O desenvolvimento tecnológico das últimas décadas abriu largas avenidas para a pregação do Evangelho por meio da mídia, principalmente pelo rádio e pela televisão, dando assim acentuada visibilidade a um fenômeno muito antigo e nada recomendável: o culto à personalidade.
Isso acontece porque o ser humano é um adorador por natureza e cultuar é uma de suas atividades essenciais. Entretanto, no seu afã de adorar ele tomou, ao longo da história, caminhos espiritual e socialmente tortuosos. Desde jangais da África, desertos da Arábia, até ao frenesi das grandes metrópoles, adoradores podem ser encontrados aos bilhões, ora prostrando-se diante de uma vaca sagrada, de algum amuleto, ou altar, ora diante de algum líder religioso ou guru. O interessante é que, quando o ser humano não adora em espírito e em verdade (Jo 4.23, 24), ele corre o risco de procurar ser adorado.
Não faz muito tempo, a revista Isto É publicou um artigo sobre o comportamento dos famosos da música e do cinema com seus fãs. Isso aconteceu durante a visita dos Rolling Stones ao Brasil:
Sol inclemente ou chuva constante. Horas e horas parados diante de um edifício. Para um fã não existe limite. Vale tudo para estar perto do seu ídolo. Esta é a única razão para justificar por que a publicitária Rita de Cássia Gemignani, 26 anos, e a secretária Michele Lopes, 25, abandonaram seus empregos e se entregaram à empreitada de chegar o mais próximo possível dos Rolling Stones. Acompanharam os três shows da banda em São Paulo, os dois no Rio de Janeiro e, não satisfeitas, bandearam-se para Buenos Aires, escala seguinte da megaturnê ( ….) A rotina de fãs apaixonadas como Rita de Cássia e Michele, que também adoram os Beatles, é toda organizada em função da vida dos mitos idolatrados. Eles mergulham num mundo paralelo e, por causa disso, à vezes perdem a identidade. Este culto às celebridades costuma chegar à beira da irracionalidade nos Estados Unidos (…) Esta devoção não raramente se transforma em casos patológicos, capazes de ofuscar até mesmo o senso de ridículo (…) A passagem dos Stones pelo Brasil confirmou a modernidade na adoração dos mitos. (Revista Isto É -15 de fevereiro de 1995, p. 42-3.)
Nem os mortos escapam a esse culto, como, por exemplo, Elvis Presley e Raul Seixas.
O fator carisma
Certamente que essa atração, domínio e, muitas vezes, manipulação do ídolo exercidos sobre o fã têm muito a ver com um fator denominado carisma. O dicionário Aurélio define carisma da seguinte maneira: “uma força divina conferida a uma pessoa ou a atribuição a outrem de qualidades especiais de liderança, derivadas de sanção divina, mágica, diabólica, ou apenas de individualidade excepcional” (p. 354).
Geralmente, a pessoa dotada de um forte carisma é conhecida por seu magnetismo irresistível, sua aparência de vencedor e pelo entusiasmo com que defende uma causa, ou apresenta um produto. Tal entusiasmo pode ser visto freqüentemente nos executivos ou no pessoal de liderança da Amway, uma rede internacional de distribuição de produtos que tem atraído muitos evangélicos atualmente, e ainda nos cursos de Lair Ribeiro.
Max Weber, sociólogo alemão, fez uma excelente análise, no livro Ensaios de Sociologia, sobre o papel do carisma no relacionamento do ídolo com seu fã:
A expressão “carisma” deve ser compreendida como referindo-se a uma qualidade extraordinária de uma pessoa, quer seja tal qualidade real, pretensa ou presumida. “Autoridade carismática”, portanto, refere-se a um domínio sobre os homens, seja predominantemente externo ou interno, a que os governados se submetem devido à sua crença na qualidade extraordinária da pessoa específica. O feiticeiro mágico, o profeta… o chefe guerreiro… o chefe pessoal de um partido são desses tipos de governantes para os seus discípulos, seguidores, soldados, partidários, etc. A legitimidade de seu domínio se baseia na crença e na devoção ao extraordinário, desejado porque ultrapassa as qualidades humanas normais e originalmente considerado como sobrenatural. Alegitimidade do domínio carismático baseia-se, assim, na crença nos poderes mágicos, revelações e culto do herói. (Max Weber, Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro, Editora Guanabara, 1982, 5. ed., p. 340.)
