Israel pressiona judeus ultraortodoxos a se integrar à sociedade
Apenas quatro em cada dez homens da minoria haredi trabalham, o que pode provocar desequilíbrio na economia
Ao procurar emprego, um judeu ultraortodoxo incluiu em seu currículo como “habilidades técnicas” ter construído uma cabana na varanda de sua casa para o festival anual da colheita, o Sucot, e preparar a cozinha para a Páscoa. Outro levou um currículo escrito à mão, em papel de fax, dobrado no bolso. Quando o conselheiro de emprego Benjamin Yazdi pergunta a clientes ultraortodoxos qual é o endereço e-email deles, muitos respondem “O que é isso?”.
Israel vem enfrentando nos últimos meses o desafio de integrar à sociedade uma minoria ultraortodoxa isolada, chamada de haredi. Na última campanha eleitoral no país, o tema mais discutido foi o de “dividir o fardo” da cidadania com eles, mais especificamente, fazer com que cumpram o serviço militar. Há dois meses, uma comissão parlamentar aprovou um projeto de lei que prevê o fim de uma série de exceções para estudantes dessa comunidade.
Mas se a proposta parlamentar causou comoção, levando milhares a protestar nas ruas, o baixo número de homens ultraortodoxos empregados é um problema muito mais importante, com um terrível efeito sobre a economia em termos de produtividade e impostos, além de drenar verbas para o pagamento de programas sociais.
Como os ultraortodoxos se comprometem com o estudo da Torah em tempo integral, apenas 4 em cada 10 deles trabalham, menos da metade da taxa de outros homens judeus em Israel. O salário médio que recebem equivale a 57% do rendimento dos outros homens judeus no país. Quase 60% das famílias haredi vivem na pobreza e, em 2050, eles devem ser mais de um quarto da população de Israel.
“Está claro que a situação não pode continuar”, declarou recentemente Stanley Fischer, diretor do Banco de Israel. Sem uma mudança radical, “a economia israelense vai entrar em colapso em duas décadas”, diz Yedidia Stern, do Instituto de Democracia de Israel. Após anos de poucos esforços oficiais, o governo de Israel decidiu destinar US$ 132 milhões nos próximos cinco anos para treinar e buscar emprego para os ultraortodoxos.
Há muitas barreiras a serem transpostas. As escolas dos haredis ensinam muito pouco de matemática, ciência ou inglês. A comunidade evita a internet. Muitos homens querem empregos de apenas quatro horas por dia, e outros se recusam a trabalhar ao lado de mulheres.
“Tenho um telefone kosher (referindo-se a um celular sem acesso a internet), ainda visto as mesmas roupas, falo da mesma forma”, disse Yisrael Shlomi, 23 anos, um estudante haredi que faz um curso preparatório para entrar na faculdade; ele quer trabalhar com computadores. A primeira vez que viu um jornal não-haredi foi na cafeteria do campus, no primeiro dia de aula.
Avner Shacham, chefe-executivo da Beit Shemesh Engines, disse ter enfrentado dificuldades com os haredi que contratou para sua fábrica de peças para motores de avião. Eles não sabem ler os manuais em inglês, recusam-se a fazer hora extra, e reclamam da cozinha da fábrica, que não segue um padrão kosher mais radical, o glatt. “Temos algumas regras, e são as mesmas regras para todos”, diz Shacham.
Embora a cultura haredi em qualquer lugar priorize o estudo da Torah, é apenas em Israel que eles conseguem dedicar-se em tempo integral. E nem sempre foi assim: em 1979, 84% dos homens ultraortodoxos trabalhava, número mais próximo dos 92% dos demais homens judeus, segundo o Centro Taub de Estudos em Política Social em Israel. As taxas de desemprego subiram em grande parte porque quem se recusa a prestar serviço militar, como no caso de muitos haredi, pois dizem que sua vocação é a Torah, é impedido de ser empregado.
O novo projeto de lei – que ainda precisa ser aprovado pelo governo e pelo Parlamento – vai acabar com esse obstáculo. Ao mesmo tempo, o novo orçamento deve cortar drasticamente os subsídios a famílias numerosas de que eles dependem, dando mais um incentivo para que passem a trabalhar.
Entre as mulheres haradi, 61% trabalham, em parte para sustentar o estudo da Torah de seus maridos. Embora maior do que entre os homens haredi, a taxa ainda é menor do que entre as demais mulheres judias, que chega a 82%. E as mulheres haredi tendem a ter empregos com baixa remuneração.
Por Jodi Rudoren no site do IG em 06/08/2013