Qual seria nossa reação ao ouvir um muçulmano afirmar que o Alá do Alcorão é o Deus da Bíblia? Apesar do pouco conhecimento que muitos possuem acerca do islamismo, não é difícil identificar as imensas diferenças que esta religião possui em relação ao cristianismo. Apesar deste abismo doutrinário que nos separa, esta é a crença islâmica: o Alá do Alcorão é o Deus da Bíblia! Nosso propósito, ao longo desta matéria, é demonstrar que isso é impossível, uma vez que o islamismo se opõe ao entendimento cristão de que há um único triúno Deus. Ressaltamos que não temos a intenção de denegrir o islamismo, mas somente expor seu entendimento sobre Deus. Ratificamos a necessidade desta abordagem em Defesa da Fé pelos seguintes fatores:
- Há um avanço numérico islâmico. Tem sido noticiado pela imprensa que o islamismo possui muitos seguidores. Segundo Jaime Klintowitz, jornalista da revista Veja, o islamismo tem hoje 1,2 bilhões de adeptos.[1] Isto representa um quinto da população mundial. O mesmo artigo informa que o islamismo governa cinqüenta países do mundo.[2]
- Há um ardor missionário islâmico em ação e um ataque do islamismo contra as doutrinas cristãs. Sabemos que o islamismo esforça-se por difundir sua doutrina em todo o mundo livre. Isto é facilmente visto pelas mesquitas construídas e inúmeros livros escritos e publicados ao redor do mundo. Há nas últimas páginas do livro Islamismo mandamentos fundamentais, de Mohammad Ahmad Abou Fares, 25 fotos de mesquitas construídas no Brasil. Tem sido observado por nós que onde há uma mesquita há também um esforço de proselitização, o qual se dá por meio de distribuições de livros religiosos islâmicos e doações do Alcorão. Às vezes, há também distribuição de cestas básicas para a comunidade carente local. O islamismo tem-se esmerado em atacar as doutrinas cristãs por meio de regulares publicações.[3]
- Há um avanço do movimento missionário evangélico entre os muçulmanos. Esse fato torna o assunto mais relevante ainda, visto que a igreja brasileira tem-se esforçado em fazer missões no mundo todo, inclusive em países islâmicos. Percebemos, então, tanto pelo desafio teológico quanto pelo populacional, o que o islamismo representa para o cristianismo. Por conta disso, precisamos entender o que os muçulmanos dizem sobre a doutrina de Deus. Dessa maneira, teremos condições de apresentar o ensino cristão em nosso esforço de evangelização dos muçulmanos, estando bem alicerçados para isto.
Uma precaução necessária
Com a intenção de evitarmos problemas de comunicação, é importante esclarecer em que sentido usaremos a palavra Alá ou Alah, termo usado para Deus na língua árabe, tanto no Alcorão quanto na Bíblia. Se fôssemos ler em árabe o famoso versículo do evangelho de João: “Deus amou o mundo de tal maneira”, seria: “Alá amou o mundo de tal maneira” (Jo 3.16). Nosso problema não está no uso da palavra Alá, mas em entendermos se o Alá do Alcorão é o Alá da Bíblia.
Aqui, faz-se necessária uma breve definição do que estamos querendo dizer do Ser Deus como uma unidade absoluta no islamismo e como uma unidade composta no cristianismo. Sem isto, o entendimento do texto para quem não está familiarizado com a doutrina da Trindade ficará difícil. Passemos, então, à explanação de como o islamismo crê que Deus é.
Alá seria o mesmo Deus da Bíblia?
Se o Alá do Alcorão é o mesmo da Bíblia ficamos então com o dilema de como pode um Deus triúno (unidade composta) ser o mesmo Deus que não é triúno (unidade absoluta). Os muçulmanos resolvem este problema negando a autenticidade da Bíblia e se apoiando nas instruções do Alcorão.
No verso 46 do Sura 29 lemos o seguinte: “E não disputeis com os adeptos do Livro[4], senão da melhor forma […] Dizei-lhes: Cremos no que nos foi revelado, assim como no que vos foi revelado antes; nosso Deus e o vosso são Um e a Ele nos submetemos” (grifo do autor).
