Missões no ministério do Espírito

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Missões no ministério do Espírito por meio da igreja

No capítulo anterior discutimos o ministério de Jesus como modelo para missões. Fizemos isto através do Evangelho de Lucas. Neste estudo queremos continuar nosso exame de Lucas, mas utilizando seu segundo livro — Atos dos Apóstolos. Enquanto o primeiro focaliza o ministério de Jesus em nossa história, o segundo centraliza-se no ministério do Jesus ressurreto, atuando por meio do Espírito Santo na igreja. No final do primeiro volume, Jesus exortou seus discípulos a que esperassem pelo poder do alto, o poder do Espírito Santo. No início do segundo, eles o recebem, e a expansão missionária da igreja começa.

Não podemos subestimar a necessidade do poder do Espírito Santo na realização da grande comissão. Harry Boer, em seu livro Pentecost and Missions (“Pentecoste e Missões”), argumenta bíblica e irrefutavelmente que a vinda do Espírito Santo — a experiência do Pentecoste — dá vida e sentido à grande comissão, tanto que esta, sem o Pentecoste, não teria poder algum nem poderia ser cumprida. Sim, a vinda do Espírito possibilita a realização do mandamento. É uma experiência animadora ver homens e mulheres respon­derem a esse mandamento com oração e, revestidos do poder do alto, pregarem o evangelho porque tiveram um encontro inesquecível com o Senhor. Mesmo não en­tendendo perfeitamente a grande comissão, pregam com convicção e resultados, pois, quando o Espírito se apo­dera deles, há um impulso irresistível de testemunhar.

Acredito que exista força satânica por trás do medo do poder do Espírito Santo em muitas igrejas tradicionais hoje. É claro que, algumas vezes, o medo baseia-se nos abusos que vemos ao nosso redor. Entretanto, mais frequentemente, é medo daquilo que o Espírito fará e exigirá de nós. A este respeito, Richard Lovelace observa em seu livro Dynamics of Spiritual Life (“A Dinâmica da Vida Espiritual”).

“Há uma estranha incapacidade entre os cristãos modernos de levar a sério essa informação (sobre a realidade de Satanás) e até uma insegurança nos evangélicos (conservadores) em dar muita atenção a isto. Sugiro que esta relutância exista não porque o assunto seja trivial, mórbido ou perigoso, mas porque estas forças têm acesso às nossas mentes e são aptas para nos cegar em relação à sua presença e esconder o evangelho do mundo. O inferno é uma conspiração, e o primeiro pré-requisito de uma conspiração é que ela permaneça clandestina”.

Por que Satanás criaria em nós esse medo da atuação do Espírito de Deus e a dúvida da presença e do poder do próprio inimigo? Porque assim ele pode cortar o nervo principal do cumprimento de missões (quando se recua do poder do Espírito) e, ao mesmo tempo, esconder seu próprio papel conspirador.

 

O ESPÍRITO SANTO COMO AUTOR E REALIZADOR DE MISSÕES

A igreja, então, necessita do poder de Deus para cumprir sua missão, pois “nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12). Portanto, o pré-requisito para o cumprimento da tarefa missionária é o poder do Espírito Santo (At 1.8). Precisamos de um poder sobrenatural para lutar contra um inimigo sobrenatural. Com a vinda do Espírito, a igreja compreendeu as palavras de Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai” (Jo 14.12). No discurso que contém esse versículo, o Espírito Santo é central (Jo 14.16), e os discípulos devem esperá-lo, tendo já recebido a grande comissão. O Espírito, portanto, é o autor de missões, pois a obra parte de sua capacitação.

Ele não é apenas o autor, mas também o realizador de missões. Com sua vinda sobre os primeiros discípulos houve o sinal sobrenatural de “línguas”, que indicava claramente que o evangelho deveria ser pregado a todas as raças e nações. Podemos dizer que o Espírito garante o sucesso missionário no mundo.

 

O ESPÍRITO COMO PROMOTOR DE MISSÕES

O Espírito Santo está por trás de todos os acon­tecimentos em Atos. Ele é quem atuava quando:

Assim, o Espírito Santo acompanhava todos os passos decisivos na expansão missionária da igreja.

