Paulo chega agora, em Romanos 5.12-21, ao que poderíamos imaginar ser um parêntese. Esta é a primeira vez em Romanos que Paulo se refere à entrada do pecado no mundo em decorrência da Queda de Adão. E o mais interessante em tudo isso me parece ser o ponto em que isto surge. Lembre-se de que Paulo já tinha explicado porque a humanidade precisa de salvação (1.18—3.20); contudo, ele o fez sem uma menção sequer a Adão e Eva. Será que até a ordem pela qual Paulo desenvolve a sua argumentação pode nos ser um exemplo de como apresentar o evangelho? Enquanto Paulo explica a necessidade humana de salvação, a ênfase está em como as pessoas se desviaram individualmente de Deus. Ele fala de pessoas de todas as nações que, apesar de terem conhecimento da verdade, deliberada e sucessivamente foram se afastando dela, servindo à criatura ao invés do Criador; pecando contra os seus próprios padrões morais. Agora, no capítulo 5, ele nos explicará onde está a raiz disso tudo. A razão básica pela qual todas as pessoas são pecadoras, Paulo nos mostra agora a Queda histórica da humanidade por meio de Adão. E, toda vez que alguém nega a historicidade de Adão, está jogando fora a autoridade de Paulo. Mas o intrigante em tudo isso é que Paulo toca na questão de Adão precisamente agora que ele está falando aos cristãos, e não aos não-cristãos.
Acredito que Paulo faz isso propositalmente e com todo o cuidado. Se, na nossa exposição do evangelho, já vamos logo discutindo assuntos como a Queda da humanidade ou a inspiração da Bíblia, corremos um sério risco de sermos facilmente derrotados e nunca mais conseguirmos sair disso. É claro que, se a pessoa com quem você está falando quiser saber qual a origem do pecado, você deve dar as explicações necessárias. Mas o interessante é que, no fluxo natural da sua exposição do evangelho, Paulo não parte daí. Não que ele esteja com vergonha, pois, quando finalmente chega lá, ele é muito enfático. Mesmo não tendo começado por aí. Ao contrário, ele começa a sua discussão sobre a necessidade de a humanidade ser salva, mostrando como cada um de nós, ao longo de todos esses séculos, afastou-se de Deus, pecando deliberadamente contra os seus próprios padrões morais.
Agora que Paulo deu início à sua explicação de como o pecado penetrou no mundo, ele passa a insistir fortemente no fato de que Adão tenha sido uma pessoa histórica real.
Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens porque todos pecaram. Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei. Entretanto reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir. (5.12-14)
A declaração assim tão direta de Paulo de que “por um só homem entrou o pecado no mundo” prova, com todas as letras, que ele acreditava que o caso de Adão e Eva, relatado em Gênesis 1—3, havia acontecido de verdade. O mesmo pode ser observado em outro trecho. Em 16.20, Paulo diz: “E o Deus da paz em breve esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de nosso Senhor Jesus seja convosco”, indubitavelmente uma referência ao que já vimos na primeira promessa de um Salvador., em Gênesis 3.15. Da mesma forma que fala em 1 Coríntios da ressurreição futura daqueles que creem, Paulo assume igualmente a historicidade de Adão: “Porque assim como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo” (ICo 15.22). Poderíamos consultar ainda 1 Timóteo 2.13-14, onde Paulo volta a se referir a Adão e Eva como sendo pessoas históricas reais.
Jesus também cria na historicidade dos primeiros capítulos de Gênesis. Isso pode ser muito bem observado em Mateus 19.4-5, onde ele cita Gênesis 2.24, assumindo falar de um fato histórico, para explicar o seu posicionamento em relação ao divórcio. Hoje em dia observamos a forte tendência de as pessoas encararem os três primeiros capítulos de Gênesis como um mito qualquer, ou como algum tipo de parábola, idéia ou alegoria. Mas, considerando que tanto Paulo quanto Cristo se referiam àqueles capítulos como fatos históricos reais, se os rejeitarmos estaremos rejeitando a autoridade, não apenas de Paulo, mas do próprio Cristo. Considerando, por outro lado, que tanto Cristo quanto Paulo criam de fato na historicidade de Adão e Eva, podemos ter certeza e não precisamos assumir nenhuma postura apologética ao apresentarmos Gênesis 3 como suficiente para explicar a entrada do pecado neste mundo.