Como podemos ver, não é incomum os muçulmanos pensarem que a Bíblia testifica do mesmo Deus que o Alcorão, pois este conceito fica claro nesse verso por meio da expressão: Nosso Deus e o vosso são Um e a Ele nos submetemos. Baseados em trechos do Alcorão, pensam que a revelação que obtiveram teria sido, sem dúvida nenhuma, a revelação islâmica como dada a Maomé. Em outras palavras, segundo acreditam os muçulmanos, os homens mencionados na Bíblia, tais como Abraão, Ismael, Isaque, Jacó, Moisés, Jesus e outros, eram muçulmanos, criam no Alá do Alcorão e pregavam uma mensagem alcorânica (Sura 2:136).
O professor Samir El Hayek, responsável pela versão do Alcorão em português citado nesta matéria, expressa a mesma idéia: “Abraão, Ismael, Isaac, Jacó e as tribos (destes, Abraão tinha aparentemente um livro — versículo 19 da 87ª Surata — e outros seguiam sua tradição); Moisés e Jesus, deixando cada um deles uma escritura (tais Escrituras existem até hoje, não obstante não se apresentarem na sua prístina forma) […] Não fazemos distinção entre qualquer um desses (profetas). Sua mensagem (no essencial) foi uma só (ou seja, Abraão, Ismael, Isaac, Jacó, Moisés e Jesus, pregaram uma única mensagem, que era a islâmica), e isso constitui a base do Islam” (últimos parênteses do autor).[5]
Outro destacado pensador islâmico, Mohamad Ahmad Abou Fares, ao mencionar um trecho do Alcorão (Sura 4:150-152), confirma esta posição dizendo que o Islã sempre foi o mesmo desde o início: “Estes versículos e muitos outros contidos no Alcorão nos ensinam a grande religião: a religião de Deus é uma só… desde de o início da criação até hoje… e até o fim!”[6] (grifo do autor). A idéia que Fares procura provar é a de que cristãos e muçulmanos servem o mesmo Deus.
Todavia, ambos não oferecem as provas para que creiamos em suas opiniões. Por outro lado, a abundância dos testemunhos de inúmeros manuscritos bíblicos nos assegura que a mensagem bíblica foi, ao longo dos séculos, preservada: “Há agora mais de 5 300 manuscritos do Novo Testamento em grego, aos quais acrescentamos 10 000 cópias da Vulgata Latina e pelo menos mais 9 300 outros manuscritos em outras versões. Assim, temos mais de 24 000 cópias de porções do Novo Testamento em existência hoje”.[7]
Desta vez, usando de palavras de estudiosos cristãos, Ahmed Deedat, outra autoridade islâmica, também tenta provar que o Alcorão está certo quanto ao seu Alá ser o mesmo Deus da Bíblia. Faz isso citando uma nota de rodapé da Bíblia The New Scofield Reference Bible. Seu alvo é mostrar que o Alá do Alcorão é mencionado na Bíblia, portanto, esta se refere ao mesmo Deus do Alcorão. Deedat então publicou a primeira página da The New Scofield Reference Bible, na qual se encontra a nota de rodapé nº 1, que diz: “Eloim (as vezes El ou Elah), na forma inglesa Deus (God), o primeiro dos três nomes primários da divindade, é um substantivo uniplural formado por El =forte e Alah = jurar, se obrigar por voto, implicando em fidelidade. Esta unipluralidade implícita no nome é diretamente afirmada em Gênesis 1.26 (pluralidade), e no verso 27 (unidade). Veja também Gênesis 3.22. Assim, a Trindade é latente em Eloim”.[8]
Deedat utiliza-se desta nota de rodapé como um argumento para sustentar o que se encontra em diversos textos do Alcorão (Suras 2:136, 138-140; 4:150-152 e 29:46), ou seja, cristãos e muçulmanos adoram o mesmo Deus. Faz isso porque a palavra Alah foi mencionada na nota. Reconhecemos que a nota da Bíblia The New Scofield Reference Bible faz bem ao mencionar a palavra Alah, pois Elohim é o plural de Eloah, do verbo alá em hebraico, que significa ser adorado, ser excelente, temido e reverenciado. No entanto, destacamos que se Eloim, plural de Eloah, que vem do verbo alá, é uma evidência de que cristãos e muçulmanos servem ao mesmo Deus, segundo Deedat, então o Deus alcorânico deveria ser uma unidade composta, como indica a palavra Eloim, plural de Eloah, e como explicou Scofield em sua nota de rodapé, como já vimos, citada por Deedat. Contudo, ele usa de seletividade para com a citação e ignora o fato de que a nota claramente ensina que o Deus verdadeiro é uma unidade composta, o que, por sinal, é bem antiislâmico.