 

O ESPÍRITO COMO PODER PARA MISSÕES

Há uma diferença entre alguém ser cheio do Espírito Santo e o Espírito ser derramado sobre as pessoas. O primeiro caso refere-se mais à qualidade, ao caráter espiritual de alguém e ao poder para servir. O segundo refere-se mais à introdução decisiva de uma nova era ou do início de um novo movimento ou expansão.

O Espírito Santo foi derramado apenas quatro vezes em Atos. Cada uma das conquistas na expansão missionária foi acompanhada por sinais milagrosos. A primeira vez foi a vinda do Espírito no Pentecoste (2.1-13); a segunda, quando o evangelho alcançou a Samaria, a primeira cidade não judia (8.14-17); a terceira, quando Pedro pregou à primeira família gentia, a de Cornélio, em Cesaréia (10.44-45) e, finalmente, a quarta, quando Paulo conseguiu demonstrar a diferença entre o evangelho de Jesus e a pregação de João Batista (l9. l-6). Todas as vezes o próprio Espírito Santo marcou, milagrosamente, a introdução de uma nova fase na tarefa missionária a nós confiada.

O resultado destes despertamentos, onde o Espírito é derramado sobre as pessoas, é fruto permanente. Os 3.000 convertidos da pregação de Pedro perseveravam (2.42, veja 11.24)! A história confirma a permanência do fruto destas atuações excepcionais do Espírito. Por exemplo, durante os primeiros 96 anos de evangelização na Polinésia ocidental (a partir de 1811), houve mais de um milhão de conversões. Hoje, esta região possui uma percentagem de cristãos praticantes maior do que qualquer outra área comparável no mundo! Nos pri­meiros 80 anos de trabalho missionário na Birmânia, uma pessoa a cada três horas, em média, era batizada, e 10% delas tornaram-se obreiras ativas do Senhor. Quando o primeiro missionário cristão chegou às ilhas Fiji, assistiu ao enterro de 80 vítimas de uma festa canibal. Ele viveu, porém, para ver multidões de convertidos tomando a ceia do Senhor. Depois de 50 anos, em 1885, havia 1.300 igrejas. Os casos nem sempre são assim. Não seria justo, por exemplo, comparar o resultado nos países muçulmanos. Apenas enfatizamos que, quando o Espírito é derramado sobre as pessoas, há fruto permanente.

 

O ESPÍRITO SANTO COMO ESTRATEGISTA DE MISSÕES

Em Atos l.8 encontramos uma estratégia geral que, de fato, corresponde ao desdobramento da expansão missionária da igreja. Isto é, começa em Jerusalém, o lar dos primeiros discípulos; penetra a Judéia, lugar árido e difícil para a evangelização, embora geografïcamente próximo a Jerusalém; encontra o primeiro desafio cultural em Samaria, em preparação final para os confins da terra. Desta maneira, aprendemos que a expansão missionária e geográfica é cada vez mais abrangente, tendo uma penetração cada vez maior.

Em Atos, encontramos também uma estratégia ur­bana. As cidades chaves devem ser alcançadas. A ideia de missões urbanas, então, não é uma novidade. Felipe foi dirigido à Samaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades chaves do Oriente Próximo e Europa. Diante da marcante urbanização mundial (população urbana em 1900 = 14%; 40% em 1980 e 50% no ano 2000) e brasileira (31% em 1940; 68% em 1980, e a ONU prevê que até o ano 2025 entre 80% e 90% da população latino-americana será urbana!), a tarefa missionária não pode ser ingênua. Na década de 80, aproximadamente um bilhão de pessoas migraram para os centros metro­politanos do Terceiro Mundo. Cidades como Bogotá, São Paulo e a Cidade do México têm um aumento diário de 4.000 a 6.000 habitantes. No Brasil, a migração para os centros urbanos, especialmente os do litoral, é bem destacada desde o período colonial. Viana Moog, em seu livro Bandeirantes e Pioneiros, documenta como sempre houve uma tendência de retorno às grandes cidades do litoral por maior que fosse a penetração rural e para o oeste. Tudo isto tem grande importância para missões.

