Lições da Trindade

A dou­trina bíblica da Trin­dade é um dos en­sinamentos mais im­portantes das Sagra­das Escrituras por pelo menos quatro fortes ra­zões: é um dos concei­tos sobre o qual está estabelecida a própria sal­vação do homem por Deus; ressalta a nossa total depen­dência divina; destaca a trans­cendência divina; e é um dos fundamentos do ensino bíblico de que Deus é amor, que, por sua vez, é um dos pilares da doutrina bíblica da Revelação.

TRINDADE E SALVAÇÃO

Em primeiro lugar, sem a doutrina da Trindade, a doutrina da salvação per­de o sentido. Se o Deus uno não é tripessoal, como conceber que o sacrifício de Cristo, que é Deus, foi uma oferta pela expiação dos nossos pecados? Sabemos que uma oferta sacrificial é feita por uma pessoa para ou­tra em favor de uma ter­ceira. O sacrifício de Cris­to foi feito em nosso favor. Mas a quem ele foi ofereci­do? A Bíblia é clara: Cristo mor­re na cruz como uma satisfação pelos nossos pecados recebida pelo Pai, e cujo resultado é apli­cado em nossas vidas pelo Espírito Santo (Rm 5.1-2; 7.25-8.2; Ef 2.13- 16).

Isso não significa que apenas o Pai estava irado e o Filho, este sim misericordioso, “quebrou o galho” para nós. Não. As três pessoas são san­tas e não suportam pecado, e as três estabeleceram misericordiosamente o pla­no da Salvação. O Filho morreu porque o Deus triuno assim o planejou em nosso fa­vor ( Jo 3.16-17).

DEPENDÊNCIA DIVINA

Em segundo lugar, a doutrina da Trindade ensina-nos que somos totalmente dependentes de Deus, o que é um princípio basilar sem o qual não há crescimento espiritu­al. C.S.Lewis, considerado um dos maiores pensadores evangélicos do século 20, ilustrou muito bem o que dizemos: “Um cristão comum se ajoelha para orar. Procura entrar em contato com Deus. Mas, sendo um cristão, ele sabe que é Deus que o impele a orar; é Deus dentro dele, por assim dizer. Mas, ele também sabe que todo o seu conhecimen­to real de Deus vem por intermé­dio de Cristo, o Homem que era Deus. E sabe que Cristo está ao seu lado (…) Você bem pode ver o que ocorre: é a Deus que ele dirige a sua oração; Deus é o alvo que ele procura atingir. Mas Deus também é quem o impele, no seu interior, a agir assim; é o poder motivador de sua ação. E Deus é também o caminho, a ponte por onde ele está sendo impelido para aquele alvo. Assim, a tríplice vida do ser tripessoal está na verdade atuando quando um simples cristão, num quartinho bem simples, está oran­do” (Cristianismo puro e simples, ABU Editora).

A doutrina da Trindade, como vemos, mostra-nos que Deus é “quem opera tanto o querer quanto o efetuar”, como afirmam as Sagra­das Escrituras. Oramos para falar com Deus (Pai). Mas, quando oramos, é Ele (Espírito Santo) que nos impeliu a isso. E só oramos por meio Dele (Cristo). Deus é nosso começo, meio e fim. Ele permeia todas as facetas da nossa vida cristã. Se o crente é instruído quanto à doutrina da Trin­dade, ele vai entender melhor como Aquele que está além também está dentro dele e o auxilia.

TRANSCENDÊNCIA

É bem verdade que não é fá­cil entendermos como alguém pode ser três e um ao mesmo tem­po. Mas é justamente por isso que Deus é Deus! E aqui está o ter­ceiro ensinamento da doutrina da Trindade: a transcendência divina, que leva o crente sincero a pros­trar-se reverentemente diante do Criador.

Como Deus pode ser três e um ao mesmo tem­po? A qualidade de exis­tência do Senhor está muito além da nossa re­alidade. O que acontece é que, em vez de acei­tarmos o Criador como Ele é, tendemos a vê-lo como um de nós, criaturas. Mas Deus não pode ser confinado à nossa re­alidade e lógica.

Por estarmos acos­tumados à lógica do universo criado, não entendemos como pode ha­ver um outro tipo de existência que vá além dessas regras a que estamos limitados. Infelizmente, esquecemos que aquilo que vemos ao nosso redor só é lógico, só existe assim, dentro de leis naturais que são entendidas pouco a pouco pela Ci­ência, porque Deus criou-o assim. Deus está acima dessas regras porque Ele as criou. Antes elas, Ele já existia.