Diante da enfática exposição desses testemunhos que concordam que o Alá do Alcorão é o Deus da Bíblia e considerando muitos outros que foram aqui omitidos, ratificamos a necessidade de conhecermos qual é o entendimento islâmico sobre Deus, e como, neste contexto, os muçulmanos negam as doutrinas basilares da fé cristã. Entretanto, antes de fazê-lo, é importante entender o que levou Maomé a pregar o monoteísmo absoluto islâmico, rechaçando a doutrina da Trindade. Para tanto, precisamos saber o que significa shirk, conhecimento que nos dará base para entendermos o contexto no qual surgiu a crença islâmica de Deus. Passemos a defini-lo.
Como shirk é definido
Shirk é atribuir associado ou parceiro a Alá, ou seja, considerar algo ou alguém que não tem natureza divina como Deus, adorando-o como tal. Este é o único pecado no islamismo que não tem perdão: “o homem se tornou culpado de shirk, adorador de ídolos”.[9] Em outras palavras, adoração a ídolos (politeísmo) é shirk, pois é o mesmo que associar ou atribuir um parceiro a Alá, considerando-o Deus, quando este não o é.
No Alcorão está claro que shirk é imperdoável, conforme vemos autenticado: “Deus jamais perdoará a quem lhe atribuir parceiros (associados); porém, fora disso, perdoa a quem lhe apraz. Quem atribuir parceiros a Deus comete um pecado ignominioso” (Sura 4:48; grifo do autor). Tal como este, outros textos participam da mesma concepção (Sura 4:116 e 5:172).
John Gilchrist, pesquisador do islamismo, entende que a maior barreira entre os cristãos e os muçulmanos é o fato de que para o islamismo os cristãos cometem shirk ao adorarem Jesus, pois no entendimento islâmico Jesus é apenas um profeta, e não Deus encarnado. Neste caso, isto seria associar alguém, uma criatura de Alá, a Alá, adorando-o como Deus, quando Ele não seria.
Gilchrist explica que a raiz da palavra parceiro é a mesma da palavra shirk, a saber yushraku.[10] Segundo ele, os cristãos cometem shirk numa perspectiva islâmica, pois o Alcorão condena o entendimento cristão de que Jesus é o Filho de Deus (Sura 10:68). Os muçulmanos pensam que os cristãos associaram ou atribuíram Jesus a Alá, quando Ele era um mero mensageiro de Alá. Na verdade, sabemos que Jesus é eterno e nunca foi associado a Alá. Deus é triúno de eternidade a eternidade.
Os árabes pré-islâmicos eram idólatras
Os árabes pré-islâmicos criam que Alá tinha filhos e filhas. Estes eram deuses e deusas, ou gênios e gênias, que descendiam de Alá. Como seus descendentes possuíam natureza divina, por isso eram adorados como divindades por eles. Contudo, numa perspectiva islâmica, isto era o mesmo que associar ou atribuir parceiros a Alá. Temos suficiente informação no Alcorão sobre os árabes pré-islâmicos nestes termos, ou seja, eram idólatras e cometiam shirk.
No Sura 53:19-23, temos a menção de três deusas adoradas no período pré-islâmico: Al- Lát, Al-Uzza e Manata. Pensavam que estas eram filhas de Alá: “Considerai Al-Lát e Al-Uzza. E a outra, a terceira deusa, Manata. Porventura, pertence-vos o sexo masculino e a Ele o feminino? Tal, então, seria uma partilha injusta. Tais (divindades) não são mais do que nomes, com que as denominastes, vós e vossos antepassados […] Não seguem senão as suas próprias conjecturas e as luxúrias das suas almas, não obstante ter-lhes chegado a orientação do seu Senhor!” (Maomé teria, então, trazido a orientação do seu Senhor contra o entendimento errado da idolatria); parênteses do autor.
O entendimento islâmico presume que Deus não tem nenhum Filho, por que Alá não faz sexo. Veja o Sura 6:100-102: “Mesmo assim atribuem como parceiros a Deus, os gênios, embora fosse Ele quem os criasse; e, nesciamente, inventarem-lhe filhos e filhas […] Originador dos céus e da terra! Como poderia ter prole, quando nunca teve uma esposa, e foi Ele quem criou tudo o que existe, e é Onisciente? Tal é o vosso Deus, vosso Senhor! Não há mais divindade além dele, Criador de tudo! Adorai-o, pois, porque é o guardião de todas as coisas” (grifo do autor).