Outra estratégia envolve pessoas e classes chaves. Quando Paulo foi a Chipre, tratou com o procônsul do país. Em Atenas (outro centro metropolitano), tratou com os filósofos, e alguns se converteram, entre os quais um certo Dionísio (At 17.18, 34). Em Éfeso, trabalhou entre os estudiosos, na escola de Tirano, durante dois anos. Resultado? Todos os habitantes da Ásia ouviram a pa­lavra do Senhor, tanto judeus como gregos (At 19.10). Que relatório! Outro exemplo é o de Felipe, que, ao falar com o eunuco da Etiópia, dirigia-se a um líder do país, sendo este o primeiro passo do evangelho naquela nação.

Em Atos, notamos uma preocupação constante de fundar igrejas em áreas ainda não atingidas. Paulo até fez disso uma regra pessoal (Rm 15.20). Entretanto, atualmente, a metade da população mundial está na Ásia, onde, embora apenas 5% professem a fé cristã, somente 5% da força missionária mundial ministra. Vendo a situação por outro angulo, teremos 99% da força missionária mundial ministrando entre os 42% da população mundial, onde já existem igrejas cristãs que podem alcançar os não cristãos. O outro 1% da força missionária trabalha entre os 58% da população mundial, onde os não cristãos só podem ser alcançados por meio do ministério transcultural. Quanto precisamos hoje da conscientização paulina de ministrar onde Cristo ainda não foi pregado!

O Espírito Santo dirige as igrejas recém-fundadas para que sejam igrejas autóctones (At 20.28). O primeiro passo, e o mais crucial, para se alcançar uma boa medida de autoctonia é o treinamento de liderança capacitada tanto para a ofensiva quanto para a defesa da igreja frente aos desafios e ameaças do mundo (At 20.29-31). Muito se fala hoje de três objetivos práticos e concretos para se alcançar o alvo de autoctonia: auto-governo, auto-sustento e auto-propagação; isto é, nenhuma igreja local (muito menos a denominação) pode ficar satisfeita, enquanto depender de outra igreja para financiar seus obreiros e fazer sua evangelização. Por outro lado, isto não quer dizer que as igrejas não devam ajudar umas às outras, testemunhando juntas na comunidade. Ajudar e cooperar são coisas não só positivas como também evangelisticamente essenciais (Jo 17.20-21). Contudo, a dependência que ultrapassa esses três objetivos faz definhar a Igreja e prejudica a eficiência e integridade de seu testemunho na sociedade. Os três objetivos são importantes, mas podemos dizer que os dois primeiros, em geral, concorrem para o máximo empenho do terceiro, o alcance evangelístico e missionário de cada comu­nidade cristã. Temos destacado em todos esses estudos que esta é a essência da igreja. A igreja que não é missionária não é igreja em nenhum sentido bíblico; aliás, logo se torna, ela mesma, um campo missionário. Ao contrário, um bom exemplo seria a igreja de Tessalônica, à qual Paulo escreve:

“Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor, não só na Macedônia e Acaia, mas por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de acrescentar coisa alguma…” (l Ts 1.8).

Portanto, as igrejas fundadas em cada lugar devem ter como alvo a independência, procurando o desenvol­vimento de sua própria liderança, de seu sustento e de seu programa de evangelização e obra missionária.