Paulo diz que a morte reinou “desde Adão até Moisés”; isto é, a morte reinava mesmo antes da chegada da lei. Como nós vimos em 2.1, todos aqueles que viveram dos tempos de Adão até a promulgação da lei não serão julgados pela Lei de Moisés, mas, com base no que eles sabiam, para além da lei, acerca do certo e o errado. Eles não serão julgados de acordo com algo a que não tinham acesso (a lei), mas sim com base no conhecimento que tinham (a sua própria consciência e os padrões morais). Assim, todos acabam sendo condenáveis, pois, mesmo antes da Lei de Moisés, todos já eram culpados.
Houve uma Queda histórica, que resultou na morte de todas as pessoas, mesmo aquelas que viveram antes da lei ter sido dada. Por outro lado, houve mais tarde a vinda não menos histórica do Redentor.
Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque se pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foi abundante sobre muitos. (5.15)
É preciso que consideremos dois atos históricos: o ato histórico de Adão, pelo qual toda a humanidade se tornou pecadora; e, paralelo a isso, o ato histórico de Jesus, que veio para resgatar tudo o que se havia perdido. Há um paralelo interessante no Antigo Testamento para isso na tradição judaica – o levantar a descendência de um irmão falecido: “Se irmãos morarem juntos, e um deles morrer, sem filhos, então a mulher do que morreu não se casará com outro estranho, fora da família; seu cunhado a tomará e a receberá por mulher, e exercerá para com ela a obrigação de cunhado. O primogênito que ela lhe der será sucessor do nome do seu irmão falecido, para que o nome deste não se apague em Israel” (Dt 25.5-6).
Numa linguagem mais simples, se um homem morresse sem deixar herdeiro, seu irmão era encarregado de casar-se com a viúva, dando continuidade ao nome do irmão falecido, através do filho que daí nascesse. O livro de Rute gira precisamente em torno de um caso como este. Quando Rute se lança aos pés de Boaz (capítulo 3), ela não está sugerindo ao seu cunhado que cometesse alguma imoralidade. Ao contrário, uma vez que o seu marido havia falecido, ela estava solicitando que seu cunhado, Boaz, fizesse precisamente o que a passagem em Deuteronômio diz que devia ser feito. Ela estava pedindo que Boaz se casasse com ela, para que ela pudesse dar à luz um filho e pudesse levantar um herdeiro para o seu marido morto.
Com isso em mente, vejamos agora o que diz Isaías 53, este capítulo de importância tremenda, em referência à obra de Cristo. Em 53.10 lemos: “Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando der ele a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos”. Note a frase “verá a sua posteridade”. Embora nunca tivesse sido casado, Jesus verá a sua posteridade; ele terá filhos. É claro que isto se refere a todos aqueles que aceitaram pela graça de Deus ou irão a aceitar Cristo como seu Salvador um dia. Nós, que já o fizemos, já somos filhos de Cristo.
Em Romanos 5, Paulo nos explica que a raça humana caiu devido ao pecado de Adão, mas que um segundo homem surgiu para resgatar esta humanidade caída. Precisamente da mesma forma como no Antigo Testamento um irmão resgatava a prole do seu irmão que havia morrido sem ter tido filhos, da mesma forma Cristo também surgiu, depois de morta a humanidade devido ao pecado de Adão, para restaurar uma humanidade real e viva. De acordo com a lei do Antigo Testamento, o homem que restaurava a posteridade do seu irmão morto era chamado de cunhado redentor. O cunhado redentor verdadeiro é Cristo. Ele restaurou a posteridade de Deus.
Algumas pessoas dos nossos tempos afirmam que “Deus está morto”, mas independentemente de essas pessoas dizerem uma coisa dessas literalmente, ou simplesmente optarem por viver como se Deus não existisse, o fato é que estão mortas, uma vez que a sua incredulidade acabou com o sentido da sua própria existência. Eles já não conseguem mais se reconhecer como seres humanos de verdade. Mas, graças ao fato de Cristo ter vindo e morrido, todos os que acreditam nele estão em condições de formar uma humanidade viva e verdadeira.