Na prática, segundo esse texto, os seres (gênios) seriam deuses parceiros de Alá, aos quais os pré-islamicos atribuíram como parceiros a Deus, por serem seus descendentes e, por isso, foram condenados por Maomé como idólatras.
Como, então, o entendimento pré-islâmico pensava em Deus como alguém que tinha filhos e filhas conforme Maomé anunciava o monoteísmo, esses islâmicos achavam que ele (Maomé) tivesse sugerindo que todos os deuses formassem um só, como se fosse possível somá-los em um (Sura 38:5). Contudo, Maomé anunciava-lhes que havia somente um Deus e, neste sentido, o islamismo é semelhante ao cristianismo, pois prega a existência de um único Deus e condena a idolatria, mas, apesar dessa semelhança, que por sinal é mal-entendida pelos islâmicos, Maomé ensinou que Deus não é triúno e, por isso, existe uma grande tensão entre o islamismo e o cristianismo. Munidos deste contexto, passemos agora a considerar alguns fatores que evidenciam que o Alá do Alcorão não é o Deus da Bíblia.
O Alá do Alcorão não teve filho
Começamos pelo Sura 112: “Dize: Ele é Deus, o Único. Deus! O Absoluto! Jamais gerou ou foi gerado! E ninguém é comparável a Ele!”. Hayek diz o seguinte sobre esta passagem alcorânica: “A natureza de Deus é nos aqui, indicada em poucas palavras, de maneira que possamos entender […] Ele é Uno e Único, o Uno e Único, a quem devemos adorar; todas as outras coisas ou entidades em que ou em quem pudermos pensar são as suas criaturas, de maneira alguma comparáveis a Ele […] Ainda mais, não devemos pensar que Ele teve um filho ou um pai, porquanto isso seria querer imputar-lhe qualidades materiais, ao formarmos um juízo dele”.[11]
Ainda nesse contexto, o Sura 19:35 diz o seguinte: “É inadmissível que Deus tenha tido um filho. Glorificado seja! Quando decide uma coisa, basta-lhe dizer: Seja!, e é”. Hayek, ao comentar este verso, mais uma vez explica que Deus não pode ter um filho, porque não faz sexo: “Gerar um filho é um ato fisiológico que depende das necessidades da natureza animal do homem. Deus, o Altíssimo, é independente de todas as necessidades, e é derrogatório atribuir-lhe tal ato”.[12]
Percebemos que esse entendimento é fruto do desconhecimento da doutrina cristã. Perguntamos: quem afirmou que Jesus é Filho de Deus em termos carnais? É abominação e blasfêmia também para os cristãos imaginar que Jesus é Filho de Deus em termos carnais. Não deveria haver tal barreira entre o cristianismo e o islamismo, pois este não é o ensino cristão sobre a filiação de Jesus. De fato, os cristãos não ensinam que Deus precisa fazer sexo para ter um filho, assim como não precisa de mãos para segurar, de pés para andar ou de pulmão para respirar e viver.
Mas como, então, os muçulmanos enfrentam as afirmações bíblicas que legitimam a filiação de Jesus? Ahmed Deedat alista algumas passagens, tais como Gênesis 6.2,4 (os filhos de Deus casaram-se com as filhas dos homens), Êxodo 4.22 (Israel é filho de Deus), Salmo 2.7 (Davi como filho de Deus) e Romanos 8.14 (os filhos de Deus são guiados pelo Espírito Santo), por meio das quais afirma que Jesus era Filho de Deus de uma maneira metafórica, como Israel, Davi e outros na Bíblia.[13] Assamad interpreta as mesmas passagens concluindo que Jesus era Filho de Deus no sentido que era próximo de Deus pelo amor, assim como qualquer homem pode ser filho de Deus.[14]
Como podemos ver, as duas argumentações só provam que há mais de um uso para a expressão filho de Deus na Bíblia sem considerarem as passagens que definem Jesus como Filho de forma especial e única. Logo se percebe que tanto Assamad como Deedat não compreendem os vários significados bíblicos da expressão Filho Deus.
Corrobora com a negação da filiação de Jesus por parte de Deus a idéia de que Jesus era um mero homem, um mensageiro (profeta), um ser criado. Seguindo esta linha de raciocínio, os muçulmanos se empenham em contestar a divindade de Cristo.
