntrico. Deus é o centro da adora­ção ou o ser humano? Isso independe, muitas vezes, da letra do cântico. Pode ser que o texto cantado até fale de Deus mas, as vezes, ele está voltado para o prazer particular dos “adoradores” e não para a exaltação ao Senhor.

É certo que sentimos alegria e prazer no ato de adorar. O sagrado é enternecedor. Estar com os irmãos e juntos louvara Deus é um momento de profunda alegria. Isso, entretanto, não pode ser o objetivo, um fim em si.

Deus deve ser cultuado e só. Se o louvor é em troca de uma bênção, ou para libertação de algo, este culto é antropocêntrico, pois se está pensan­do no bem-estar próprio e não na adora­ção verdadeira e sincera a Deus. Se o culto e a adoração são prioritariamente para deleite pessoal, e não para reco­nhecimento da autoridade, santidade, graça, salvação, justiça, misericórdia e amor de Deus, eles estão desprovidos de seu verdadeiro sentido. O louvor e o culto devem ser feitos para Deus inde­pendentemente do que ele faz por nós e para nós. E essa a atitude radical do culto de Habacuque: “Ainda que a fi­gueira não floresça, nem haja fruto nas vides; ainda que falhe o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado da malhada c nos currais não haja gado; todavia eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação” (Hb 3.17,18). O culto deve ser prestado pelo que Deus essencialmente é e não pelo que ele faz ou pode fazer por nós. Esse tipo de negócio com Deus é uma influência da relação custo-benefício da cultura capitalista em que vive­mos. Isso ofende ao Senhor.

Deus pode muito bem abençoar o seu povo mediante o louvor e o culto. Ele tem feito isso. A ele pertence, obviamente, a autoridade e o poder. Mas isso não pode tornar-se uma moeda de troca entre o homem e o Senhor. Esse tipo de motiva­ção para o louvor pode levar a pessoa afastar-se de Cristo, pois como Deus não age conforme as leis de mercado, ele pode muito bem deixar de oferecer a bênção, apesar do culto autêntico. Isso aconte­ceu a Jó e a outros servos de Deus na história. Se Jó estivesse firmado na cren­ça que o culto e o louvor a Deus o faria abençoado e o livraria de seus inimigos, ele teria fraquejado no período longo da tribulação. Teria abandonado a fé e tal vez até se perdido, conforme acon­teceu à sua esposa. A real motivação do louvor e o entendi­mento verdadeiro do culto leva o servo de Deus a honrá-lo e a servi-lo, apesar das circunstân­cias.

Louvor, necessariamente, não liberta. Louvor, necessaria­mente, não abençoa. Louvor, ne­cessariamente, não destrói proble­mas. Louvor celebra a Deus. Exalta sua divindade. Exulta todos os seus atributos e aquilo que realmente ele é. Essa concepção é teocêntrica. Deus é o centro do culto e não o adorador, pois isso é idolatria, um tema doutrinariamente rechaçado pelos evangé­licos.

Culto antropocêntrico causa uma falsa alegria e uma falsa realização. Ele destrói a comunhão verdadeira com Deus. O culto teocêntrico cele­bra a Deus e, de repente, pela graça e bondade de Deus, poderá até provo­car milagre e libertação ao adorador. Mas esta não é uma regra e nem depende do homem. Todo poder compete a Deus que faz uso dele, conforme sua onisciência e não por nossa “pressão”, pelo nosso “profetizar”, nem pelo nosso “determinar”. Deus não é conduzido pela nossa ação, nem pela nossa oração, mas pela sua augusta e verdadeira sabedoria.

Qual tem sido a motivação de seu lou­vor? Deus, pelo que ele é, ou mesmo sem às vezes perceber, você tem sido alvo do seu louvor, por aquilo que você espera de Deus e pela alegria e prazer pessoal que esse louvor lhe proporciona?

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CLEMIR FERNANDES SILVA, REVISTA: COMPROMISSO – JUERP – 1998

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