Poderíamos citar muitas outras referências que nos ajudariam a entender melhor para onde nos está levando este quinto capítulo no que diz respeito a Adão e Cristo. Veja Isaías 9.6: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”. Está para nascer uma criança que será chamada de “Pai da Eternidade”. Será que isso indica alguma confusão entre Deus Pai e Deus Filho? Acredito que não. Penso que isso está muito mais relacionado ao que vimos em Isaías 53.10: Jesus, pela sua morte na cruz, trouxe à existência uma descendência que é a humanidade verdadeira, e, neste sentido, ele está, de fato, sendo Pai da Eternidade. Poderíamos referir-nos a Jesus de várias formas. O livro de Hebreus ressalta que ele é nosso irmão. Mas se ele gerou esta descendência, esta humanidade verdadeira, e se aceitamos Cristo e ele é nosso Salvador, neste sentido, nós também somos os seus filhos e ele é o Pai da Eternidade. Até em Hebreus vemos Cristo retratado como o nosso Pai, quando ele diz: “E outra vez: Eu porei nele a minha confiança. E ainda: Eis aqui estou eu, e os filhos que Deus me deu” (Hb 2.13). Pouco antes disto, nos versículos 11 e 12, somos chamados irmãos de Cristo. Cristo é nosso irmão, no sentido de que ele se tornou um membro da raça humana. Mas, ao mesmo tempo em que somos seus irmãos e irmãs, somos igualmente seus filhos.
Isto tem uma implicação profunda para a nossa perspectiva da humanidade. Pelo fato de ter caído, a humanidade ficou muito aquém do que Deus a havia criado para ser. Mas, uma vez que Jesus se tornou o secundo Adão, existe agora uma humanidade levantada que é a verdadeira humanidade – uma humanidade que está atendendo ao propósito original da sua existência, que é amar a Deus. Deus disse a Adão que, se ele comesse do fruto proibido, ele morreria. Quando Adão comeu aquela fruta, a sua morte física não ocorreu imediatamente, mas ele morreu para todo o sentido e propósito original da sua existência. Rejeitando o propósito original da sua existência, ele decretou a sua morte – e de toda a humanidade junto com ele (5.12; ICo 15.22). O que vemos como humanidade hoje é menos do que humana. Van Gogh compreendeu isso. Olhamos toda a raça humana, com todos os seus desejos, todas as suas possibilidades, todas as suas potencialidades, toda a sua criatividade, todo o seu empenho em favor da moralidade, todos os seus esforços para alcançar sentido, e constatamos que a humanidade não redimida está morta. Isso deveria despertar uma imensa comiseração em nós. A história da humanidade caída é, de fato, uma grande tragédia.
Felizmente, é claro, este não é o final da história. Cristo veio e, por meio da sua morte substitutiva na cruz, ele tornou possível que uma descendência fosse levantada, a qual será a verdadeira humanidade. Como cristãos, a nossa vida toda deveria ser pautada pelo pranto pela humanidade caída. Mas, ao mesmo tempo, também pela proclamação jubilosa da humanidade verdadeira, que foi viabilizada por meio de Cristo.
A humanidade está morta, mas Cristo, o secundo Adão, veio, e este segundo Adão consumou a obra. Por isso já não estamos mais mortos. Estamos vivos. Você é a verdadeira humanidade. Você não é um cadáver. Quando você começa a perceber isso, começa a compreender a profundidade do chamado para a vida cristã, presente no contexto mais amplo de todo este debate de Paulo, em torno da figura de Adão.
Você se lembra de que frisamos a profunda harmonia entre os capítulos 4 e 5. Abraão entendeu que o seu corpo, da mesma forma que o de Sara, estava morto no que dizia respeito à reprodução. Mas ambos creram na promessa de Deus, e dessa morte surgiu uma fé verdadeira. Antes disso, tudo o que havia era morte, mas agora que ele passou a crer em Deus, foi gerada vida verdadeira, o filho da promessa. Por isso, quando chegamos ao capítulo 5 de Romanos, Paulo nos diz – “Você está vivo. A humanidade morreu. Ela pecou. Ela pôs a perder o propósito da sua existência. Mas se você aceitou Cristo como seu Salvador, apesar de ter estado morto, está vivo agora. E por estar vivo, pode começar a viver de acordo com a estrutura de vida para o qual a humanidade foi criada desde o começo”. O mundo está morto porque é fruto da semente de Adão, mas nós estamos vivos porque somos fruto da semente de Cristo. E como deveríamos viver à luz dessas coisas? A discussão de Paulo acerca de Adão não é, portanto, jogada aqui por acaso; pelo contrário, ela se encaixa muito bem com toda a ênfase na santificação presente em 5.1—8.17.
Tenha em mente ainda o tema da vida versus morte. Estávamos mortos, mas agora estamos vivos. Estávamos mortos, porque somos filhos de Adão, mas a partir do momento que aceitamos Cristo como Senhor, tornamo-nos filhos de Cristo. Isso se encaixa com toda a ênfase dada no Novo Testamento ao ser nascido de novo. Somos filhos naturais de Adão, e por isso mesmo, estamos mortos. Mas, se por meio da pregação da palavra de Deus aceitamos Cristo como nosso Salvador, então estaremos nascendo de novo e redespertando para a vida, porque passamos a ser filhos de Cristo.