Ahmed Deedat cita os Suras 3:47 e 3:59 para assim embasar sua opinião como muçulmano de que Jesus fora criado: “Este é o conceito islâmico do nascimento de Jesus. Pois para Deus criar um Jesus, sem um pai, basta simplesmente desejar. Se ele quiser criar um milhão de Jesus, sem pais, basta Alá desejar”.[15]
Deedat parece estar convencido de que Jesus não é Deus, pois entende que Ele nunca se declarou como tal. Procura provar sua opinião citando João 10.23-36 para explicar que Jesus é um com o Pai (v. 30), mas segundo seu entendimento, somente em propósito. Ele não seria Filho de Deus de uma maneira especial, como se fosse Deus, ou tivesse reivindicado sê-lo.[16] No entanto, Deedat cai em contradição quando reconhece que o entendimento de cristãos e judeus quanto ao episódio da passagem é claro, ou seja, Jesus reivindicou ser Deus ao dizer que era um com o Pai, com a diferença de que os judeus não aceitaram isto, mas os cristãos, sim: “Os cristãos concordam com os judeus, Jesus realmente fez tal reivindicação (ser Deus); mas diferem nisto, não era blasfêmia para os cristãos, porque crêem que Ele é Deus”.[17] A contradição de Deedat demonstra que no fundo ele sabe que Jesus realmente se declarou Deus!
Assamad igualmente parece convencido de que Jesus não é Deus, pois Ele orava a Deus Pai e, neste sentido, era como qualquer outro homem, como qualquer criatura de Deus, por isso conclui que Jesus não podia ser Deus encarnado: “Ele falava de Deus como Meu Pai e o vosso Pai, e meu Deus e o vosso Deus (Jo 22.17). Estas palavras de Jesus relatadas na Bíblia demonstram que Jesus tinha a mesma relação com Deus que qualquer outro homem. Ele era uma criatura de Deus […] Em sua agonia na cruz, Jesus exclamou: ‘Eloi, Eloi, lamma sabachthani?’. Que quer dizer: ‘Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?’ (Mc 15.34)”.
Segundo Assamad, jamais tais palavras, proferidas na cruz por Jesus, poderiam ser pronunciadas por Deus, por isso diz: “O que temos aí é o grito de um homem indefeso e agonizante dirigido ao seu Criador e Senhor”.[18] Cita então diversas passagens bíblicas em que Jesus orava, concluindo que Ele não podia ser Deus e que nada sabia sobre a Trindade pelo fato de ter sido sua prática a oração (Mc 1.35; Lc 5.16; Jo 17.3).
O aparente problema apontado por Assamad, por meio do qual tenta provar que Jesus não era divino, pois orava a Deus Pai, de fato não o é, pois havendo três pessoas na Divindade uma fala com a outra, não só durante a encarnação, como também antes e depois da mesma. Na realidade, podemos verificar grande semelhança entre o seu argumento e os das testemunhas-de-jeová, as quais, tal como Assamad, procuram intensificar a questão atacando a divindade de Jesus à luz das limitações decorrentes de sua encarnação.
Declaram que Jesus, pelo fato de ter sido homem, não podia ser Deus encarnado. É Claro que um ser humano se alimenta e passa por todas as vicissitudes decorrentes de sua natureza. Como homem, Jesus era tão humano como qualquer outro ser humano. Todavia, isso não consiste em prova de que não podia ser uma das pessoas da Divindade que se encarnou. Fez isso por um certo tempo, para que, assim, se cumprisse toda a Escritura e pudesse haver salvação para o homem. Não obstante, possuía natureza divina, mesmo que voluntariamente tinha se limitado na manifestação de seus atributos divinos. Não há, no genuíno entendimento cristão, conflito entre o fato de que Jesus, sendo Deus, tornou-se homem, mesmo que para isto tenha se limitado por um certo tempo.
O Alá do Alcorão não é triúno
Uma vez que Alá no Alcorão é uma unidade absoluta, é de se esperar que a doutrina da Trindade fosse claramente condenada no Alcorão. Há passagens no Alcorão que claramente se opõem à Trindade.
Hayek, ao comentar o Sura 2:135 (“Disseram: Sede judeus ou cristãos, que estareis bem iluminados. Responde-lhes: Qual! Seguimos o credo de Abraão, o monoteísta, que jamais se contou entre os idólatras”), disse o seguinte sobre a Trindade: “Os judeus, embora orientados quanto à Unicidade, procuraram falsos deuses, e os cristãos inventaram a Trindade ou a copiaram da idolatria”.[19] Podemos ver, pelo comentário de Hayek, que o islamismo condena a Trindade, pensando ser ela o mesmo que idolatria. Percebemos que os posicionamentos islâmicos são profundamente antagônicos ao cristianismo.