O culto político
O culto à personalidade tem-se repetido também ao longo da história no relacionamento entre os senhores feudais e seus vassalos, entre políticos e povo, e entre ditadores e seus seguidores. Michael Green faz uma relevante observação quanto a esse fenômeno:
Os fiéis, na verdade, endeusam o líder: ele é supremo e a sua vontade tem que ser obedecida. De fato, sua posição corresponde quase que exatamente àquela do imperador romano que exercia completo poder político sobre o mundo conhecido e era adorado por seus subjugados. Da mesma forma Hitler declarou ser o emissário do Todo-Poderoso e o fundador do reino de mil anos. Os nazistas morriam invocando o seu nome, e sua personalidade era considerada transcendente. O mesmo aconteceu com Mao. Ele não era apenas um líder; ele era divindade. Ele foi adorado. As pessoas se ajoelhavam diante dele. Elas recitavam seus pensamentos. Elas acreditavam que ele as curava através das mãos de um cirurgião. Ele tomou o lugar de Deus.(Michael Green, I Believe in Satan’s Down fall – Creio na queda de Satanás, Grand Rapids, Michigan, E.U.A., William B. Eerdmans Publishing Company, 1981, p. 158.)
É impressionante como o homo sapiens do final do século vinte, que vive rodeado de uma tecnologia avançada, de um saber multiplicado, ainda se comporta de forma tão ingênua, permitindo que outros o explorem espiritualmente. A seguir, alguns relatos bíblicos do culto à personalidade.
Exemplos bíblicos
A moda não é de hoje. No Sermão da Montanha, Jesus alertou várias vezes sobre aqueles que davam esmolas, oravam e jejuavam tocando trombeta a fim de serem vistos pelos homens. Ele chamou tais pessoas de hipócritas (Mt 6:1-18). Assim eram os escribas e fariseus, que buscavam sempre o louvor do próximo. Eram eles que praticavam todas as suas boas obras e se vestiam alargando seus filactérios e alongando a franja de suas roupas com o fim de serem vistos pelos homens. Amavam também o primeiro lugar nos banquetes, as primeiras cadeiras nas sinagogas, gostavam de ser saudados e chamados de mestres pelos seus semelhantes (Mt 23.5-7).
Jesus não poupou adjetivos ao repreendê-los por tal atitude, chamando-os de hipócritas, guias cegos, insensatos, serpentes, raça de víboras e sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia (Mt 23.13, 16, 27, 33). O Senhor alertou ainda que, ao fazer o bem, a mão esquerda não venha a saber o que fez a direita (Mt 6.3), bastando apenas ao Pai ficar sabendo, pois é ele quem vai dar a recompensa (Mt 6.4).
Sem dúvida, todo cristão deve se envolver em obras sociais a fim de promover o bem-estar do seu próximo. Por outro lado, foge completamente aos ensinos da Bíblia quando um grupo desenvolve uma obra social, como distribuição de cestas básicas ou qualquer outro tipo de socorro humanitário, e fica o tempo todo mostrando isso no seu próprio canal de televisão. É o comportamento dos escribas e fariseus, condenado por Jesus, repetindo-se atualmente. Por isso, admiro o Exército da Salvação, que tem, já por décadas, desenvolvido o seu ministério de socorrer os necessitados sem chamar a mídia para alardear o que faz.