Considerando mais uma vez o ponto em que isso é discutido em Romanos – na parte que fala da santificação – podemos reconhecer que somos nascidos de novo, estamos vivos e, por isso, podemos dar os frutos da vida cristã santificada.
Estávamos mortos, mas agora estamos vivos. Agora é preciso que vivamos de acordo com isso. Devemos ser a descendência de Cristo na prática. Como? Pelas nossas próprias forças? Nada disso. Fomos chamados para ser a sua descendência, com base na sua obra consumada. Há duas linhagens de homens. A humanidade que foi naturalmente gerada por Adão, e que está morta. E nós igualmente “éramos por natureza filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3), mas agora aceitamos Cristo como nosso Salvador. Nós somos sua descendência, e, se nos apossarmos desta maravilhosa realidade por meio da fé, com base na obra consumada de Cristo, devemos viver uma vida cristã agora.
Pelo fato de Jesus ter vindo e morrido, ele criou algo novo. Ele tem filhos. Nós, que cremos nele, somos os seus filhos. Nós somos a raça humana viva e todos os outros estão mortos. Longe de nos dar razões para ficarmos orgulhosos ou para alimentarmos qualquer tipo de sentimento de exclusividade, isso deveria despertar em nós uma enorme comiseração, pois continuamos a compartilhar esta natureza humana básica de todos aqueles que ainda estão perdidos. Os anjos, certamente, olham para o mundo perdido com compaixão, mas nós devíamos ter ainda mais compaixão. Pois, ao contrário dos anjos, eu compartilho da natureza humana daqueles que ainda estão perdidos. Nós não apenas temos a mesma natureza que eles, mas nós também estivemos, no passado, na mesma condição desesperadora em que eles continuam. Nós já fomos filhos da ira; eles continuam sendo filhos da ira. Nós já estivemos mortos; eles ainda o estão. Certamente, então, devemos ter compaixão.
É claro que esta ideia de duas humanidades é completamente contrária à mentalidade do século 20, com toda a sua ênfase na unidade da raça humana. Em termos teológicos isto foi expresso pelo conceito liberal de “paternidade de Deus e irmandade dos homens”. O ponto de vista bíblico diz que há duas raças humanas, aquela que se encontra na mesma situação que Adão e está condenada, e a raça humana que se apresenta como descendência de Cristo, e que foi comprada com o seu sangue.
Novamente, por favor note que Paulo não joga esta discussão sobre a origem do pecado aqui de forma gratuita. Ele está querendo nos lembrar de quem nós somos. Existe aí uma humanidade perdida, e temos a descendência de Cristo, que representa a humanidade remida. Isto deveria despertar em nós uma enorme compaixão por aqueles que continuam perdidos, mas também devia nos fazer reconhecer a enorme importância do como vivemos como cristãos. É preciso nos dar conta de que uma das piores coisas do mundo é sujar o nome de Cristo, o qual por nós morreu. Toda criança terrível lança os seus pais no descrédito. Mas se você e eu não estivermos vivendo como devíamos, enquanto cristãos, estaremos lançando no descrédito aquele que morreu por nós e de quem somos filhos.
Paulo nos explica a razão porque a humanidade está morta (5.12-14), mas ele também começa agora a destacar a realidade maravilhosa que é estar vivo por meio de Cristo.
Todavia, não é assim o dom gratuito como a ofensa; porque se pela ofensa de um só, morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo, foi abundante sobre muitos. O dom, entretanto, não é como no caso em que somente um pecou; porque o julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação; mas a graça transcorre de muitas ofensas, para a justificação. Se pela ofensa de um, e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça, reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. (5.15-17).
Paulo não deseja ficar muito tempo só no lado negativo, explicando porque a humanidade está morta. Na verdade, a sua ênfase está no lado positivo: “tudo bem, você estava morto, mas agora está vivo”. Começando por 6.1, ele prossegue dizendo “e agora que você está vivo em Cristo, viva! Não continue vivendo como se ainda estivesse morto”. Cristo morreu por nós, quando ainda éramos pecadores (5.8), mas agora ele está vivo. Adão pecou e por isso toda a humanidade está morta (5.12-14), mas Jesus, o segundo Adão, veio. Jesus morreu, e agora Jesus está vivo. Existe a possibilidade de vida verdadeira em meio aos altos e baixos da vida, em meio à tribulação.