Quando dizemos que Deus é transcendente, queremos dizer que Ele é incomparavelmente incomparável, que nada nem ninguém se parece com Ele, porque ele vive em um nível e em uma qualidade de existência que nenhum outro ser conhece ou conhecerá.

Deus não é um ser como tan­tos outros ou apenas um “ser su­perior”. Ele é o único e verdadei­ro Deus, e por isso deve ser reverenciado e adorado por nós. Ele está muito além, e é auto-existente e auto-suficiente. Ele não precisa de mim ou de você para existir e ser. Ele se basta em si mesmo. O fato de Ele ser transcendente e habi­tar-nos, mesmo sendo como somos, deve levar- nos à adoração incessan­te e submissa.

DEUS É AMOR

Por fim, a doutrina da Trindade é importan­te porque é o fundamen­to da afirmação bíblica de que Deus é amor e, consequentemente, da doutrina da revelação di­vina às suas criaturas.

Muitos pensam que Deus criou outros seres porque era carente e inseguro, e precisava de outros seres ao seu redor, louvando-o, para que pudesse sair da solidão. Essa visão é totalmente equivocada.

A Bíblia diz que Deus é amor, e a própria definição de amor exige a existência do outro para que esse amor realmente exista e seja efetivado. Como dizer que um Deus que não é triuno é amor, se não há o outro para que esse amor se manifes­te? Além disso, se o amor é um atri­buto divino e Deus é eterno, logo esse atributo é eterno. Ora, sem a doutrina bíblica do Deus triuno, o que temos é, na verdade, uma contradição, pois como esse atributo divino, e portanto eterno (amor), se manifestava antes mesmo da Criação dos anjos e do Uni­verso?

O ensino bíblico de que Deus é amor só se sustenta em um Deus triuno, que é apresentado pelas Sagradas Escrituras do princípio ao fim, de forma implícita e às vezes explíci­ta no Antigo Testamento, e sempre explícita no Novo Testamento, uma vez que o advento de Cristo ressaltou ainda mais a existência da Trindade (Gn 1.16; Is 6.3;48.16; 61.1-3; 63-9-10; Zc I 12.10; Mt 28.19; Lc 3.21-22;  Jo 1.1: 8.58).

Escreve o teólogo norte-americano Kerry McRoberts: “A fé cristã oferece uma revelação clara e compreensível de Deus proveniente de fora da esfera do tem­po, pois Deus, como Trindade, tem desfruta­do de eterna comunhão e comunicação entre suas três Pessoas distin­tas. O conceito de um Deus pessoal e que se comunica, desde toda a eternidade, está arraigado na teologia trinitariana.

Deus não existia em silêncio e de forma estática para então, certo dia, op­tar por romper a tranquilidade daquele silên­cio e falar. Pelo contrário comunhão eterna dentro da Trindade é essencial para o conceito de revelação. A alternativa de um ser divino solitário que murmura de si para si na sua solidão é um pouco inquietante. (…) Por toda eternidade, o Pai amava o Filho, o Filho amava o Pai, e o Pai e o Filho amavam o Espírito. Deus é amor (1 Jo 4.16). (…) O amor eterno dentro da Trinda­de outorga sentido ao amor humano (1 Jo 4.17)” (Teologia Siste­mática, uma perspectiva pentecostal, CPAD).

Deus não é um ser solitário, que necessita de suas criaturas para amar. Como ser triuno, tripessoal, Deus tem em si mesmo a plenitude do amor. As suas obras são apenas a expressão des­se amor, isto é, do seu ser. O amor é a amálgama e o resultado direto dessa relação in­delével e absolutamente harmoniosa entre as três pessoas da Trindade. Ele existe porque Deus exis­te. Por isso, “Deus é amor”.

A criação divina é resultado natural do ca­ráter de Deus, da sua es­sência perfeita, e não uma tentativa de preen­cher uma lacuna. Não fo­mos criados para que, fi­nalmente, houvesse no universo a plenitude do amor. Em Deus, o amor sempre exis­tiu em sua plenitude. Fomos criados justamente porque o amor já existia Nele, e não para que este fosse completado.

Compreendendo isso, temos o sentido da nossa adoração realçado e a compreensão do amor divino dilatado. Isso é o que Deus quer.

————

SILAS DANIEL – FONTE: REVISTA “RESPOSTA FIEL” ANO – N°16

Sair da versão mobile