Um outro exemplo de culto à personalidade pode ser observado nos eventos que precederam a morte de Herodes. A Bíblia diz que ele foi aclamado pelo povo e comido de vermes (At 12.21-24). O historiador Flávio Josefo relata que Herodes programou um festival na cidade de Cesaréia em homenagem a César. No segundo dia do festival, Herodes apareceu de manhã no teatro vestido de prata, refletindo um brilho intenso devido aos raios do Sol. O povo começou então a clamar-lhe:
– Seja misericordioso para conosco; pois embora até hoje tenhamos te reverenciado apenas como homem, te consideraremos de agora em diante como superior à natureza mortal.
Diante disso, o rei não os repreendeu nem rejeitou tal ímpia adulação. No mesmo instante, ele sentiu uma dor muito forte no abdome e foi levado para o palácio, onde morreu cinco dias depois. (Flávio Josefo, Josephus, Antiguidade dos Judeus, Grand Rapids, Michigan, E.U.A., Kregel Publications, 1960, Livro 19, capítulo 8.2, p. 412.)
Outro exemplo claro é o de Paulo e Barnabé em Listra. Ali, um homem aleijado, paralítico desde o seu nascimento, foi curado depois de ouvir a pregação de Paulo. Quando a multidão viu o que aconteceu, começou a gritar:
– Os deuses, em forma de homens, baixaram até nós.
A Barnabé chamaram Júpiter, e a Paulo, Mercúrio, deuses mitológicos. O sacerdote de Júpiter, que tinha um templo em frente da cidade, trouxe para junto das portas da cidade touros e grinaldas para, junto com a multidão, fazer um sacrifício em homenagem aos dois apóstolos (At 14.6-13). Paulo e Barnabé recusaram de imediato e com veemência a oferta ou qualquer reconhecimento quanto ao milagre que acabara de acontecer, pois eram verdadeiros homens de Deus, desprovidos de qualquer ambição. Mas fico pensando em muitos hoje que não hesitariam em receber as homenagens, e certamente iriam até mais longe. Aproveitariam o evento para manipular e explorar ainda mais a massa.
Há muitos outros relatos bíblicos que mostram o relacionamento doentio entre uma personalidade e aqueles que lhe prestam adoração, e o espaço não nos permite expandir mais este assunto. Entretanto, vale lembrar aqui as palavras de Moisés usadas mais tarde por Jesus quando foi tentado por Satanás: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Dt 6.13 e Mt 4.10).
Nas seitas
O culto à personalidade pode ser amplamente observado no relacionamento entre líderes de seitas e seus adeptos. A igreja mórmon, por exemplo, rende louvores ao seu fundador, Joseph Smith, com o hino 108 do seu hinário oficial, intitulado: Hoje, ao profeta louvemos.
Os adeptos da seita Moon carregam consigo uma foto do líder, reverendo Moon, para garantir a proteção dos anjos e do bom mundo espiritual (revista Mundo Unificado, maio/ junho de 1984, p. 8). As orações no grupo são feitas em nome dos verdadeiros pais, isto é, reverendo Moon e sua esposa. Já a Palavra de Deus ensina que as orações devem ser feitas em nome de Jesus (Jo 14.13, 14). Moon é considerado dentro da seita como o Senhor do Segundo Advento, o Messias vivo na Terra. Quanta heresia!
Os adeptos do Tabernáculo da Fé seguem os ensinos de William Marrion Branham, um controvertido pregador de cura divina nos Estados Unidos, já falecido. Branham declarou ser o anjo de Apocalipse 3:14 e 10:7 e que o arrebatamento da Igreja e a destruição do mundo aconteceriam em 1977. Seus seguidores gostam de exibir uma foto de Branham tirada em Houston, Texas, em 1950, em que aparece uma auréola (que mais parece uma mancha) de luz sobre a sua cabeça, enquanto falava do púlpito. Depois de falecer, em 1965, seus seguidores acreditavam que ele ressuscitaria. Alguns de seus discípulos criam ser ele o próprio Deus, enquanto outros afirmavam que ele havia nascido através de uma virgem (nascimento virginal). Alguns oravam a ele e outros batizavam em seu nome.