Nós “seremos salvos pela sua vida” (versículo 10); então devemos reinar “em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo” (versículo 17). Poderíamos até achar que este “reinarão” é coisa do futuro. Mas certamente o fato de Paulo dizer isto exatamente aqui significa que, de certa forma, podemos “reinar” com Cristo, ainda nesta vida presente. Somos agora filhos de Deus, e devemos reinar como tais. Saímos fora da descendência de Adão, esta humanidade que se rebelou e está morta. Pela graça de Deus, nós nos tornamos aquela humanidade que foi redimida. Fazemos parte da descendência de Jesus Cristo. Muito bem (diz Paulo, a partir do versículo 6.1), então vivamos de acordo com isso! A explicação de Paulo para a origem do pecado não representa um mero exercício académico. Trata-se de uma convocação para a vidai Trata-se de um chamado para vivermos como filhos de Deus – já que somos os descendentes de Jesus Cristo. O mundo perdido está seguindo Adão em fila indiana, mas nós somos chamados a seguir os passos de Jesus Cristo. A ênfase de Paulo não está primariamente na morte da humanidade, e sim, no fato de que, agora, enquanto descendência de Cristo, o segundo Adão, somos chamados à vida.
Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida. (5.18)
Uma leitura mais atenta do grego diria “Por isso, da mesma forma como por aquela única ofensa…” e “única e exclusivamente pela justiça”, sendo que o foco passa assim para o pecado original de Adão, e mais especificamente para o ato justo da redenção de Cristo.
Alguns interpretam este verso como se dissesse que, da mesma forma como todos os humanos foram para juízo pelo pecado de Adão, todos serão salvos pelo ato de justiça de Cristo, independente da sua fé pessoal ou da falta dela. Mas tal universalismo simplesmente não pode ser conciliado com a ênfase dada por Paulo, por toda a carta aos Romanos, na importância da resposta de fé do homem. Ao contrário, quando Paulo fala de “todos os homens”, ele quer dizer que não há outra maneira de ser salvo. Houve uma só Queda na história, da mesma forma como houve um só ato histórico de redenção.
Porque, como pela desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim também por meio da obediência de um só muitos se tornarão justos. (5.19)
“Tornar-se” justo pode ser mais bem entendido como “ser declarado” justo, como observamos por todo este estudo. A salvação representa um ato declaratório de Deus. Nós pecamos e fomos declarados culpados. Quando aceitamos Jesus como nosso Salvador, somos justificados e declarados livres de toda a culpa. “Porque, como pela desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores, assim também por meio da obediência de um só muitos se tornarão justos”.
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa. (5.20a)
Isso poderia ser mais bem traduzido como “a lei entrou, além disto, para que se avultasse a ofensa”. As pessoas que viveram entre Adão e a Lei de Moisés não tiveram acesso à Lei de Moisés, mas eram pecadoras do mesmo jeito, porque tinham a lei dos seus próprios padrões morais e violaram este padrão (2.1; 5.14). Daí, além deste padrão moral que toda a humanidade teve desde o começo, acrescentou-se a lei dada por Deus, por meio de Moisés, permitindo assim “que avultasse a ofensa”. Em outras palavras, a lei tornou mais do que explícito o fato de que todas as pessoas são pecadoras. A lei não as tornou pecadoras, mas ela simplesmente tornou mais explícito o fato de que elas são pecadoras. Como vimos anteriormente, este foi um ato de graça da parte de Deus; ele nos deu a lei como espécie de aio, para nos apontar a nossa necessidade de salvação (G13.24).
Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça; a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo nosso Senhor. (5.20b-21)
Ao concluir esta explicação da entrada do pecado no mundo por meio de Adão, Paulo não está dando ênfase à morte, mas à vida. Na verdade, trata-se de uma ênfase que está presente desde o versículo 10 “seremos salvos pela sua vida”, passando pelo versículo 17 “reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo” até o versículo 21: a graça de Deus deve reinar “pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor”. Ao invés de simplesmente explicar que toda a humanidade morreu em Adão, Paulo frisa o outro lado. Todos os seres humanos já estiveram ou ainda estão mortos em Adão; mas todos aqueles que aceitaram Cristo como seu Salvador não estão mais mortos, mas vivos. E, se estamos vivos, se representamos a humanidade redimida por este preço, como é importante que reflitamos isso agora nas nossas vidas cotidianas.
Francis Shaeffer 1912-1984
Extraído do site josemarbessa.com em 30/11/2013