Uma qualificação, entretanto, é necessária quanto a autoctonia. Os três objetivos mencionados acima não garantem a conquista da autoctonia, embora sejam bons passos nessa direção. Conheço igrejas que se sustentam, se dirigem e evangelizam, mas que, mesmo assim, permanecem dependentes de suas igrejas-mães num sentido mais profundo. Seus conceitos e aplicações do evangelho dentro de seu ambiente são diretamente determinados pelas conceituações de sua igreja-mãe, mesmo quando esta, em grande medida, desconhece o contexto cultural e social da igreja fundada e é alheia a este. Não estou sugerindo que cada nova igreja tenha que começar da estaca zero para a elaboração de todas as suas doutrinas e ideias. Longe disso! Acredito que o Espírito Santo não morreu depois do Novo Testamento e que através da história lidera a igreja de Cristo na expressão de sua fé. Contudo, a aplicação do evangelho em situações culturais, sociais e históricas pode variar. Os problemas brasileiros não são sempre iguais aos norte-americanos ou europeus, tampouco os nigerianos ou indianos. As igrejas-mães podem — e devem — aju­dar-nos a entender aquilo que Deus falou em sua re­velação. Contudo, cabe muito mais às igrejas fundadas sua interpretação e aplicação em seus próprios con­textos. Quando as igrejas fundadas conseguem assumir seu sacerdócio dos santos e ouvir a voz de Deus, me­diante as Escrituras, para sua própria situação, estão ainda mais no caminho da autoctonia (e, por exemplo, podem ajudar as igrejas-mães a contextualizarem me­lhor o evangelho em suas próprias culturas também!).

Já mencionamos o papel da união dos cristãos no sucesso da obra missionária. Resta apenas ressaltá-la como uma estratégia essencial do Espírito Santo para o desempenho missionário eficaz. Creio que esta união seja um assunto um pouco negligenciado, se não desprezado em nosso meio, já que podemos reconhecer seu significado bíblico para missões sem praticá-la.

Reparemos que a união dos fiéis (At 4.24, 32; 2.44, 46) leva a intrepidez diante dos homens (At 4.29-31; 2.37-41) e temor diante de Deus (At 4.31; 2.43). Por conseguinte, Deus operava milagres por meio do Espírito Santo (At 4.22, 30; 2.43), a igreja evangelizava com resultado (4.29, 31, 33; 2.40, 41, 47) e atendia às ne­cessidades físicas das pessoas (At 4.32, 34, 35; 2.45). Que receita para a igreja missionária: união, intrepidez, temor, milagres, evangelização e ação social! E eu pergunto: quais destes itens não constituem um ponto fraco em nossas igrejas? Imagine a combinação de todos! Por onde começamos? Sugiro a união.

A união da igreja não é apenas algo bonito e romântico que ocorre automática e facilmente. É preciso esforçar-se para alcançá-la e preservá-la (Ef 4.3). Exige sacrifício e até certo sofrimento, mas como resultado a união fornece alimento para o combate pela fé evangélica (Fp 1.27-30). Implica não só numa união teórica (“nós somos irmãos, embora não concordemos…”), mas numa unanimidade de pensamento, amor e humildade (Fp 2.1-4). Só a alcançamos à medida que seguimos o exemplo de Jesus Cristo (Fp 2.5-11). Sem dúvida, a união do povo de Deus é uma das estratégias mais críticas na obra missionária que o Senhor nos deu e que o Espírito Santo viabilizou.

Poderíamos abordar outros aspectos estratégicos da atuação do Espírito Santo na expansão missionária da igreja. Talvez aqueles já mencionados incentivem o caro leitor a pesquisar outros, procurando a direção do Espírito nessa pesquisa. De nossa parte, queremos apenas acentuar que o desafio missionário exigia e exige nada menos que o poder do Espírito Santo. Nada do triunfalismo de planos e esquemas que dependam da perícia e técnica humanas que ultrapassam a direção do Espírito, mas somente a humildade e o temor com discernimento e ação, tomados como fruto da vida dependente do Espírito. Tenhamos cuidado com nossas ideias “brilhantes” e “seguras”, pois, quando o esforço missionário permanece sob o controle do Espírito de Deus, ele é o autor, realizador, promotor, a fonte de poder e o estrategista de missões.

Urge um novo chamado a um despertamento para dependência total do Espírito Santo, sem medo da ma­neira como seremos entendidos e vistos. Urge a busca diligente da plenitude do Espírito de Deus em nossa vida pessoal, igrejas, agências e juntas missionárias. Então haverá um verdadeiro despertamento missionário!

Extraído do livro MISSÕES NA BÍBLIA, Ed. Vida Nova

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