Branham recebeu muito apoio da Full Gospel Business Men’s Fellowship International (Associação Internacional dos Homens de Negócios do Evangelho Pleno-Adhonep norte-americana), mas tal apoio foi se reduzindo à medida que Branham se tornava cada vez mais controvertido, nos anos 60. Uma das controvérsias foi o seu ensino conhecido como “a semente da serpente”, onde afirmou que Eva se envolveu sexualmente com a serpente no Jardim do Éden. (Patrick H.Alexander, Editor, Dictionary of Pentecostal And Charismatic Movement – Dicionário dos Movimentos Pentecostal e Carismático, Grand Rapids, Michigan, E.U.A., Zondervan Publishing House, 1988, p. 95-6.) (Tal ensino antibíblico é defendido também pela seita do reverendo Moon.). Diante de tudo isso, é de se estranhar que alguns líderes pentecostais e carismáticos, como Kenneth Hagin, Oral Roberts, Benny Hinn e Marilyn Hickey, ainda hoje considerem ter sido William Branham um grande homem de Deus só por causa dos milagres em torno de seu ministério.
O culto à personalidade pode ser notado também na igreja Adventista do Sétimo Dia, onde os ensinos giram em torno das interpretações bíblicas de sua profetisa, Ellen Gould White. Uma das provas disso é que todo o candidato ao batismo deve preencher e assinar um formulário em que declara crer no espírito de profecia e já ter lido alguns livros da senhora White. Para os adventistas, ela possui o espírito de profecia, sendo assim a única capaz de interpretar as Escrituras de forma correta e confiável. Se alguém recusar a autoridade de Ellen White não poderá ser um adventista do Sétimo Dia. Tanto na igreja do Tabernáculo da Fé quanto na igreja Adventista do Sétimo Dia, os livros de William Branham e de Ellen White são colocados numa posição de igualdade com a Bíblia Sagrada.
Um dos exemplos mais chocantes dos perigos que cercam o culto à personalidade pôde ser verificado no grupo chamado Ramo Davidiano, de David Koresh, em Waco, Texas, Estados Unidos. Em abril de 1993, o FBI cercou por vários dias o rancho onde Koresh e seu grupo estavam reunidos, enquan
to a sociedade acompanhava apreensiva os fatos pela mídia e aguardava com ansiedade um final feliz. Infelizmente, tal não aconteceu. Depois de perceberem que a polícia estava prestes a fazer uma invasão, Koresh e seu grupo preferiram transformar em chamas o rancho da seita e morrer do que entregar-se ao FBI. No dia 19 de abril de 1993, entre 75 e 85 pessoas morreram, incluindo aproximadamente 25 crianças. Nove pessoas sobreviveram.
Por que isso aconteceu? O que ou quais cincunstâncias levaram um grupo de homens e mulheres a obedecer cegamente um líder, mesmo até a morte? Naturalmente são muitos fatores, que, por falta de espaço, não serão tratados aqui. Entretanto, seria interessante conferir o relato de dois autores sobre o caráter megalomaníaco de Koresh, algo relacionado com o assunto do nosso capítulo:
No seu cartão pessoal estava impresso “Messias” e ele é citado como tendo declarado em inúmeras ocasiões: “Se a Bíblia é verdade, então eu sou o Cristo”. Alguns acreditaram nele. Ele foi capaz de convencer os maridos a entregar-lhe suas esposas, famílias a entregar-lhe dinheiro e filhos. Seu estilo de vida paradisíaco permitiu-lhe viver da renda dos outros. Em 19 de abril de 1993, havia quase cem pessoas dispostas a morrer com ele pela promessa de uma vida no céu após a mortes. (Tobias, L. Madeleine & Lalich, Janja, Captive Hearts, Captive Minds – Corações Cativos, mentes Cativas, Alameda, CA, E.U.A., Hunter House, 1994, p. 81.)
