Neste capítulo, examinaremos a situação atual do avanço missionário no mundo e como podemos enfrentá-la. Uma vez que nos sentimos chamados ou vocacionados, então o que fazer e como nos preparar? Não podemos responder a estas perguntas de modo pessoal. Isto exige a direção do Espírito, que vem sob medida para o seguidor de Jesus. Entretanto, parte do processo de perceber tal direção é a informação e conscientização da necessidade e da situação evangelística do mundo. É a isto que nos propomos.
Comecemos com nossa conceituação e linguagem sobre missões.
MISSÕES ESTRANGEIRAS OU TRANSCULTURAIS?
Durante muitas décadas, a igreja distinguiu metodicamente entre missões nacionais e missões estrangeiras. Era uma distinção geográfico-política, isto é, por país. Aliás, por trás de cada um destes conceitos havia uma estratégia missionária predominantemente geográfica. Assim sendo, as juntas missionárias estrangeiras procuravam distribuir seu trabalho entre alguns países, às vezes igualmente, apesar do tamanho da população e diversidade cultural de cada um. De forma semelhante, o alvo das juntas missionárias nacionais era distribuir geograficamente seu trabalho em cada região ou município do país, apesar da frequente diferenciação populacional ou saturação por outras denominações. Com grande entusiasmo e convicção citávamos Atos 1.8 como base de nossa estratégia geográfica: “… e sereis minhas testemunhas… até aos confins da terra”. Frequentemente a impressão dada era a de que quanto mais longe fosse, mais nobre seria o trabalho missionário.
Então, se entendêssemos isto literalmente, para o brasileiro, os confins da terra corresponderiam à Micronésia, no Oceano Pacífico. É a região mais distante do Brasil. Entretanto, é também a região (proporcionalmente) mais cristã do mundo! A população professa é de 90%, enquanto os praticantes são mais de 65% da população total! Agora, pense no significado de Atos 1.8 para os micronésios. Entendido apenas geograficamente, ele indica que a região mais carente do evangelho para eles é o Brasil! Afinal de contas, qual região é mais carente diante de Deus? Tudo isto indica que, hoje, já não podemos mais entender “os confins da terra” como o alvo geográfico de missões. Os “confins da terra”, geograficamente, só faziam sentido para a igreja primitiva, quando o evangelho ainda estava, em termos geográficos, restrito a uma pequena parte do Oriente Médio. Aliás, mesmo para a igreja primitiva, a ideia não era de simplesmente ir cada vez mais longe, mas de ir longe porque lá os povos ainda não haviam recebido o evangelho. Hoje, precisamos alcançar os não-alcançados onde quer que estejam, seja geograficamente longe ou perto.
ALCANÇANDO OS NÃO-ALCANÇADOS
Nosso alvo missionário é alcançar aqueles que não receberam o evangelho de Cristo. Isto está implícito em Atos 1.8, apesar da interpretação apenas geográfica que frequentemente lhe é dada. O que Atos 1.8 deixa implícito, Romanos 15.19-21 deixa explícito:
“… completei a pregação do Evangelho de Cristo. E me empenhei por anunciar o Evangelho onde ainda não havia sido anunciado o nome de Cristo, pois não queria edificar sobre fundamento alheio. Fiz bem assim, como está escrito: Hão de vê-lo aqueles a quem não foi anunciado e os que não ouviram entenderão” (Bíblia Vozes).
Quando Paulo diz “completei a pregação…”, ele está dizendo, literalmente, no texto original, “eu cumpri” ou “preenchi”, como os versículos seguintes confirmam. Ele fez isto dentro de uma região geograficamente já alcançada por outros evangelistas — “desde Jerusalém circulando até ao Ilírico” (tradução minha). Paulo “preenchia” com o evangelho aquela região geográfica já alcançada, pregando aos povos que ainda não haviam recebido o evangelho.