Vejamos o que diz o Sura 5:73: “São blasfemos aqueles que dizem: Deus é o um da Trindade! Porquanto não existe divindade além do Deus Único…” (grifo do autor). Ver também o Sura 4:171. Vemos que o Alcorão se expressa mal quando se refere à Trindade, pois os cristãos não crêem que Deus seja o um de uma Trindade, como se duas outras Pessoas tivessem sido associadas a Deus, mas ao contrário, crêem que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um e somente um Deus, pois há somente uma essência divina; cada uma das Pessoas é Deus e possui a totalidade da essência divina; as Pessoas são eternamente inseparáveis e eternamente unidas nesta única essência divina; cada uma das Pessoas possui a mesma dignidade das outras duas, e, portanto, conseqüentemente cada uma das Pessoas são idênticas em essência, vontade, propósito, poder, eternidade e nos demais atributos.
Além desse erro de interpretação da Trindade por parte dos muçulmanos, existe a possibilidade de Maomé ter confundido o ensino cristão da Trindade com o triteísmo do Pai, Maria e Jesus. Se isto ocorreu, há a possibilidade de Maomé ter condenado a Trindade por causa de um entendimento errôneo, pois até mesmo os cristãos condenariam veementemente a Trindade nesses termos. Como teria ocorrido isto? Há dois versos que indicam que Maomé pensava que Maria também tinha natureza divina.
Citamos aqui o Sura 5:116, no qual se lê que: “E recorda-te de que quando Deus disse: Ó Jesus, filho de Maria! Fosse tu quem disseste aos homens: Tomai a mim e minha mãe por duas divindades, em vez de Deus?” (grifo do autor). Ver também o Sura 5:75. Aqui, constatamos, havia a crença ou o entendimento de que os cristãos adoravam Jesus e Maria como pessoas da Trindade.
Há duas possibilidades de como Maomé se convenceu de que a crença da divindade de Maria era aceita por cristãos. Talvez obteve este conhecimento por meio de uma obscura seita cristã chamada Collyridians, cujos adeptos adoravam Maria e lhe ofereciam um bolo em devoção chamado Collyris.[20] Ou simplesmente o obteve por meio do que pensou ser verdade, segundo as aparências, pois alguns cristãos veneravam Maria em suas expressões populares de fé de tal maneira que poderia ter-lhe parecido que a divindade de Maria era uma doutrina cristã, o que é contrário ao ensino bíblico sobre ela.[21]
De qualquer maneira, o entendimento islâmico inicial quanto à Trindade, segundo antigos comentaristas islâmicos, supunha que esta fosse composta de Deus, Maria e Jesus: “Estes versos (Sura 5:75 e 5:116) são explicados pelo comentarista Jalalu’din e Yahya como sendo a resposta de Maomé à declaração que ouviu de certos cristãos de que há três deuses, a saber: o Pai, Maria e Jesus (Tisdall, The Original sources of the Qur’an)”.[22] Outro grande comentador, Zamakhshari, também concorda que o Alcorão ensina a suposta crença cristã de que Deus, Cristo e Maria são três deuses, e que Cristo é o filho de Deus por Maria.
Assim, segundo Jalalu’din, Yahya e Zamakhshari, era isso que Maomé condenava, e não a doutrina como a conhecemos. O fato de Deus ser uma unidade composta não faz dele três deuses.[23] Se pudéssemos remover estes mal-entendidos, então o islamismo veria que o cristianismo também prega o monoteísmo. Agora, passaremos a expor, brevemente, essas discordâncias doutrinárias.
Equívocos islâmicos na interpretação da Bíblia
- Imaginar que a Trindade foi retirada da idolatria ou inventada pelo homem. De fato, a doutrina da Trindade é revelada implicitamente no Velho Testamento e explicitamente no Novo Testamento. A Bíblia e os cristãos que a seguem se opõem à idolatria, totalmente. As evidências bíblicas das Escrituras quanto à divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo são tantas que não podemos dizer que a doutrina da Trindade foi inventada pelos homens, ou copiada da idolatria. Temos também as evidências de que Deus é uma unidade composta nas Escrituras. Como, então, a doutrina teria sido retirada da idolatria ou inventada pelo homem? Será que isso não é uma tentativa para justificar o Alcorão? Parece que sim, pois esta alegação não procede.