As lições duras e amargas, não apenas de David Koresh e Jim Jones (que no fim de 1978 levou mais de 900 pessoas ao suicídio coletivo, na Guiana), estão aí para quem delas quiser tirar proveito. E quem dera que tragédias como essas nunca mais se repetissem!
Na Igreja
O culto à personalidade pode ser encontrado também onde menos se deveria: na Igreja cristã. É óbvio que não estou insinuando que tal fenômeno acontece na Igreja com a mesma intensidade e impiedade que nas seitas, como nos exemplos citados acima. Por outro lado, mesmo com uma intensidade menor, e provavelmente sem o perigo de levar ao extermínio de pessoas, ele não deveria ocorrer de modo algum. Estou ciente também de que todos os citados aqui negarão veementemente tal procedimento e afirmarão que não existe em seu grupos qualquer exaltação do ser humano, que seu alvo é glorificar apenas a Deus. Lamentavelmente, as práticas de muitos grupos demonstram o contrário. Muitos estão pegando carona no louvor e adoração a Deus.
Esse é o caso de Jorge Tadeu, fundador e líder das igrejas Maná em Portugal e que já esteve várias vezes no Brasil. Ele se autodenomina Apóstolo e escreve cartas semanais aos seus pastores com o título de “St.” (São) Jorge Tadeu. Um dos pastores dissidentes garante: “Hoje, a palavra de Jorge Tadeu na igreja Maná é equiparada à Palavra de Deus”. (Revista Visão, Lisboa, Portugal, 10 de fevereiro de 1994, p. 56.)
O culto à personalidade aparece também na igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Macedo. Tenho verificado pessoalmente que quase todos os pastores da Universal, tanto os que pregam nas igrejas quanto os que aparecem na televisão, são fiéis imitadores de Macedo. Os mesmos gestos, as mesmas entonações de voz, e muitas vezes, as mesmas expressões, tais como: “Sim ou não, pessoal?”, “É ou não é, pessoal?” e “Amém, pessoal?”.
Muitas vezes, o fato de ser imitado não é culpa do líder. Muitos de nós gostamos de ter os nossos heróis, de ter um modelo a seguir, e até um certo ponto isso é bom. O apóstolo Paulo até aconselhou: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Co 11.1). O escritor aos Hebreus também admoestou: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram” (Hb 13.7). Assim, somos encorajados a imitar, principalmente, a fé desses irmãos, e não sua entonação de voz ou gestos.
Tenho observado que muitos irmãos tornam-se fãs tão ardorosos dos líderes evangélicos mais conhecidos que começam a idolatrá-los, passando a imitar-lhes a voz, as expressões peculiares, os mesmos chavões e os gestos. Muitas vezes, isso pode revelar o resultado de um crescimento espiritual nada saudável de alguns crentes. Mesmo o rev. Caio Fábio ou o Dr. Russell Shedd, que estão longe de promover tal comportamento ou buscar tal tipo de reação dos seus ouvintes, têm sido cultuados por vários dos que os acompanham ao longo dos anos. Creio que esses homens de Deus ficariam constrangidos se chegassem a constatar tais fatos.
É incrível também a pressa com que alguns líderes evangélicos, ministérios e igrejas tratam de explorar a fama de algum astro do futebol ou do mundo artístico. Basta alguém acenar com uma conversão e o novo convertido (se é que houve uma conversão genuína) já estará diante de um grande auditório num ginásio, num estádio ou numa igreja. A pessoa ainda nem conhece o básico da fé cristã, ainda não abandonou por completo a velha vida (em muitas igrejas isso já nem é mais preciso), nem teve qualquer crescimento espiritual e já é promovido à posição de pregador e ungido do Senhor. Infelizmente o que tem acontecido é que, logo depois dos testemunhos e de todo o barulho provocado por tal celebridade, surgem fracassos e fatos embaraçosos, trazendo vergonha e desonra para o Evangelho. É preciso mais cuidado.