Tudo isso indica que nossa estratégia missionária deve dar prioridade aos povos não-alcançados pelo evangelho. É uma estratégia que não é simplesmente geográfica, mas fundamentalmente cultural. Com “cultural” queremos dizer que os povos culturalmente definidos são nosso alvo, não regiões geográficas em si. A grande comissão manda fazer discípulos de todas as nações, etnias, segundo o texto original (Mt 28.19). A tradução “nações” é um tanto infeliz, porque dá a ideia de países politicamente definidos, em vez de grupos étnicos ou povos culturalmente definidos. O mandamento é no sentido de discipular as etnias.
Este conceito está mais próximo da idéia bíblica e ilumina imensamente a tarefa missionária atual. No Brasil, há inúmeros grupos culturalmente distintos (veja o excelente filme da Visão Mundial sobre estes povos). Somente em São Paulo há um milhão de japoneses, 430.000 portugueses, 400.000 italianos, 200.000 chineses, 180.000 espanhóis e não poucos coreanos, ciganos, alemães, sírios e outros. No país há centenas de tribos indígenas.
Mas, vamos pensar em termos mundiais. Os missiólogos dizem que há aproximadamente 24.000 povos culturalmente definidos no mundo. Metade destes ainda não possui uma igreja cristã que possa continuar o trabalho de evangelização. Ora, se atualmente a evangelização destes povos não pode ser realizada por eles mesmos, isto exige alguém de outra cultura para evangelizá-los. Precisa-se, então, de missionários transculturais, pois cristãos têm que cruzar barreiras culturais para alcançá-los.
Por isso, alguns falam de missões monoculturais e transculturais, em vez de missões nacionais e estrangeiras. Cremos que a primeira distinção é mais precisa e relevante para a situação evangelística do mundo.
MISSÕES DO TERCEIRO MUNDO
Alguns pensam que, até o ano 2000, mais da metade dos missionários cristãos será do Terceiro Mundo. Isto poderá representar um tremendo avanço na obra missionária. Por quê? Em primeiro lugar, a maioria dos 12.000 povos não-alcançados, que constituem 60% da população mundial, faz parte de cinco blocos principais da humanidade: muçulmanos (860 milhões em 4.000 etnias), hindus (550 milhões em 2.000 etnias), budistas (275 milhões em 1.000 etnias), chineses han (150 milhões em 1.000 etnias) e religiões tribais (140 milhões em 3.000 etnias). Em segundo lugar, a maioria destes povos vive em países que, por razões históricas e sócio-políticas, não são simpáticos aos europeus ou norte-americanos. Em terceiro lugar, muitos destes países (por exemplo, os países muçulmanos e comunistas) não permitem a entrada de “religiosos profissionais”, caso, geralmente, do missionário tradicional. Em quarto lugar, já que, em sua maioria, estes países estão procurando rápido desenvolvimento tecnológico e econômico, favorecem a entrada de profissionais; às vezes, até o próprio governo os emprega.
Somando estes fatores, ficamos diante da necessidade aguda de missionários transculturais do Terceiro Mundo. E para alcançar os não-alcançados em países fechados aos missionários tradicionais, urge enviar, principalmente, profissionais com treinamento missionário. Na Arábia Saudita, por exemplo, há mais de 20.000 sul-coreanos empregados na construção civil por aquele governo muçulmano. E, pelo testemunho de cristãos sul-coreanos, lá também existem igrejas cristãs, apesar de muito sofrimento e perseguição.
Mas a situação evangelística mundial não é a única razão da necessidade de missionários do Terceiro Mundo, nem mesmo a principal. O propósito dos seis primeiros capítulos deste livro era ressaltar que a Bíblia deixa claro que é da própria essência da igreja o ser missionária. O surgimento dos missionários do Terceiro Mundo nada mais é que o testemunho e a evidência dessa verdade.
Quero terminar, fazendo um convite pessoal para que o prezado leitor procure servir ao Senhor sem nenhuma restrição de onde, como e quando serví-lo. Convido-o a considerar em oração a possibilidade de receber treinamento missionário transcultural adequado. O desafio foge de nossa compreensão. O preparo deve ser o melhor.
Extraído do livro MISSÕES NA BÍBLIA, Ed. Vida Nova