- Imaginar que Jesus foi associado a Alá. Não é verdade que os cristãos crêem em Deus como o um de uma Trindade. Não é assim que a Bíblia revela Deus. Ele é sim uma unidade trina, composta de três Pessoas, que é eterna. Jesus, por isso, nunca foi associado a Deus. Ele é eternamente Deus. Nunca, portanto, houve um momento em que Jesus deixasse de ser Deus para depois passar a ser associado a Deus. Os cristãos nunca cometeram shirk. Jesus é eternamente Deus.
- Atacar a Divindade de Jesus, tendo como base sua encarnação. Se a Bíblia revela que o Messias seria Deus em carne, quem somos nós para negar isto? Quem somos nós para limitar Deus naquilo que Ele quer e pode fazer? Certamente que para o Deus do impossível é possível voluntariamente se limitar em um corpo humano, se assim o desejar. A encarnação de Jesus não prova que Jesus não é Deus, e não nos dá base para rejeitarmos a Trindade. Esta simplesmente mostra que Deus, voluntariamente, se limitou em um corpo humano para morrer pelo homem que havia se perdido. Contudo, após sua exaltação, não possui limitações de um corpo humano. Somente assim Jesus poderia dizer que estaria onde dois ou três estivessem reunidos em seu nome.Ele está agora no pleno exercício da manifestação de seus atributos.
- Ignorar todos os sentidos da expressão Filho de Deus na Bíblia. Por causa disso crêem que Jesus não é o Filho de Deus, pois Deus não faz sexo. Não é isto que os cristãos ensinam. Sabemos que a expressão Filho de Deus tem um sentido natalício, messiânico, assim como retrata um relacionamento filial entre Jesus e o Pai. Todavia, um de seus sentidos evidencia que Jesus se autodeclarava Deus, quando aplica a expressão para si. Certamente que nunca foi ensinado pelo cristianismo que Deus fez sexo com Maria, querendo com isto justificar o uso da expressão Filho de Deus. De onde será que o islamismo tirou tal idéia? Por que ainda a propaga? Certamente que este não é o ensino cristão a respeito da expressão Filho de Deus.
- Confundir Trindade com o triteísmo do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Afirmam que a doutrina da Trindade divide a deidade em três Pessoas divinas, separadas e distintas — Deus o Pai, Deus o Filho e Deus o Espírito Santo. Isso seria triteísmo: três Pessoas distintas e separadas em três essências. Nós cristãos, porém, não cremos assim, antes, que Jesus ensinou a unidade das Pessoas em uma única essência divina, ou seja, em uma unidade trina. De tal maneira que as pessoas são inseparáveis, mesmo internamente, na única natureza divina existente.
- Imaginar que a Trindade pudesse ser composta do Pai, de Maria e do Espírito Santo. Nunca passou pela cabeça de nenhum erudito cristão esta possibilidade. A doutrina da Trindade é baseada nas Escrituras, e estas não ensinam a Trindade desta maneira. Vemos pelas Escrituras que Maria foi uma mulher escolhida por Deus, mas, como todas as criaturas, era apenas um ser humano.
O Alá do Alcorão não é o Deus da Bíblia!
À luz da revelação bíblica e alcorânica, afirmamos que:
Alá não é o mesmo Deus da Bíblia. O Deus da Bíblia é triúno, o do Alcorão não. Alá se define como uma unidade absoluta, mas o Deus da Bíblia como uma trina unidade composta. Alá não possui um filho, o Deus da Bíblia sim. Alá ataca, por meio do Alcorão, a doutrina cristã de Deus, Divindade e Filiação de Jesus, porém, estas foram reveladas, ao longo da história, por Deus nas Escrituras Sagradas, a Bíblia, por meio de suas muitas evidências.
Respeitamos as convicções islâmicas num contexto de liberdade religiosa, mas lamentamos que sua doutrina de Deus, tal como se apresenta no Alcorão, atacando a cristã, se baseia nos mal-entendidos e falsos pressupostos. Fica claro que os muçulmanos não assimilam, como convém, as doutrinas bíblicas. As atacam, mas não as compreendem. Não conseguem perceber que Deus se revelou ao homem como triúno. É lamentável que imaginem que Deus só pode ter um filho se fizer sexo. Deus não precisa de sexo para ter um filho! Deus é bem diferente do homem que criou.
Nosso desejo é que os muçulmanos possam estar abertos para que tenham um encontro vivo e real com o Jesus da Bíblia. Ele ressuscitou dos mortos. Só Ele pode perdoar pecados e salvar, pois para isto morreu pelo homem. Contudo, o homem, criado por Deus, precisa crer e clamar, pois sem fé é impossível agradar a Deus (Hb 11.6).