Exemplos saudáveis
Quando Naamã, comandante do exército do rei da Síria, foi a Israel em busca de Eliseu para ser curado de sua lepra, esperava ser bajulado pelo profeta de Deus. Para garantir uma recepção honrosa pelo homem de Deus, Naamã levou consigo dinheiro e presentes. O plano falhou. Eliseu nem saiu de casa para cumprimentá-lo. Enviou-lhe um mensageiro dizendo: “Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada, e ficarás limpo” (2 Rs 5.10). Contrariado, Naamã foi, lavou-se no Jordão e foi curado de sua lepra. Em gratidão, voltou à casa do profeta e, com insistência, ofereceu-lhe presentes. Eliseu recusou, mostrando assim que um verdadeiro homem de Deus não busca a glória humana e não faz comércio com o poder e a Palavra do Senhor (2 Rs 5). Ao contrário de Eliseu, lamentavelmente, muitos líderes evangélicos hoje não hesitam em bajular políticos na busca de favores e de explorar, para benefício próprio, qualquer oportunidade que se lhes apresenta.
João Batista é um outro exemplo a ser seguido. Ele poderia ter bajulado a realeza, mas não o fez. Depois de anunciar a vinda do Messias, denunciou o pecado de Herodes e Herodias, e foi por isso preso e decapitado (Mc 6.17-29). Em lugar de buscar seu bem-estar e autopromoção, ele declarou a respeito de Jesus: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30). Que Deus nos dê a mesma atitude de coração de João Batista e o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus (Fp 2.5).
Quando Pedro dirigiu-se à casa de Cornélio para anunciar-lhe a Palavra de Deus, foi recebido com muita pompa. A Bíblia diz que Cornélio recebeu o apóstolo e, prostrando-se aos seus pés, o adorou. Mas Pedro recusou a adoração e, levantando Cornélio, disse-lhe: “Ergue-te, que eu também sou homem” (At 10.26). Até mesmo um anjo recusou ser adorado por João na sua visão de Patmos (Ap 19.10 e 22:8). Na segunda vez, o anjo disse-lhe: “Vê, não faças isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (Ap 22.9).
Seria ridículo o jumento que carregou Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém pensar (isto é, se ele pudesse pensar) que as pessoas que estendiam suas vestes e ramos no caminho, por onde ele passava, o faziam por causa dele, e não por causa de Jesus. Seria ridículo ele pensar que toda aquela aclamação fosse por causa dele, e não por causa do Senhor. Da mesma forma, seria totalmente impróprio achar que, por causa do nosso carisma e habilidade, as coisas acontecem no Reino de Deus. Por esta razão, a Palavra de Deus nos exorta: “…porque Deus resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a sua graça. Humilhai-vos, portanto, sob a poderosa mão de Deus, para que ele, em tempo oportuno, vos exalte” (1 Pe 5.5, 6). O profeta Miquéias acrescenta ainda: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq 6.8).
Meu professor de Evangelismo e Missões no seminário, Dr. Christy Wilson, contou certa vez que Sadu Sundar Singh, o místico da índia, o apóstolo dos pés sangrentos, chegou um dia a uma vila e alguém lhe perguntou:
– Você é Jesus?
Sadu respondeu:
– Não, é claro que não. Eu sou apenas o jumento de Jesus.
Eu levo Jesus a todo o lugar que vou. Que Deus nos ajude a fazer o mesmo!
Não escrevi este capítulo como alguém isento de tais problemas ou livre de todas as tentações nessa área. Por esta razão, preciso ser continuamente lembrado pelo Espírito Santo que, por mais que o vaso seja usado, ele continua sendo de barro. Bem escreveu o apóstolo Paulo ao comentar sobre o ministério cristão: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2 Co 4.7). A Deus toda a glória!
Extraído do livro “Evangélicos em Crise” do Pr. Paulo Romeiro