No aeroporto, nas ruas e nos ônibus de Yerevan, capital da Armênia, um pôster faz alusão ao líder otomano Talaat Pasha e a Adolf Hitler. Abaixo de cada um deles, as datas – 1915 e 1939. E no final, a inscrição em inglês: “Condenando o primeiro, poderíamos ter evitado o segundo”.
A imagem é uma das muitas espalhadas pela cidade para lembrar o centenário do massacre de até 1,5 milhão de armênios nas mãos dos turcos-otomanos, cujo império estava desintegrando em meio à 1ª Guerra Mundial. Muitas das vítimas eram civis deportados a regiões desérticas, onde morreram de fome e sede. Outros milhares foram massacrados.
No centenário da tragédia, a Armênia tenta sensibilizar a comunidade internacional, sob a alegação de que o evento foi um genocídio perpetrado intencionalmente pelo governo otomano contra o povo armênio.
Sobreviventes
E, também em Yerevan, a BBC Brasil conversou com diversos brasileiros descendentes de armênios que voltaram ao país de seus antepassados para prestar homenagem às vítimas.
“Sempre foi uma enorme vontade da nossa família conhecer a Armênia. Meu tio veio em 2010 e agora eu vim com meu pai”, contou a carioca Andrea Yaghdjian, 25, psicóloga, cujos bisavós sobreviveram ao massacre de 1915.
O bisavô, Yeghia Aroyan, foi capturado pelos turcos e obrigado a servir o Exército como médico. A bisavó, Arousiag Aroyan, conseguiu fugir para o Egito, com três filhos. “Minha bisavó era uma mulher muito forte. Escapar de um genocídio num deserto no Oriente Médio com três crianças… só sendo muito forte.”
Eles ficaram quase dez anos sem ter notícias um do outro, conta Andrea. No Egito, houve o reencontro.
“Minha bisavó viu no jornal um anúncio de um médico, e era o meu bisavô. Ela deu um jeito e eles se reencontraram”. Nenhum dos dois tinha se casado outra vez. O resultado do reencontro foram outros quatro filhos, entre eles, a avó de Andrea – Lucy Aroyan Yaghdjian.
“Meu avô, que já nasceu no Egito, simpatizava com o Brasil e eles emigraram num navio italiano, em 1957”.
Fernando Semerdjian, 32, advogado de direito imobiliário, contou que a propriedade de sua família foi invadida por tropas otomanas em busca de dinheiro e mulheres.
Quando sua bisavó materna ficou sabendo da ofensiva turca, conseguiu passagens de navio para ela e os filhos. “Muitas pessoas morriam dentro dos navios por insalubridade”, diz Fernando. “Minha bisavó sobreviveu. Durante a fuga, quando a fome apertava, ela esquentava a água e colocava sal com pedaços de papel, pra ficar mais parecido com sopa”.
No Brasil por acaso
Fernando disse que sua família resolveu ir para a América do Sul porque ouviram falar que era uma região pacífica. “Eles desceram em Santos achando que era Argentina, mas acabaram ficando (risos)”.
Assim como na família de Fernando, para muitos imigrantes armênios que vieram ao Brasil a escolha do país foi aleatória, obra muitas vezes do acaso e do destino.
Hoje, estima-se em 40 mil o número de descendentes de armênios no país.
“Uma pessoa recomendou que meu avô, Hovsep, viesse ao Brasil. Ele disse que nunca tinha ouvido falar desse nome antes e explicaram que ele poderia desembarcar no Rio de Janeiro ou em Santos. Escolhendo no escuro, preferiu este último. Tiveram sete filhos e nunca mais voltaram para a Armênia. Meu avô trabalhava nas docas do porto de Santos”, relata Viviane Balekian, 37, profissional de marketing.
O avô Hovsep virou Seu José no Brasil. Ele morreu em 1990.
No jornal Folha de Londrina, cidade onde se estabeleceu porteriormente, um reportagem da década de 80 mostra Seu José adaptado à nova terra, mas pensando no seu país natal:
“O lugar onde a gente nasce pode ser o pior lugar do mundo, mas não importa; a gente sente saudade. Mesmo quando a gente vem para um país melhor, essa saudade não desaparece, nós nunca ficamos totalmente satisfeitos. Isso é próprio da natureza. Por isso, eu, às vezes, penso em voltar. A vida é assim: quando alguém sai da sua terra, se não morrer lá fora, um dia acaba voltando.”
Extraído do site http://www.bbc.co.uk/ em 25/04/2015