Oremos pelos muçulmanos!
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Referências Bibliográficas:
Berkhof, Louis. Teologia Sistemática. Brasil, Luz Para o Caminho, 1990.
Deedat, A. Christ in Islam, RSA, Islamic Propagation Centre International. 1983.
Gilchrist, J. The Christian Witness To The Muslim. RSA, Roodepoort Mission Press, 1988.
Gudel, J. P. Resposta Cristã à Afirmação Islâmica de Que Mohammad Foi Profetizado na Bíblia. Revista Defesa da Fé, São Paulo, Prol Editora Gráfica, Novembro de 2000.
Maududi, A. A. Para Compreender o Islamismo. Brasil, Centro de Divulgação do Islã Para América Latina, 1989.
McDowell, J. Evidence That Demands a Verdict. UK, Alpha, 1993.
Nehls, G. Eric W. Islam As It Sees Itself As Others See it As It Is. Life Challenge, Nairobi, 1994.
Pearlman, Myer. Conhecendo as Doutrinas da Bíblia. EUA, Editora Vida, 1977.
Silva, E. S. Testemunhas e Jeová. Brasil, Editora Candeia 1993.
Trindade. Novo Dicionário da Bíblia 3º volume. Brasil. Edições Vida Nova, 1981.
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Notas:
[1] Klintowitz, J. Islã a Derrota do Fanatismo. Revista Veja, São Paulo, Editora Abril, 1º de Março de 2000. p. 46.
[2] Ibid. p. 46.
[3] A Bíblia, o Alcorão e a ciência por Dr. Maurice Bucaille. O Islam e o Mundo por Abul Hassam Annaduy. Islam e Cristianismo por Ulfat Aziz Assamad. Islamismo Mandamentos Fundamentais por Mohamad Ahmad Abou Fares
[4] Nesse momento, vale a pena esclarecer o que significa adeptos do Livro, pois esta expressão aparece com certa freqüência no Alcorão. Esta se refere a judeus e cristãos, como explica Ahmed Deedat: “Adeptos do Livro é um título muito respeitável pelo qual judeus e cristãos são tratados no Santo Alcorão. Em outras palavras, Alá está dizendo – “Ó pessoas instruídas!” “Pessoas com uma Escritura”, (Deedat, A. Christ in Islam. RSA, Islamic Propagation Centre, 1983, p. 32).
[5] Hayek, S. El. O Significado dos Versículos do Alcorão Sagrado. Brasil, MarsaM Editora Jornalística, 1994, p. 21.
[6] Fares, M. A. Islamismo Mandamentos Fundamentais. Brasil, Editora Gráfica e Editora Monte Santo, p. 152.
[7] McDowell, J. Evidencies That Demands a Verdict. UK, Alpha, 1993, pg. 39.
[8] Deedat, A. What Is His Name. RSA, Islamic Propagation Centre International, 1997, p. 28.
[9] Maududi, A. A. Para Compreender o Islamismo. Brasil, Centro de Divulgação do Islã Para América Latina, 1989, p. 96.
[10] Gilchrist, J. The Christian Witness To The Muslim. RSA, Roodepoort Mission Press, 1988, p. 326-327.
[11] Hayek, S. El. O Significado dos Versículos do Alcorão Sagrado. Brasil, MarsaM Editora Jornalística, 1994, p.757.
[12] Ibid. p. 351.
[13] Deedat, A. Christ in Islam, RSA, Islamic Propagation Centre International, 1983, p. 28-29.
[14] Assamad, U. A. O Islam e o Cristianismo. Brasil, Editora Makka, 1991, p. 44-45.
[15] Deedat, A. Christ in Islam, RSA, Islamic Propagation Centre International, 1983, p. 24-25.
[16] Deedat, A. Christ in Islam, RSA, Islamic Propagation Centre International, 1983, p. 37.
[17] Ibid. p. 38.
[18] Assamad, U. A. O Islam e o Cristianismo. Brasil, Editora Makka, 1991, p 39.
[19] Hayek, S. El. O Significado dos Versículos do Alcorão Sagrado. Brasil, MarsaM Editora Jornalística, 1994, p.20.
[20] Gilchrist, J. The Christian Witness To The Muslim. RSA, Roodepoort Mission Press, 1988, p. 318.
[21] Ibid. p. 319.
[22] Ibid. p. 318.
[23] Ibid. p. 318.